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Havia se passado cerca de duas semanas desde o incidente com a grande capital de Runipon. Sem a capital, toda Runipon foi dissolvida e outros povos começaram a migrar para as terras sem dono, estabelecendo ali um novo país, mais tarde conhecido como Valéria.

No reino dos Elfos da Floresta as coisas não iam nada bem. O conselho de guerra temia ainda mais a chegada dos Elfos Negros que avançavam com força total do Leste para o Oeste. A brutalidade deles começava a ficar lendária.

Assassinatos e estupros em massa eram a coisa mais branda que se ouvia falar sobre eles.

Se comentava na corte o sumiço repentino dos caídos e do retrocesso dos humanos na guerra que acontecia no meio do continente.

Enquanto Elfos negros marchavam para mais a oeste, Errantes se aproximavam pelo Leste, colocando os Elfos da Floresta em alerta máximo.

Celae se encontrava em um dilema.

Ela poderia falar com Coen, já que ela pensava que ele tinha alguma coisa relacionada com os Elfos Negros, ou assistia em silêncio a derrocada do seu próprio reino.

O único empecilho era que Coen não aparecia a semanas, e ela estava começando a suspeitar dele, afinal, seria fácil ele obter informações privilegiadas da própria princesa e usar isso em favor dos Elfos Negros.

Parada frente a janela e encarando a lua minguante, Celae pensava qual o melhor passo a se dar no momento, mas suas duas opções eram extremas demais.

Pow!

As portas do quarto de Celae se abriram num rompante e soldados vestindo suas armaduras adentraram portando consigo suas armas.

— O que significa isso? — perguntou Celae assustada e, ao mesmo tempo, furiosa.

Um dos guardas deu um passo à frente.

— Vossa Majestade solicita sua presença.

Ela achou estranho todos aqueles guardas e a rispidez apresentada por eles. Estavam a tratando como se tratava os inimigos da corte.

Celae não fez nenhum movimento brusco, apenas assentiu e seguiu os guardas até a sala do trono. Enquanto era escoltada pelos guardas, ela notou que outras pessoas mantinham sobre ela um olhar de ódio e desprezo, como se a mesma tivesse cometido um crime hediondo.

O salão estava lotado.

Era difícil ele ficar daquela forma quando não havia algum tipo de evento importante. Acima de uma escadaria de mármore branco estava o rei sentado em seu trono feito de raízes retorcidas.

O rei era bem alto, tinha cabelos dourados longos e uma barba bem cheia. Seu olhar era bem intimidador, quase tão intimidador quanto o olhar de Coen.

Ao lado do rei estava Ashel, a empregada e confidente de Celae, que desviou o olhar assim que os cruzou com a princesa.

Assim que chegaram próximos ao trono, um dos soldados empurrou Celae, quase a derrubando no chão.

— Aqui está a traidora!

“Traidora?”

— Princesa Celae… — disse o rei num tom de voz intimidador — Tenho algumas perguntas, então só responda com sim ou não, entendido?

Ela engoliu o seco.

Celae já imaginava o que havia acabado de acontecer.

— Entendido, senhor…

— A princesa sabe da situação que estamos vivendo no reino, não sabe? Falta de recursos, morte, praga e a guerra. Sabe quem são nossos principais inimigos, não sabe?

Ela fez que sim.

— Sim, meu pai…

— E mesmo assim, mesmo sabendo de tudo isso, a princesa decidiu abandonar seu povo e se encontrar as escondidas com nosso principal inimigo, um Elfo Negro, certo?

Depois de engolir o seco, Celae assentiu.

— Sim…

Uma comoção se iniciou.

As pessoas começaram a cochichar, e à medida que as fofocas aumentavam, aumentava também o olhar de repulsa que os cidadãos e nobres do reino tinham em relação à princesa.

— Vadia! — berrou alguém da multidão.

— Você nos vendeu!

— Queimem essa desgraçada!

As ofensas continuaram por alguns segundos. Celae ouviu tudo aquilo calada, enquanto seus olhos amarelos iam de um lado para o outro, enxergando tantos rostos vermelhos de raiva concentrados nela.

O rei ergueu a mão e as pessoas se calaram.

— Revelou informações sobre nós a ele?

Ela havia revelado, mas não era nada comprometedor. Eram informações relacionadas ao estilo de vida dos Elfos e algumas de suas lendas folclóricas, porém, ela não tinha coragem de dizer algo além de sim ou não.

Celae sabia do que seu pai era capaz. Depois de engolir o seco, ela fez que sim.

— Sim…

Uma taça de vidro voou na direção de Celae, quebrando em sua têmpora. Em seguida, mais pessoas começaram a jogar tudo que tinham nos bolsos, a chamando dos piores nomes possíveis.

O rei nada fez para impedir, permitiu que aquilo continuasse por quase um minuto inteiro, até que ele ergueu a mão e a confusão cessou.

A têmpora de Celae sangrava demasiadamente, assim como outras partes de seu corpo que estavam feridas e cortadas. Ela apoiou a mão na têmpora tentando conter o sangramento.

— Você tem o sangue da sua mãe, afinal. Aquela mulher não conseguiu nem me dar uma primogênita saudável, me deu isso… — Ele fez um gesto de desgosto — Uma mulher doente que se deita com os inimigos do seu próprio povo… Pelo menos agora não tenho mais desculpas para mantê-la aqui no meu palácio.

Celae raramente falava com seu pai, mas ela sabia que o fato de Celae herdar a doença da mãe fazia com que seu pai não a visse com bons olhos. Apesar de ser a mais velha, ele não pretendia passar a coroa a ela, e sim a irmã mais nova que nasceu saudável e vivia sob as ordens imponentes do pai.

Ouvir aquilo do próprio pai a machucava. Apesar do seu caso com Coen, ela nunca traiu seu povo, muito menos disse a ele informações que comprometessem o reino, mas era inútil dizer aquilo, aqueles Elfos só queriam alguém para descontar a frustração de uma vida difícil em alguém, e infelizmente Celae era o alvo perfeito.

Antes de ser amiga de Celae, Ashel era fiel ao rei. As escapadas da filha eram de conhecimento de vossa majestade desde o começo, e Celae sempre contava tudo a amiga confidente, que repassava ao rei de imediato.

Vossa Majestade sabia que Celae não os trairia, por isso suas perguntas eram ambíguas. Ele só precisava de um motivo para se livrar dela, já que um herdeiro não saudável poderia arruinar uma linhagem real milenar e ela era o bode expiatório perfeito para as frustrações do rei e seu povo.

Para o rei, manter a linhagem pura e consistente era prioridade, e Celae já era alvo de descarte desde o momento em que nasceu com um coração fraco e um corpo frágil. Só foi mantida viva até agora porque essa foi a vontade de sua falecida mãe e a princesa já não era tão útil.

Celae recusava os pedidos de casamento de nobres e era bem provável que seus filhos herdassem a doença da mãe, já que era algo hereditário, mas sua irmã por sorte havia nascido saudável.

Elfos em sua maioria recusariam um filho doente, o ceifando assim que viesse ao mundo, por isso a chance de Celae ter herdeiros saudáveis era baixa.

— Celae! — bradou o rei — Eu poderia matá-la, mas seria um castigo rápido demais para uma traidora. Eu a renego, você a partir de hoje está banida do reino e todos os seus títulos estão retirados. Você será apagada da história dos Elfos. Se tornará uma qualquer, uma nada junto aos bastardos doentes que tiver. Agora deixe o reino e nunca mais volte!

Ainda com uma mão na têmpora, Celae fez uma reverência e se retirou ao som das ofensas proferidas a ela. Seu único arrependimento era não poder explicar tudo a irmã mais nova. A pequena cresceria ouvindo pelos corredores do castelo que a irmã que tanto admirava não passava de uma vadia traidora.

Celae deixou o castelo com a roupa do corpo, um lindo vestido branco que agora estava em partes manchado de sangue e sujo de outras coisas.

Ela passou pelos portões do castelo e encontrou uma multidão enfurecida que a encarava com demasiado ódio.

— Traidora! — Esterco voou em seu cabelo.

— Sua Vadia! — Foi a vez de lama voar em seu rosto, mas ela se protegeu, ergueu um dos braços.

Jogaram nela água suja e atiraram até mesmo pedras nela, causando hematomas e cortes que se misturaram ao esterco.

Xingamentos e aquele tipo se agressão se seguiram até o anoitecer. Todo Elfo queria denegrir a despatriada de alguma forma.

Celae se afastou do grande centro e foi direto para o subúrbio. Ela fedia a merda e estava tão suja que estava irreconhecível.

As noites naquela época do ano eram bem frias, e com um corpo todo molhado ela dificilmente sobreviveria para ver o amanhecer.

Ela se encolheu em um canto e abraçou as próprias pernas enquanto batia o queixo devido ao frio.

Seu corpo estava doendo, ela estava cansada e seus pés estavam doloridos depois de tanto andar, mas mesmo assim ela não derramou nenhuma lágrima.

Ela ficou surpresa consigo mesma por permanecer tão forte depois de perder tudo, mas a verdade é que sua ficha estava caindo aos poucos. Ela sabia que chorar era algo inútil no momento, apesar de que a vontade de desabar em lágrimas começava a crescer lentamente.

Alguém coberto por uma capa se aproximou dela segurando um lampião.

— É ela sim! — disse um garoto — Está toda suja, mas é ela!

A menina Elfa ao lado engoliu o seco. Ela era mais nova que o garoto Elfo. Os dois tinham cabelo escuro.

— Princesa Celae, é a senhora? — perguntou o garoto.

— Não sou mais princesa…

— É, eu soube que agora você foi despatriada por trair o reino.

Celae se encolheu ainda mais e virou para o lado.

— Se vieram jogar coisas em mim, façam logo e deem o fora.

— Eu deveria, mas não farei isso. Mamãe sempre disse que devemos ajudar os necessitados, e ela gostava da rainha.

Celae encarou aqueles dois de cima a baixo.

— Onde está sua mãe?

— Morta, assim como a rainha. Por que não levanta e vem com a gente? Temos comida e um lugar quente para ficar.

Ela não tinha escolha.

Ou ela iria com eles, ou ficava ali e morria congelada.

— Certo, onde é esse lugar?

— Só nos seguir!

 



 

Depois de entrar em vielas que mais pareciam labirintos, eles se enfiaram em uma rua sem saída. O garoto bateu na parede algumas vezes como se fosse uma espécie de código, e a porta se abriu.

Havia um corredor iluminado por tochas que descia por metros. Celae achou tudo aquilo suspeito, mas ela nada tinha a perder, acompanhou os dois garotos até o final do túnel.

Seus olhos se arregalaram ao ela ver haverem ainda mais crianças naquele lugar. Ela estava em uma espécie de gruta com várias crianças conversando entre si. O lugar era aconchegante e com um visual bem rústico. Era perceptível que os belos moveis de madeira marfim que davam um toque especial ao lugar eram roubados.

Um grupo de pirralhos arriscava uma música com um alaúde, outro grupo jogava cartas em mesas de madeira, e haviam outros grupos espalhados que se divertiam jogando conversa fora.

— O monstro do pântano! — berrou um dos garotos apontando para Celae. — Salvem suas vidas!

— Esperem! — disse o Elfo que a trouxe antes da confusão se iniciar — Essa é a ex-princesa Celae, nossa nova mãe!

Celae fez uma careta estranha.

— Nova o quê?

A pequena pegou as mãos dela e a puxou para os fundos.

— Por que a senhora não toma um banho? A água daqui é bem quente!

— Isso! — berrou outro garoto — Fizemos um desvio dos encanamentos do Conde Barton direto para cá, aquele velho não desconfia de nada!

Depois de arrastá-la para dentro, algumas garotas ficaram na porta, impedindo outros meninos de passarem.

A água realmente estava quente como o pirralho disse. A sorte de Celae era que era uma espécie de lago com água corrente que se perdia em meio as pedras que dava para o subsolo.

Assim que ela entrou, a água ficou marrom, e a garotinha não conteve o sorriso.

— Nossa mamãe, a senhora é mesmo uma porca hihi!

Celae franziu o cenho.

— Eu não sou sua mãe.

— Agora é! Nós te salvamos, então você deve algo para gente. Vai pagar sendo a nossa mãe, mesmo que de mentira!

“Tsc… Esses pirralhos são todos assim? Mas tudo bem, qualquer coisa é melhor que morrer congelada em um beco”.

Celae ficou meia hora se banhando, depois ficou mais meia hora de bobeira, pensando no que faria da sua vida agora que havia perdido tudo.

Sem Coen e sem família, ela se tornava só uma plebeia comum.

A sorte dela era que sabia um pouco de magia, então poderia se virar por um tempo.

Ela estava surpresa consigo mesma. Depois de perder tudo, seu coração estava brando e sem nem um pingo de culpa ou remorso.

A garotinha trouxe uma toalha e roupas limpas do tamanho de Celae.

Trouxe também um espelho e um pente. Ela se trocou, usando uma camisa de manga longa branca, calças de couro preto e botas escuras.

Colocou curativos onde havia se ferido. Olhou para o pingente de sua mãe que ainda estava em seu pescoço e retornou para o local onde todas as crianças aguardavam ansiosos sua chegada.

Havia cerca de trinta crianças naquele lugar, e todos os olhos se concentravam em Celae.

Limpa, ela se parecia mesmo com uma princesa. Era um pensamento unânime entre as crianças de que ela era bela. Os meninos mais velhos ficaram envergonhados, já as meninas mais velhas ficaram genuinamente encantadas, desejando se parecer com ela em jeito e estilo.

— Vocês não deviam estar dormindo? — ela perguntou.

— As mães não contam histórias pros filhos antes de dormir? — perguntou um garoto nos fundos.

Celae olhou para os dois lados e notou haver uma grande fartura de comida na estante. Havia água limpa para beber, água quente para tomar banho e camas para dormir.

Aqueles órfãos só queriam a fantasia de uma mãe, e Celae queria sobreviver por um tempo até seguir seu próprio caminho.

Ela puxou uma cadeira e se sentou cruzando as pernas.

As crianças mais novas se sentaram mais próximas, mantendo o olhar nela.

— Que tipo de história vocês querem ouvir?

— De herói! — disseram os meninos.

— Tem que ter batalha de espadas também! — disse um garoto.

— E princesas! — disse uma garotinha.

Celae suspirou e cruzou os braços fazendo que sim com a cabeça.

— Então querem que eu invente uma?

— Siim! — disseram todos em uníssono.

Celae assentiu.

— Qual será o nome do nosso herói? — ela indagou.

As crianças começaram a gritar nomes sem parar.

— Jellborg!

— Lotrich!

— Risvere!

Celae suspirou mais uma vez e coçou a nuca.

A única criança que ela estava acostumada a lhe dar era com sua irmã mais nova, que era bem menos elétrica que aquelas diante dela.

— Colin! — disse o garoto Elfo que a trouxe.

Ao dizer aquele nome, as outras crianças ficaram cabisbaixas, e o garoto Elfo continuou.

— É que… era ele quem cuidava de nós, antes de a praga levá-lo para o grande paraíso…

— Sim! — disse outro garoto — Acho que esse seria um bom nome para um herói…

As outras crianças concordaram.

— Certo… — assentiu Celae — Mas vou contar essa história e vocês vão direto para cama, entendido?

— Sim, mãe! — disseram os mais novinhos.

Seria difícil se acostumar a ser chamada assim.

— Então essa é a história de Colin. Tudo começou quando Colin nasceu, os pais dele…

Celae continuou ali por boa parte da noite e nas próximas noites seguintes. Levou dois dias para decorar o nome de todas as crianças e passou a tratá-las com afeto.

Os pequenos corresponderam, a obedecendo sem reclamar, alimentando toda aquela fantasia que tinham sobre ter uma mãe.

Por hora, aquele era o lugar mais seguro para Celae, já que o resto do continente rumava cada vez mais para um confronto de proporções inimagináveis.

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Olá, eu sou Stuart Graciano!

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