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Capítulo 171 – Herói

O corredor escuro estava pintado de sangue e vísceras. Dava para sentir o gosto na língua. Yebella retirou a espada do coração de Molkar, o irmão mais novo que veio a capital representar o irmão, o imperador do Sul.

Entre os corpos e poças de sangue, a filha de Rontes, Selly, estava sangrando com a garganta cortada. Herdeiros e futuros herdeiros de importantes impérios e dinastias estavam mortos. Mesmo que Ultan conseguisse se recuperar do ataque, levaria anos até que seu império chegasse perto de ser o que um dia já foi.

No canto, borrando nas calças, estava Trunyson. Uma de suas mãos havia sido decepada e um de seus olhos arrancados pelos irmãos gêmeos de Stedd.

Ylladiana jogava adagas nele, como se fossem dardos.

Crash!

A adaga cravou em sua perna corpulenta e Trunyson berrou.

— P-Por favor! Quanto vocês querem para me deixar sair daqui? C-Consigo cobrir o preço que os caídos deram a vocês!

— Arrg! — Outra adaga cravou em seu braço.

Ylladiana bocejou e limpou a lágrima do canto de seus olhos.

— Você é muito chato, só sabe falar de dinheiro? — Ela encarou a irmã mais velha por cima dos ombros — Posso matá-lo agora?

Yebella avistava pela janela inúmeras bolas de fogo caírem por parte da capital como meteoritos.

— Ainda não! — Respondeu — Nebeora não terminou de roubar os rostos de todos.

A pequena Nebeora se aproximou de Trunyson e agachou, retirando uma das adagas da cocha daquele homem. Após isso, ela lambeu a lâmina, sentindo o gosto de sangue.

— Blé! — Fez uma expressão de nojo — O seu sangue é horrível, tem gosto de gordura e cevada! — Ela ergueu-se e ajeitou o vestido — Pronto, esse é o último. Podemos ir para casa agora?

— Não vamos para casa — disse Wilster no fim do corredor.

— Porque não vamos para casa? — indagou Nebeora.

Wilster estava completamente curado, mas suas vestes não. Ele parou frente a irmã mais nova e bagunçou seu cabelo. Apesar de mais velha que os gêmeos e Stedd, Nebeora continuava com uma aparência bem infantil.

— Vamos desaparecer.

— Desaparecer? — indagou Yebella — O que quer dizer com isso?

Wilster cruzou os braços e encostou na parede, bem ao lado de Trunyson que arregalou os olhos, apavorado.

— Fazer negócio com os caídos foi perigoso, e soube de fontes confiáveis que a encruzilhada está no continente. Eles podem tentar atingir papai indo atrás de nós, por isso a ordem por hora é desaparecer.

— E para onde iremos? — indagou Nebeora — O papai não necessita de ajuda no oriente?

— Ainda não. Ele e mamãe estão se virando bem contra a encruzilhada. — Wilster desvencilhou da parede — Já avisei Megath e Veny. Falta avisar Stedd.

— Eu sempre quis desaparecer. — Foi a vez de Stedd de despontar no corredor acompanhado de Lei Song.

Era a primeira vez que a Kinesi via outros membros da família Ubiytsy. Mesmo a inocente Nebeora exalava uma aura sinistra.

— Como foi a prova? — indagou Yebella.

Stedd deu de ombros.

— Achei fácil.

— E o que aconteceu com seus amigos?

— A gente se separou, mas devem estar bem, eles são fortes.

Nebeora se aproximou de Stedd dando pulinhos.

— Aquele seu amigo fortão, ele ainda está na cidade?

— Colin? Não sei, se for esperto, não. Já que temos que desaparecer, estou ponderando ir para as ilhas Janesi. A encruzilhada não deve me procurar lá.

— Posso ir com você? — indagou Ylladiana empolgada — Juro que não vou atrapalhar em nada! Por favor, Steddizinho, deixa?!

— Tanto faz, só se comporte.

— Eba! — ergueu os braços em comemoração — Vou avisar Yengold! — Ela correu até a janela e saltou.

Yebella suspirou.

— Vai mesmo levar os gêmeos com você? As ilhas Janesi são país em guerra de sucessão. Eles vão trazer problemas, você também não é do tipo que consegue manter a discrição.

— Confia em mim, maninha, vou me comportar.

— Sei…

Wilster se aproximou de Yebella.

— Quando precisar de vocês entrarei em contato. Dispensados.

Assim que terminou de falar, Wilster desapareceu por completo. Nebeora assentiu e caminhou até Trunyson, apoiando o indicador na testa dele.

— Já tenho ideia aonde ir.

Splash!

Após um peteleco, a cabeça de Trunyson explodiu. Os miolos ficaram na parede.

Colocando as mãos para trás, ela ficou de pé frente a janela.

— Vejo vocês daqui a algum tempo.

— E para onde vai? — indagou Stedd.

— Todos vocês já saíram em uma aventura, acredito ser minha vez. Chega de trabalhos por enquanto, né? Foi o que Wilster quis dizer.

— Ele não disse isso.

— Tanto faz. — Ela apoiou o pé no peitoril da janela — Tchauzinho!

Nebeora saltou, desaparecendo na escuridão.

— E você — Stedd encarava Yebella — Para onde vai?

— Não sei, talvez Brambéria. É um país com muitas montanhas, acredito que dê para me esconder lá até papai nos chamar.

Stedd assentiu.

— Então a gente se vê.

— Se cuida, Stedd.


 

Próxima à entrada da capital, se encontrava um cenário quase infernal. Tudo queimava, uma chama azulada que consumia até mesmo asso.

Babando como um animal, Safira estava em cima de uma torre destruída. De suas narinas saiam labaredas celestes a medida que ela expirava. O calor entorno fazia os pulmões arderem e a pele, se não revestida com mana, queimava facilmente.

Suando como se estivesse dentro de uma sauna, Liena estava em cima dos telhados encarando Safira. Suas roupas estavam chamuscadas, seu rosto sujo de fuligem e, seus braços e pernas estavam revestidos com rochas.

O resto de seus companheiros estavam espalhados e se encontravam no mesmo estado.

Aquela luta não duraria tanto tempo, e Liena sabia disso. Diferente de sua companheira Asmurg, a mana dela estava próxima do fim.

Isso estava forçando-a tomar uma drástica decisão.

— Temos duas opções! — bradou — Ou a matamos aqui, ou fugimos!

— Não vamos matá-la! — bradou Kurth furioso lá em baixo — Ela ainda é nossa companheira!

Safira dobrou os joelhos e saltou na direção de Liena, cingindo a foice acima da cabeça.

Ting!

Liena defendeu, cruzando os braços revestidos acima da cabeça. Aproveitou a brecha e encaixou um chute frontal no abdômen de Safira, jogada no sótão de uma casa do outro lado da rua.

Boom!

Foi a vez de Liena avançar.

Ela saltou para o chão e apoiou a mão direita no solo. Debaixo de sua mão formou-se uma espada feita de rochas e ela a agarrou pelo cabo, correndo até a residência onde Safira havia sido lançada.

Deixou as rochas cobrindo somente seus ante braços e canelas, a fim de ganhar mobilidade. Após um salto, ela alcançou o sótão, avistando Safira se revidando nos escombros.

— Safira, se ainda estiver aí, saiba que sou eu, sua amiga, Liena!

A caída continuou rosnando até se recuperar por inteiro.

Apanhou a foice pelo cabo e Liena franziu os lábios.

— Se quer continuar com isso, então tudo bem, mas não me culpe pelo que irá acontecer aqui.

Ambas avançaram em disparada.

Ting! Ting! Ting!

Apesar de estar fora de si, os movimentos de Safira eram impressionantes, mas Liena era superior na esgrima, conseguindo abrir um corte no abdômen da caída.

Safira concentrou mana na foice e a lâmina foi revestida por um intenso fogo azulado.

Elas continuaram trocando golpes em um duelo épico no sótão, mas Liena começou a ficar em desvantagem devido à baixa mana.

Não demorou até o teto todo do sótão e as paredes serem destruídas.

Safira concentrou ainda mais mana na Lâmina de sua foice e lançou um poderoso corte arqueado vertical. Liena dobrou os joelhos e saltou para o lado apoiando os pés na parede de pedras da casa vizinha. Toda parede fora envolvida por um círculo mágico e estacas a deixaram, avançando contra Safira incessantemente.

Boom! Boom! Boom!

A residência havia sido completamente destruída, engolida pelas estacas.

— Safira! — Kurth se desesperou.

— Quanto drama! — Liena alcançou o chão e cuspiu sangue — Acha mesmo que ela vai morrer com isso?

Tanto Loaus quanto Alunys e Kurth estavam impressionados com Liena. Ela havia assumido o protagonismo daquele combate em minutos, além de assumir a liderança de maneira natural.

Loaus tardou a perceber que a Liena mimada e irritante havia morrido naquela viagem.

As rochas que enterravam Safira brilharam em um azul-claro e tudo explodiu, expondo Safira ainda inteira. Os chifres dela pareciam maiores, e sua forma estava ainda mais bestial.

“Aqueles dois continuam hesitando” pensou Liena “Meu irmão, que normalmente é bom em tomar decisões rápidas, parece tão chocado quanto aqueles dois. Consigo segurá-la aqui por mais algum tempo até minha mana acabar, mas depois disso…”

— Fujam! — ela levantou sua guarda com a espada — Se não podem lutar contra ela, então vocês só vão atrapalhar. Vão, vou segurá-la aqui até que vocês estejam seguros.

— Do que está falando? — indagou Kurth — Não deixarei você sozinha com ela, sei que você quer matá-la!

“Que coisa irritante.”

Safira abriu a boca e frente a ela se concentrou uma abundante quantidade de mana. Os pés dela afundaram no chão, como se a gravidade entorno estivesse elevada.

— Pulem! — berrou Liena antes daquele poder ser disparado.

Booom!

Uma tormenta de fogo avançou em direção a eles, incinerando tudo pelo caminho. O fogo engoliu tudo por cerca de trezentos metros, como uma avalanche incandescente. Quando aquele poder foi desfeito, viu-se um enorme rastro onde nada que foi atingido por aquilo ficou inteiro.

— Tá todo mundo bem?! — indagou Liena jogando um escombro de lado.

— Sim! — respondeu Alunys com queimaduras superficiais sobre o corpo.

Loaus de Kurth também haviam se ferido superficialmente.

— Que merda foi ess-

Crash!

Os três arregalaram os olhos quando avistaram Safira empalar Loaus no peito. O garoto golfou sangue e encarou Safira com os olhos descrentes.

A caída apertou o cabo de sua foice e a lâmina foi envolta de chamas azuis, envolvendo também Loaus. O garoto foi incendiado como uma tocha.

O fogo derretia sua carne.

Enquanto a chama o consumia, Loaus se lembrou de algo que jurou ter esquecido. Em uma noite tranquila de verão, sua mãe estava em seu quarto lendo para ele e sua irmã. Ambos não deviam ter mais que sete anos.

Antes de Lumur plantar ideias na mente dos irmãos e induzi-los e partir em uma aventura, sua mãe fazia algo semelhante, porém, bem mais sutil.

A pequena Liena dormia ao seu lado, sonhando com príncipes e festas de casamentos, enquanto o irmão imaginava-se como um herói.

A rainha, de cabelos negros e olhos claros, fechou o livro e abriu um sorriso.

— Já está tarde, por que não faz como Liena e descansa?

— Mamãe, pode pular para o final? Quero saber como termina…

Sua mãe assentiu.

— Vá com calma, filho. O final nem sempre é o mais importante.

— Por que não? É onde tudo termina, não é?

— Em partes, sim. Porém, você lembra do herói no começo da história?

— Sim! Ele era arrogante e chato, mas ficou legal com o tempo.

Ela estalou os dedos.

— Exatamente. Imagina se o herói continuasse o mesmo até o fim, não seria chato também?

Ele assentiu.

— A senhora tem razão…

A rainha ergue-se de sua cadeira e caminhou até o filho.

— O importante não é o final, é a jornada, caso contrário não existiriam histórias. Agora descansa.

Ela o cobriu e beijou sua testa.

— Acredita que consigo ser um herói como o da história?

— Tenho certeza que sim.

— Quero ter um final grandioso também!

Ela abriu um sorriso de canto.

— Tenho certeza que terá. Até amanhã, Loaus.

Suas memórias se desfizeram em chamas azuis, e ele percebeu que teve uma curta jornada, e que seu fim não foi nada grandioso. Ele não havia conquistado nada como seus pais ou seus irmãos mais velhos, sequer fez com que seu nome fosse citado em canções gloriosas.

Sentiu uma ardência por todo seu corpo, se viu desfazer-se lentamente, enquanto a única coisa que conseguia pensar era que o príncipe Loaus Ultan II teve um fim patético.

O calor descomunal fez seus olhos estourarem e sua pele derretia como vela. Aquela altura, ele não sentiu dor alguma, mal teve tempo para tal.

Loaus desejava ser um herói, uma lenda, mas tudo se tornava cinzas junto a ele. O que restou de Loaus deslizou pela lâmina de Safira e se tornou cinzas assim que encontrou o chão.

A brisa levou as cinzas do garoto para longe, deixando seus três companheiros em completo estado de choque.

Safira concentrou mana nas lâminas mais uma vez e lançou outro corte arqueado na direção de Liena. A Ultan não se deu ao trabalho de mover-se um centímetro sequer, o estado de choque fez seu corpo travar como o de uma estátua.

Woosh!

— Peguei você!

Wiben apareceu de repente, agarrando Liena e caindo rolando junto dela. O corte de Safira explodiu lá atrás. Ele encarou os companheiros um por um, nenhum deles parecia estar em pleno exercício de suas faculdades mentais.

— Pessoal, acorda!

Liena voltou a si e seus olhos se encheram de lágrimas enquanto seus lábios tremiam.

— Meu irmão… ele…

— Não sei o que está acontecendo aqui, mas precisamos fugir, rápido!

Wiben não tinha um único pingo de mana sobrando. Ele sabia que continuar ali seria suicídio, ainda mais se a oponente fosse uma Safira descontrolada.

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