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Capítulo 183 – Nag, o senhor da guerra

Os carniceiros foram levados a seus aposentos. Fazia tempo que não viam um quarto tão luxuoso e que cheirasse tão bem. Lettini continuava desconfiada, acreditando estarem caindo em uma armadilha.

Exaustos da viagem, os garotos desabaram na cama enquanto Lettini tirou as cobertas, olhou debaixo do colchão, cheirou os lençóis até que enfim se deitou tirando os sapatos. Espreguiçou, mas deixou o arco e a aljava ao seu lado caso precisasse.

Fazia dias que eles não sabiam o que era uma cama macia e um teto sob suas cabeças. Havia um banheiro nos fundos com uma grande banheira, mas nenhum deles quis tomar banho.

— Senhor — chamou Falone — Quais nossos próximos passos?

Colin estava deitado com os dedos entrelaçados atrás da cabeça olhando para os sulcos na madeira do teto.

— A rainha quer que a gente se infiltre em uma tribo de Orcs e acabe com eles, parando as tentativas de invasão nesse reino.

— O-Orcs? — indagou Lettini apavorada. — Aquelas criaturas grandes e musculosas que adoram sangue? A-A gente vai ter que lutar contra eles?

Colin assentiu e cruzou as pernas.

— Sinto muito por ter que colocar vocês nisso, mas nos aliarmos a Ayla ainda é nossa melhor chance. Entendo se não quiserem ir.

— E-E ficar aqui? — indagou Lettini — N-Nem pensar!

— Quais informações temos dessa tribo? — Indagou Dasken encostado na parede com um dos joelhos dobrados e o braço apoiado sobre ele.

— Nenhuma relevante, nem mesmo Ayla tem. Só sabem que eles estão atacando os fortes nas fronteiras do Oeste, forçando uma invasão, então, temos que ser bem rápidos.

— E se não chegarmos a tempo, senhor? E se os Orcs invadirem antes de tentarmos invadir o território deles?

Colin não havia pensado nessa possibilidade.

— Então não temos outra escolha, vamos ter que lutar.

Lettini abraçou sua aljava e escondeu a cabeça enquanto tremia de medo.

— Eu não tenho medo de Orcs — disse Falone se sentando — Nunca vi um, mas acredito que consigo derrotá-los. Já enfrentou um Orc, senhor?

— Não. — Colin respondeu — Mas meu colega de quarto era um.

Os três olharam para Colin com semblantes de curiosidade.

— E-E como era? — Indagou Lettini ainda abraçada a aljava.

— Ele era assustador, mas era um bom amigo. Uma vez ganhei uma disputa de queda de braço contra um Orc — Colin abriu um sorriso — Aquele, sim, foi um dia e tanto.

— Não pensei que Orcs fossem ser… civilizados… — Comentou Falone.

— Eles são, a sua maneira. Agora descansem, amanhã será um dia longo.


Os conselheiros de Ayla foram bem rígidos, dizendo a todo momento que as ações da garota eram imprudentes e poderiam significar o fim de todo o reino, mas ela insistia ser o certo a se fazer. Teimosa a sua maneira, os conselheiros resolveram deixar para lá, já que era improvável que sua rainha mudasse de ideia.

A fim de deixá-los ainda mais agressivos, Ayla negou escolta, dizendo que iria apenas ela e os carniceiros para os territórios além das fronteiras de Runyra, o território da regente Ayla. Após a reunião exaustiva, ela dirigiu-se para um quarto a parte, que não era nada luxuoso.

Era ali que guardava seus adereços de batalhas.

Ela passou a grossa chave na porta de madeira e olhou ao redor. Havia uma cama com um colchão velho, uma estante de livros, manequins trajando armaduras e na parede havia diversas espadas embainhadas.

Sem pressa, Ayla retirou os sapatos e caminhou até a parede onde estavam as espadas. Retirou as duas luvas, revelando as costas das mãos cheias de cicatrizes e bem calejadas. Aproximou-se até uma espada coberta pela bainha preta e a desembainhou apenas um pouco, vendo os escritos rúnicos na lâmina.

— É, meu amigo, hora de trabalhar.

Ouviu-se um estalo na madeira.

— O que quer? — Indagou Ayla.

Uma criatura coberta por um vestido escuro se escondia na penumbra. A pouca visibilidade impossibilitava a descrição daquilo.

— Os carniceiros estão dormindo, quer que eu os vigie ou entre na mente deles? — Indagou a criatura em sussurros.

— Não é necessário. Os carniceiros são inofensivos, mas e quanto aos conselheiros, o que eles têm cochichado nas minhas costas?

— Dizem que a senhora destruirá o legado que seu pai levou anos para construir. Alguns até torcem para que a senhora não retorne desta viagem.

Ayla devolveu a espada a parede e caminhou até um espelho no canto do quarto. Jogou o cabelo branco para frente do ombro e virou-se de costas, observando o vestido no espelho por cima do ombro. Alcançou um zíper e começou a abri-lo.

— Quem torce para que eu não retorne?

— Nilsson, Herond e Berta. Eles tentam convencer os outros, e estão quase conseguindo, senhora. É provável que em breve tentem um golpe. Devo tomar alguma ação?

— Não, continue apenas me informando. Há alguém entre os conselheiros que permanece leal a mim?

Ayla tirou o vestido, revelando um corpo marcado por cicatrizes. Apesar disso, era um corpo malhado e definido. Seu busto era médio, o abdômen era trincado, suas costas definidas, suas coxas grossas e suas nádegas volumosas e empinadas. O corpo de uma guerreira. Ela priorizava um rosto atraente e belo para os negócios, já que seu corpo causava pavor as pessoas.

— Somente Randal e Khalid permanecem leais aos desejos de seu pai e a senhora. Eu estive na mente deles, acredite em mim, eles são os únicos aliados que a senhora tem na corte.

Abrindo o guarda-roupa, Ayla pegou um pijama escuro que se parecia com um vestido.

— O que achou do carniceiro? — Indagou Ayla enquanto vestia o pijama.

— Não sei o que dizer dele. Me pareceu alguém astuto, e pelo que dizem, ele é impulsivo, mas acredito que a senhora tenha um plano.

— Tenho algo em mente, mas vai depender de como ele vai se sair nessa missão. Não posso me aliar a qualquer um.

Após se vestir, Ayla esticou a mão e apanhou um pente. Caminhou até o espelho e começou a pentear o cabelo.

— Por que ele, senhora?

Ayla deu de ombros.

— Ele me fez lembrar do meu pai. Quando Ultan ainda estava vivo, meu pai também tinha o mesmo desejo dele de unificar todo centro-leste, mas com Ultan vivo seria impossível. Meu pai se foi, Ultan também, mas permaneci passiva, acomodada. — Ayla parou de pentear o cabelo e continuou se encarando no espelho. — Tive minha chance, eu deveria ter invadido as terras de Ultan e feito daquele lugar meu, mas está tudo bem. Ficarei satisfeita em ter somente o centro-leste.

Ayla foi até o colchão, se sentou e passou a mão por ele, sentindo o pano.

— Ainda sinto saudades dele… Ele se foi e me deixou sozinha com aqueles conselheiros que estão mais para abutres. — Ela suspirou e olhou para a criatura na penumbra — Estou fazendo o certo?

— A senhora manteve o seu povo seguro até hoje. As pessoas confiam em seu julgamento. Se a senhora quiser expandir o reino, então assim eles o farão. Apenas se mantenha cautelosa em relação ao carniceiro.

Ayla assentiu e se deitou na cama que um dia foi de seu pai.

— Fique de olho no conselho, qualquer sinal de um problema mais grave me comunique imediatamente. Preciso repousar, amanhã será um dia longo.

— Como quiser, minha senhora.


Na manhã seguinte, Colin e seus companheiros foram presenteados com um banquete. Lettini e Falone comeram com fervor, enquanto Dasken e Colin estavam mais calmos, apenas observando o movimento.

As portas do salão se abriram e Ayla adentrou sozinha, trajando uma armadura negra de couro leve. Havia uma bainha em sua cintura. Seu cabelo estava com uma única trança, e em suas mãos não iam suas luvas.

Era impossível não reparar naquelas mãos.

— Meus rapazes estão preparando os cavalos — Ayla se sentou de frente para Colin, ao lado de Lettini. — Antes de partirmos, eu gostaria de deixar algumas coisas bem claras. Seguiremos de cavalo até o forte mais próximo, depois dali entraremos em território hostil, e estaremos a pé.

— A-A pé? — Indagou Lettini com a boca cheia de comida.

— Sim, até alcançarmos nosso objetivo, passaremos por diversas tribos de orcs. Não quero que elas comuniquem uma, as outras e nosso alvo fuja.

— Então temos um alvo. — Comentou Colin.

— Temos, Nag, o senhor da guerra. É ele quem comanda todo o bando de invasores. Orcs são simples, acabe com o mais forte deles e o bando congela.

— Orcs não deveriam residir na fronteira do Norte? — Indagou Dasken com o cigarro na boca — O que fazem aqui no centro-leste?

— Como já devem saber, os gigantes estão tomando todo extremo norte, alcançando até mesmo as fronteiras. — Ayla ergueu a mão, apanhou um pão e partiu um pequeno pedaço o mastigando — Orcs são orgulhosos, mas não são idiotas. Eles sabem que mesmo com monstros, é mais fácil conquistar o centro do continente. Há poucos usuários experientes de magia, e a maioria das pessoas são mercenários ou bandidos. É mais fácil fazerem seu lar em nossas terras, nas minhas terras principalmente, já que tenho mais vias fluviais e terrenos aráveis.

— Não é mais fácil chegar a um acordo? — Indagou Falone — Se tudo pudesse ser resolvido com um diálogo sairíamos ganhando.

Ayla abriu um sorriso de canto.

— Já viu um orc de perto, garoto?

— Não…

— Imaginei. — Ayla partiu outro pedaço de pão — A única língua que orcs conhecem é a da violência, e isso é ótimo. Tudo vai se resolver do jeito simples. Enfim — Ayla se ergueu — Colin, quer me acompanhar enquanto seus companheiros terminam o café? Quero te mostrar uma coisa.

— Claro. — Colin se ergueu e deu dois tapinhas no ombro de Falone — Quando terminarem vão para os estábulos.

Aqueles dois caminharam até a saída do salão e caminharam calmamente pela cidade. Passaram por comércios, tavernas, pessoas se divertindo e tendo o seu lazer diário. Seguiram mais um pouco e adentraram um lugar reservado aos guardas. Todos prestavam continência a Ayla conforme ela avançava.

Subiu uma torre de treino e avistou todo um quartel, concentrando na cavalaria imponente. Os cavalos eram parte essencial das forças de Ayla. Os animais eram selecionados por seu temperamento, altura, resistência a ambientes extremos e provação de alimento. O treinamento garantia que eles se acostumassem a cargas de grupos, armas, ruídos de batalha e aos monstros exóticos fora da zona segura.

Os cavalos usavam mordedura e uma cela de madeira e couro, cavalos mais robustos usavam armadura de metal.

Mais a oeste do acampamento haviam arqueiros, ao leste haviam os guerreiros, homens fortes que gostavam de usar armadura pesada e escudo. Verdadeiras muralhas defensoras do exército de Ayla.

Todos os homens de Ayla eram treinados até o nível três de suas árvores primárias antes de serem mandados para as dezenas de fortes cercando o território, mas não antes de aprender o suficiente sobre equitação e a manejar a arma que escolhessem empunhar.

O uniforme resumia em armaduras de couro e às vezes, ferro, para treinar resistência.

Ayla apoiou os cotovelos no balaústre de madeira e abriu um sorriso vislumbrando o acampamento.

— Com dezesseis anos assumi o comando deste acampamento de treino. Meu pai disse que se eu quisesse governar, teria que aprender a liderar, analisar os riscos e tomar as melhores decisões para obter êxito, já que a vida de centenas estaria em minhas mãos. Minha primeira missão comandando foi deter uma invasão de Orcs. — Ayla ajeitou sua postura, ficando reta — Eu havia lido sobre combate, entendi toda teoria antes de tentar aplicá-la e acredite em mim, a prática é sempre mais difícil. O primeiro amigo que fiz comandando morreu na minha frente nos primeiros minutos. Um orc arrancou a cabeça dele com um machado.

Desviando o olhar, Ayla cruzou os braços. Aquelas ainda eram memórias dolorosas de se visitar.

— Um a um, todos aqueles sob meu comando caíam, mas conseguimos nos reorganizar e espantamos os invasores Orcs. Aquilo foi motivo de comemoração para alguns, mas para outros, como eu, foi um pesadelo. Passei a semana inteira visitando as famílias dos soldados mortos. Aquela sensação horrível de luto… Ainda me lembro como se fosse ontem, mesmo que isso tenha sido 10 anos atrás. Este é o fardo de liderar, um fardo que ambos carregamos, certo?

— Sim, sei como se sente. — Colin deu um passo a frente ficando ao lado de Ayla enquanto admirava o acampamento — Você parece ter se precavido desde então. Seu pessoal parece ser bem treinado e seu território é bem protegido. Se eu conseguir fazer ao menos metade do que fez aqui, eu estaria satisfeito.

Ayla abriu um sorriso de canto e meneou a cabeça.

— Você é um homem esquisito, sabia? — Colin ficou em silêncio e Ayla deu dois tapinhas no ombro dele se afastando — Vamos, seus amigos devem estar nos esperando.


No meio das montanhas onde o sol não alcançava, orcs marchavam para mais uma invasão. Cobertos por peles de animais, portando machados e lanças, eles estavam prontos para invadir as terras férteis de Ayla de uma vez por todas. Desta vez, estavam melhor equipados e dentre aquela marcha nada silenciosa, estavam até mesmo ciclopes que puxavam dragões negros filhotes pelas mordeduras.

Na dianteira daquele grupo montado em um lobo cinza gigante estava Nag, o senhor da guerra. De pele avermelhada, armadura demoníaca e com dois machados gigantes nas costas, o grande Nag estava convicto que desta vez a invasão sairia como planejado.

Seus ataques anteriores serviram para testar as forças inimigas, e com o tempo percebeu que eles estavam enfraquecendo. Seu objetivo era invadir com tudo desta vez, quebrando o elo mais fraco. As forças se espalhariam por todo território, deixando Runyra, o reino de Ayla, um completo caos.

Trolls também estavam mais atrás, empurrando catapultas e torres de cerco.

Fuoooon!

O Orc no topo da montanha soou a trombeta. Aquilo significava que depois do desfiladeiro encontrariam seu alvo, e assim fizeram. O forte para o reino Runyra estava há poucos quilômetros de distância.

Homens que estavam no forte avistaram aquele exército numeroso se organizar com suas lunetas e os sinos soaram. Não precisava ser um estrategista para saber que aquele forte não resistiria muito tempo. O escriba se aprontou e redigiu uma carta endereçado a Ayla explicando toda situação e redigiu diversas outras cartas endereçadas aos vilarejos mais próximos.

Aqueles homens estavam apavorados, eles sabiam que era questão de tempo até todos eles serem mortos, já que Orcs não deixavam reféns.

— Se preparem! — disse o líder do forte receoso — Reforcem as barricadas, preparem os canhões, balestras e trabucos, temos que resistir o máximo que conseguirmos!

Os saldados sabiam que estavam condenados a morte, mas fariam sua partida valer a pena para que as pessoas de seu território conseguissem fugir para mais próximo da capital de Runyra.

Os homens do forte não precisavam de discursos motivadores nem palavras de conforto, eles sabiam exatamente o que estava prestes a acontecer e sabiam exatamente o que devia ser feito.

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Olá, eu sou Stuart Graciano!

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