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Tudo do lado de fora da muralha parecia mais hostil. Fazia tempo que Ayla não se sentia assim, já Colin estava acostumado com a hostilidade das terras do duque. Eles seguiam por um caminho que já foi uma estrada um dia, e que agora estava cercado por mata de ambos os lados.

Até mesmo o canto dos pássaros naquele lugar diferia, e a temperatura estava começando a cair com o inverno batendo a porta. O cavalo cavalgou por tempo demais, estava na hora de encontrar um abrigo e pernoitar. Vagar pelos ermos além da fronteira a noite poderia ser perigoso até mesmo para dois guerreiros experientes.

Com sua análise apurada, Ayla encontrou um lago e encheram seus cantis, deixando o garanhão negro que os acompanhava matar a sede também. Encontraram abrigo não muito longe dali. Era uma caverna úmida e escura que abrigava pequenos insetos.

Amarraram o cavalo por perto e fizeram uma fogueira próxima à entrada. Pegaram as carnes secas e improvisaram um forno, os esquentando.

Ayla retirou-se para o fundo e voltou com o cabelo e rostos molhados e sem a parte superior de sua armadura, apenas com uma camisa de manga longa bem justa, desenhando seu corpo malhado.

Ajeitou seu canto e sentou-se de frente para Colin, apoiando sua inseparável espada ao seu lado. Trouxe o cabelo para frente dos ombros e cruzou os braços.

— Pode pegar. — Disse Colin cutucando as chamas com um graveto — Já esquentou.

Foi o que Ayla fez. Mordeu a carne e sentiu um sabor levemente salgado.

— Até que não é ruim. — disse ela ainda mastigando — Não sabia que o carniceiro sabia cozinhar.

— Sei apenas o básico, era minha esposa que sabia fazer refeições majestosas. Se gostou disso, acredito que com ela você se sentiria nas nuvens.

Ayla assentiu.

— Como ela é?

— Brighid? Uma mulher doce, gentil e muito forte.

— Ela está… viva?

Colin meneou a cabeça enquanto observava as chamas.

— Sinceramente, eu não sei. Da última vez que a vi, soou como despedida. Andei pelo oeste, procurando informações sobre ela, a única coisa que descobri foi que provavelmente alguns sobreviventes de Ultan começaram a cultuá-la, já que ela tentou evitar aquele massacre praticamente sozinha.

Ayla sentia certo pesar na voz do carniceiro, mas momentos como aquele eram cruciais para reestabelecer conexão entre ambos e fortalecer a confiança. Ela não se importava em deixar Colin a conhecer melhor se ele também fizesse isso.

— Por que cessou a procura? Aliás, por que decidiu matar o duque tão repentinamente?

Colin cravou o graveto na grama ao seu lado e começou a mexer na aliança de casamento em seu anelar.

— Se meu nome ficar conhecido, então as chances de ela me encontrar são maiores. Procurar uma mulher grávida neste inferno é complicado.

Ayla ergueu as sobrancelhas.

— Grávida? Uau… disso eu não sabia.

— Sim, se ela estiver viva… tenho certeza que precisa de mim mais do que nunca e eu não estarei lá para ajudá-la.

— Então você decidiu dominar todo centro-leste para chamar atenção da sua esposa?

Colin deu de ombros.

— No começo a intensão foi essa, mas agora eu realmente quero pacificar essas terras antes de partir deste plano.

Ayla assentiu e partiu outro pedaço de carne com os dedos.

— Partir tipo… morrer?

Colin assentiu e também pegou um pedaço de carne.

— Sim. Caso Brighid estiver viva em algum lugar, seria bom se meus filhos crescessem em tempos de paz, não concorda, majestade?

— Em partes. Esse mundo é caótico, carniceiro, toda paz é momentânea, assim como toda guerra também é. Paz, guerra, ambos podem durar mil anos, mas todas eventualmente tem um fim. — Ela apontou um pedaço de carne para Colin — Você é um homem esquisito, carniceiro, mas é ambicioso, e isso é bom. Papai sempre me disse que pessoas ambiciosas mudam o mundo, para pior, ou melhor. Confesso que pelas histórias que ouvi de você, pensei que fosse um sádico inconsequente, um maníaco homicida. Fico feliz de você não ser assim. Só me responda, carniceiro, você não quer somente controlar o centro-leste, você almeja mais, estou certa?

Após terminar de engolir, Colin abriu um sorriso de canto.

— É tão óbvio assim? — Indagou e Ayla assentiu.

— Convivi com homens ambiciosos minha vida toda, e você tem o olhar dos mais perigosos, aqueles dispostos a sacrificar tudo para alcançar um objetivo. Diferente deles que ficavam atrás das mesas mandando seus homens para morte, você faz o trabalho com as próprias mãos.

Colin partiu outro pedaço da carne com as mãos.

— Você errou em apenas uma coisa, majestade, não estou disposto a sacrificar tudo, somente o necessário. Este é o fardo de liderar, correto?

— Talvez, mas me diga, seu plano é unificar o centro-leste, conquistar Rontes, ter acesso ao mar e enriquecer nosso território, mas e depois? É provável que isso atraia mais problemas que soluções, basta olhar para mim agora. Tenho um dos territórios mais prósperos do centro-leste e estou aqui no meio do nada resolvendo problemas com orcs.

O errante estava relutante se contaria seus planos para Ayla, mas deu de ombros. Se ambos se casariam no futuro, então não havia porque guardar algo daquela magnitude, já que eles eventualmente governariam um futuro império juntos.

— Depois que eu tiver controle do Leste, vamos partir para oeste, conquistando todo território que já foi de Ultan. No Oeste enfrentaremos os Elfos Negros. Se os derrotarmos, então não terá inimigo a nossa altura e todo continente será nosso.

Ayla estava sem palavras. Ela suspeitou que Colin fosse ambicioso, mas não naquele ponto.

— Se todo Leste for nosso, então por que continuar? — Ela indagou — Já não será o suficiente?

— Por quê? Se apenas o Leste for nosso, então ainda haverá conflitos, e como você disse, podem mirar em nosso território e destruir tudo aquilo que construímos. Isso só acabará quando todo continente for pacificado.

Aquela, sim, foi uma resposta que Ayla não esperava. Conquistar o Leste era algo palpável, mas o continente era loucura, até mesmo para alguém como Colin. Haviam inúmeros inimigos poderosos pelo caminho e eles teriam que pisar em terras que jamais pisaram. Precisariam de bastante recurso e pessoal para fazer algo assim.

— Você está mesmo falando sério? — Ela Indagou, ainda descrente com tudo que ouviu.

— Estou.

Ayla suspirou e coçou a nuca.

— Mesmo que conseguisse, isso poderia levar anos. — Disse ela prendendo o cabelo em um rabo de cavalo — Não só isso, tudo teria que correr perfeitamente bem para conseguir conquistar o continente. Diplomacia não faz seu estilo, e ela seria crucial nesse caso. Acha que outros países ficariam parados ao ver um império expansionista? Exceto se quiser comprar todo mundo como Ultan fazia por debaixo dos panos.

— Eu não vou comprar ninguém. Com o Leste prosperando, as pessoas comentariam. É provável que eles quisessem a queda de seus regimes para fazerem parte do nosso, ou só causaríamos um êxodo do continente para o Leste. O continente é enorme, mas não tem muitos habitantes. As terras de Rontes do Sul são praticamente virgens, cidades prósperas se ergueriam ali. O clima é bom, perto do mar, seria uma bela zona de comércio. Sem pessoas para encher os bolsos dos regentes, quebraríamos vários países sem fazer nada.

— Ou atrairíamos mais problemas. — Completou.

— Não atrairíamos. O centro-leste teme os carniceiros, e planejo fazer todo continente temer esse nome. Pensarão duas vezes antes de fazerem qualquer coisa contra a gente.

Ayla coçou a testa com o indicador e deu um suspiro.

— Você falando faz parecer fácil. Cuidar de um reino pequeno requer pessoal qualificado, administradores sábios e competentes. Mesmo se tiver comandando todo continente, fazer o império durar que é o problema.

Colin assentiu e mordeu o pedaço de carne.

— Você está acostumada com isso, não está? Pode me ajudar. Fico responsável pelo exército e você pode ficar no palácio cuidando de tudo. Prefiro que seja assim quando eventualmente nos casarmos.

Ayla não concordava nem um pouco com aquilo. Era Colin quem estava estabelecendo os termos do que podia ou não fazer e isso a deixou com impressão de submissão. Para ela isso indicava perca de poder, perca de controle.

— Definitivamente não irá acontecer assim. Sou eu que tenho um exército melhor preparado, terras mais férteis e um comércio bem estabelecido por todo território. Se isso realmente acontecer, será do meu jeito.

Para priorizar seus futuros passos, Colin não problematizou aquilo. Ayla por enquanto era uma peça fundamental para a queda de Alexander, então era melhor fazer do jeito dela.

— Sem problema, faremos do seu jeito.

Aquelas palavras não a convenceram, mas ela não se importou. Sua prioridade era resolver o problema vigente e depois pensar em como tudo se desenrolaria.

Silêncio tomou conta daquela conversa. Ambos se encaravam vez ou outra, mas nada diziam. Colin deu um alto arroto e espreguiçou-se.

— Ei, majestade, se estiver com sono, pode dormir. Fico de vigia.

— Até parece. Por que você não dorme e me deixa de vigia?

— Minha estamina é alta, posso ficar até cinco noites seguidas sem dormir, e não me canso fácil.

Ela abanou uma das mãos.

— Tá, tá, sei que usuários avançados da pujança são aberrações nesse sentido, mas tudo bem, eu aguento ficar acordada sem problema.

Ele abriu um sorriso de canto.

— Pode ficar calma, não farei nada com você enquanto estiver dormindo.

— Como se você conseguisse. — Ela pegou a espada e caminhou até a entrada da caverna. — Que seja. Tenho um sono bem leve, então é melhor não fazer nenhuma gracinha.

Colin continuou em silêncio com um sorriso no rosto. Ayla posicionou a parte superior de sua armadura de couro no chão gelado a usando como colchão e pegou um alforje vazio, o usando como travesseiro. Deitou observando o carniceiro de costas encarando as chamas.

Enquanto o observava, pensava na conversa que tiveram minutos atrás. Ponderava se aquele homem era mesmo capaz de conquistar o continente como almejava. Apesar de ser temido, ela sabia que Colin teria muito trabalho pela frente e que inúmeros inimigos poderosos estariam a sua espera. O que a surpreendeu foi a calma e convicção do carniceiro.

Ele não havia dito que conquistar o continente seria fácil, e ele sabia do risco, mesmo assim, o jeito que ele falava transmitia certa segurança e deixava a imaginação trabalhar, trazendo cenários em que aquela ambição maluca se tornasse possível.

Como líder de uma poderosa nação, ela sabia que deixar seus companheiros calmos fazia parte do processo, só não sabia que era tão reconfortante estar do outro lado. Por um momento se perguntou se aquele homem a frente estava com medo, mas logo descartou a ideia. No fim, não sabia se o chamava de corajoso ou maluco.

Se firmassem realmente laços matrimoniais e seus objetivos se tornassem um, então não era somente ela que seria jogada naquela insanidade, e sim, todo seu reino. Poderia ser a ascensão de um império glorioso, ou a destruição de tudo que seu pai lutou para construir.

Aquela indecisão aflitiva a deixou sem sono.

Ayla suspirou, pegou sua espada e foi até Colin, sentando-se ao seu lado enquanto encarava as chamas.

— Colin, preciso saber de uma coisa. Você diz que quer se colocar na linha de frente, planeja ser a espada e o escudo de um país inteiro? Digo… você se coloca de uma forma, mas e se você cair? As pessoas confiam em mim, e talvez, eu disse, talvez, eu concorde com seu plano de cuidar da parte administrativa e você do exército, o povo ficará com medo se você cair, já que eventualmente o símbolo de força do nosso império será você… Mesmo que eu consiga proteger o povo, eles ainda precisarão do seu símbolo…

Colin estava com um semblante calmo, não se alterou mesmo com as preocupações de Ayla. Ele a encarou no fundo dos olhos e Ayla estava ansiosa por uma resposta.

— Não precisa se preocupar, vou provar para você que ninguém pode me quebrar, não mais.

Aquela não era uma resposta que uma regente aceitaria, e a parte lógica de Ayla não aceitou, enquanto outra parte acreditou totalmente no que saiu da boca daquele homem, até mesmo se sentiu aliviada por isso.

— Isso não é uma resposta…

— Você tá pensando demais, rainha, devia dormir e esfriar a cabeça. Mesmo que seja um casamento de mentira, seu povo ainda se tornará o meu povo, e você ainda será a minha esposa. Ninguém destruirá o que é meu, isso eu garanto.

Aquela foi uma resposta estranha, e o que Ayla sentiu foi mais estranho ainda. Mesmo que não quisesse aceitar, sua outra parte engoliu de vez sua parte lógica, e aquilo a deixou aliviada e irritada ao mesmo tempo.

Seus olhos continuavam concentrados no do carniceiro e ela desviou o olhar franzindo o cenho enquanto estava levemente corada.

— Tsc! Vocês homens, fazem tudo parecer tão simples. — Ela se levantou — Essa conversa ainda não terminou.

Colin nada disse.

Ayla retornou para sua cama improvisada, e mesmo que as respostas de Colin não fossem de fato concretas, ela estava satisfeita. Sentiu estar tudo bem confiar nele, e não tardou até que pegasse no sono.

Afastados dali se escondendo com a ajuda da noite, um grande Orc observava a fogueira tímida em meio a mata lá em baixo. Ele tinha pele esverdeada, cabelo longo escuro, tatuagens tribais por todo corpo e vestia uma calça de couro. Ao lado dele estava um bando de Gnolls, humanoides bestiais que se pareciam com hienas.

As criaturas não construíam suas próprias armas ou armaduras, obtinham seus itens dos corpos de suas vítimas, costurando orelhas, dentes, escalpos e outros troféus de seus adversários em suas armaduras.

— Vamos lá! — disse uma das criaturas — Eles são apenas dois, certo? Vamos comê-los hihihi!

O orc continuava sério e relutante em relação àquela dupla. Ele não fazia ideia de quem eram, mas sentia que deveria ser cauteloso.

— Tenham cuidado, se aqueles dois chegaram tão longe, então significa que são poderosos.

Gnolls continuavam rindo sem parar, ensandecidos pela possibilidade de comer algo diferente no jantar.

O líder da matilha fez sinal com o braço peludo de unhas pontiagudas, chamando um de seus lacaios.

— Você, traga o homem-urso aqui, diga que temos um trabalho para aquele inútil! — A voz esganiçada daquele Gnoll machucava os tímpanos de quem a escutasse.

Outro Gnoll foi até o líder da matilha com a cabeça baixa.

— Senhor, se o homem-urso não conseguir dar um jeito nos invasores, então será nossa vez. Se nós não conseguimos resolver isso, então os Hobgoblins podem intervir, e isso não é bom. Eles podem usar esse pretexto para tomar nossas terras como tomaram a dos Kobolds

O líder da matilha rosnou mostrando os dentes.

— Como se eu fosse deixar isso acontecer! — Ele apontou para o Orc — Temos senhor Ergoth do nosso lado, ele pode dar um jeito nos invasores.

Sério, Ergoth mantinha os olhos naqueles dois lá em baixo. Se perguntou porque gente tão forte assim estava em um lugar como aquele.

— Expansionistas? — indagou e os Gnolls não entenderam o que ele quis dizer. O líder da matilha deu uma risadinha.

— Duvido, aqueles desgraçados do centro-leste morrem de medo das terras hostis, e, por que mandariam somente duas pessoas e não um exército? Eles são tão fortes assim para achar que podem acabar com todos nós?

O orc bufou.

— Nag passou com seu exército por essas terras — disse o Orc — Fui até o desfiladeiro, aquele forte caiu. Eles podem ter enviado esses dois para achar os culpados.

O líder da matilha não segurou sua risada esganiçada.

— Esses idiotas tem que cruzar nossas terras e as terras dos hobgoblins para talvez, eu disse, talvez, alcançarem Nag. Eles estão condenados. Se levarmos os corpos ao Nag, podemos ganhar alguma recompensa.

— Senhor… — chamou um Gnoll de cabeça baixa — Ergoth disse que o Forte próximo ao desfiladeiro caiu, não devíamos aproveitar essa chance? — A criatura estava com água na boca — Imagine quantos humanos saborosos poderemos devorar!

Paf!

O líder da matilha deu um tapa no ouvido do seu lacaio.

— É por isso que sou o líder, vocês são burros demais para entender algo. Se Nag retornou com aquele exército numeroso, então significa que aquela rainha maluca o botou para correr. Se avançássemos até lá, duvido que conseguiríamos sair.

Após ajeitar o machado no ombro, o Orc tergiversou.

— Vou me preparar — disse ele — Sugiro que se preparem também.

— Me preparar para quê?

— Enfrentar os invasores.

Os Gnolls pararam imediatamente de rir e ficaram sérios. Se Ergoth estava se preparando, então os dois lá em baixo não deveriam ser subestimados.

— Porcaria! — esbravejou o líder da matilha apontando para outro lacaio — Você, reúna toda a matilha — Ele apontou para outro Gnoll — E você, diga para prepararem as armas de guerra, parece que nossa presa é mais forte do que pensamos.

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Olá, eu sou o Stuart Graciano!

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