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Estava prestes a anoitecer quando chegaram a um vilarejo orc. Aqueles seres, de pele esverdeada e alaranjada, se assustaram ao ver de Ergoth despontou da mata acompanhado de outras pessoas. Diferente de Ergoth que tinha um corpo robusto e musculoso, aqueles de sua vila fugiam do estereótipo de Orcs.

A maioria era franzina e não passavam de 190 centímetros. Até mesmo as fêmeas daquela raça se pareciam com humanas de pele esverdeada e com presas.

Apavorados, correram para suas casas de madeira e fecharam a porta, deixando frutas para trás, roupas no chão e até brinquedos.

— Desculpem por isso… Meu povo não está acostumado com forasteiros. — Ergoth encheu os pulmões de ar — Pessoal, eles vieram ajudar!

As pessoas nada fizeram, até que a fresta de uma janela se abriu, observando os forasteiros. Portas se abriram, mas os Orcs continuaram dentro de suas residências.

— Não vamos machucar vocês. — Disse Colin descendo do cavalo e devolvendo o enorme machado para Ergoth — Como o companheiro de vocês disse, viemos ajudar. Sou Colin, líder dos carniceiros do centro-leste, essa é Ayla, a rainha de Runyra.

Aquelas informações surpreenderam até mesmo Ergoth.

— A caçadora está aqui? — Indagou um deles.

— Eles vieram nos matar!

Ergoth franziu o cenho e ficou em guarda, pensativo com o fato de ter condenado seu povo a morte. Foi a vez de Ayla descer do cavalo e Ergoth se afastou enquanto ela dava alguns passos à frente.

— Sei que estão assustados, mas acreditem em mim, não viemos machucar vocês. Acredito que temos um inimigo em comum, Nag e os Hobgoblins. Não tiro o direito de vocês de nos temerem, mas no momento, isso é desnecessário. Se tivéssemos pretensão de feri-los, já teríamos feito, então se recomponham e ajam pacificamente. — Ela se virou para Ergoth — Dê ao cavalo água, comida e nos arrume um lugar para passar a noite.

O orc engoliu o seco e assentiu, puxando as rédeas do cavalo até uma pilha de feno e um balde d’água ao lado de um fosso. Pediu para que aqueles dois o seguissem e foram até uma residência um pouco mais luxuosa daquela vila.

Havia uma banheira que ficava nos fundos, um quarto, cozinha, e sala pequena, tudo feito de madeira velha enfeitada com verniz vagabundo.

— Sinto muito por isso, não estamos acostumados a receber visitantes. Não imaginava que pessoas como vocês estariam tão longe de suas cidades…

Ayla olhou em volta e sentou-se em um sofá feito de palha, encostando sua espada na parede.

— Nag nos provocou — disse ela passando a mão pelo braço do sofá sentindo a palha — Ele terá o que merece. E agora, orc, o que acontece?

— B-Bem, o jantar de vocês deve ser preparado em breve, convocarei os líderes das matilhas de Gnolls, Kobolds, Kenkus, e das tribos de homens-fera que também habitam a região. Eles devem chegar pela manhã, então descansem.

Ayla assentiu.

— Iremos perder muito tempo neste vilarejo, é melhor que essa espera valha a pena.

Ergoth assentiu após engolir o seco.

— S-Será, senhora. Há roupas novas no armário do quarto. Não são roupas luxuosas, mas servirá enquanto limpamos essas que vocês estão, acredito que já estarão secas ao amanhecer.

— Ótimo, preciso de um banho — Ayla se levantou — Até logo.

Colin ficou o tempo todo em silêncio, encarando aqueles dois com as mãos nos bolsos.

Ergoth cruzou olhares com ele uma última vez. O Orc saiu, e Colin tirou a parte de cima da armadura de couro, ficando apenas com sua regata preta. Sentou na cadeira de palha e retirou suas botas com os pés.

Ele queria continuar, mas estava tudo bem uma pausa. Imaginou como Dasken e os outros estavam se saindo, já que àquela altura as tropas de Ayla já estariam se deslocando por toda Runyra.

Seus pensamentos se voltaram para Alunys e o ducado, torceu para que as coisas estivessem sob controle, já que em breve faria uma semana que ele havia partido para Runyra. Ao menos considerou que a viagem poderia valer a pena. Ele retornaria com um acordo e tanto, além de tropas e uma boa dose de esperança para seu povo.

A única preocupação de Colin, foi que Ayla comentou sobre conspiradores em seu reino. Eles poderiam acabar estragando tudo e colocar não só o povo de Ayla em perigo, como o dele também, e isso era inadmissível. Ele confiava em Ayla, mas esperava que ela resolvesse isso o mais breve possível. Não havia espaço para conspiradores, não quando Alexander estava bem ao lado, planejando sabe-se lá o que.

Olhou para a palma da mão esquerda onde estava desenhado o sol, símbolo do matrimônio com Brighid. Cerrou o punho e suspirou, relaxando naquele assento.

“Espero que possa me perdoar um dia.”

Ainda não havia escurecido, mas ele fechou os olhos e tentou tirar um cochilo. Usar os princípios do Prana o deixava exausto.

Ayla estava nos fundos, banhando-se naquela extensa banheira. Estava somente com a cabeça para fora encostada na beirada. Pensava em seu território, acreditando que a essa altura as invasões já teriam cessado com a ajuda dos carniceiros.

Parte dela estava ansiosa para tudo isso terminar logo e juntarem os territórios. Não era tão ruim se imaginar como imperatriz. Se seu plano e os problemas com Nag fossem resolvidos, ela pegaria vastas terras em menos de algumas semanas. O território que seu pai deu a vida para fundar triplicaria de tamanho em semanas, um feito que faria o falecido Ultan ter inveja. Era crucial que as coisas dessem certo, e ela faria de tudo para isso acontecer.

Ela ergueu-se, secou seu corpo com uma toalha e vestiu as roupas que os Orcs deixaram. Vestiu uma camisa de manga longa, feita de crochê escuro e um short curto. Ayla preferia roupas que cobrissem todo seu corpo, por não gostar que as pessoas ficassem reparando em suas cicatrizes, mas deu de ombros. Só havia Colin naquele lugar, e eram Orcs que os cercavam, dificilmente a julgariam pela aparência.

Pegou sua armadura que cheirava a suor e sangue de Gnolls, deixando dentro de um barril cheio d’água. Deixou a toalha sobre seu ombro e caminhou até a sala, encontrando Colin dormindo no sofá de palha.

O carniceiro estava realmente dormindo profundamente.

Era impossível não reparar nos braços vascularizados e nas cicatrizes que o acompanham. Naquele ângulo, o carniceiro não parecia tão intimidador, e Ayla pôde reparar melhor em seu rosto. Esticou a mão e tirou uma mecha de cabelo da testa dele.

“Meu pai teria aceitado você” Ela abriu um sorriso bobo “Talvez não tão fácil, mas teria aceitado. Pode descansar, eu fico de guarda e cubro você.”

Ayla se afastou. Olhou para as coisas dele no chão e se abaixou as pegando. Levou para o barril lá fora e lá as deixou. Passou pela sala e foi até o quarto. Pegou uma coberta e ajeitou sobre o corpo dele.

Calçou chinelos de palha e moveu-se para fora da residência, indo em direção ao cavalo. Fuçou no alforje e pegou um caderno pequeno e uma caneta. Retornou para dentro e se sentou no chão, anotando tudo que se lembrava desde que saiu da capital. Vez ou outra encarava Colin dormindo, e um sorriso bobo desabrochava em seu rosto. Às vezes ela se pegava sorrindo, uma ação tão natural quanto respirar.

Ela tinha muita coisa a colocar no papel, e isso poderia levar a noite toda. Os orcs vieram minutos depois pegando as roupas sujas e trazendo algo para comer. Ayla não acordou Colin, mas guardou comida para ele, meio-a-meio.


Conforme a noite avançava, o frio naquele lugar ficava mais severo. Ela dobrou os joelhos apoiando o caderno em sua coxa enquanto escrevia sem parar. Suspirou quando terminou, deixando vapor sair de sua boca.

— Por quanto tempo dormi? — indagou Colin sentado no sofá.

— Oito horas eu acho. Tudo bem com você?

Colin se ergueu e caminhou até Ayla, jogando a coberta em cima dela.

— Pode dormir agora, e não se preocupe, não sinto tanto frio.

Ayla fechou o livro e se ergueu. Colin olhou para cicatrizes nas pernas dela e Ayla desviou o olhar, pegando a coberta e passando por ele para ir até o quarto. Jogou as cobertas sobre a cama e colocou o caderno debaixo do travesseiro.

Caminhou de volta para a sala e cruzou os braços o encarando.

— Estou sem sono, se quiser conversar…

Colin olhou pela janela, vendo somente escuridão.

— Quer falar sobre o quê?

Ela deu de ombros.

— Qualquer coisa… Não demorará até amanhecer, então acredito que qualquer coisa serve…

Colin a encarou novamente, descendo os olhos para as pernas dela, focando nas cicatrizes. Ele notou que ela ficava um pouco sem jeito quando isso acontecia, então desviou o olhar, continuando a focar na janela.

— Parece que está tudo normal, os Orcs não devem tentar fazer nada. Trouxeram comida?

— Sim, mas por que não vai para o quarto? É mais quente debaixo das cobertas. Sei que você não sente tanto frio, mas eu sinto. Vou pegar o jantar, então pode me esperar lá?

Colin franziu o sobrolho. Ver Ayla agir de maneira tão gentil era estranho, algo que ele não estava acostumado, mas resolveu não causar confusão com aquilo. Passou por ela e foi até o quarto, deitando na cama com os dedos entrelaçados atrás da cabeça.

Ayla retirou o pano tapando a comida na cozinha e ergueu a mão sobre ela. Usou mana elétrica para aquecê-la e depois de tudo pronto retornou para o quarto segurando uma bandeja.

— Aqui. — Ela entregou para Colin uma bandeja com arroz, carne e um pouco de grãos como milho e feijão. — Deixei metade para você e esquentei, acho que vai gostar, os Orcs capricharam.

Usando talheres de madeira, Colin começou a comer, realmente estava bom. Ayla foi para debaixo das cobertas, e Colin cobriu até a cintura. Ele estava sentado, e Ayla deitada. Mesmo usando talheres, Colin ainda comia como um selvagem. Usava as mãos para comer a carne e às vezes mastigava de boca aberta, mas Ayla não se importava.

— Colin.

— Hum?

— Depois de nos casarmos, você quer morar na capital de Runyra comigo? Digo… você tem sua cidade, mas Runyra poderia ser a capital do nosso país e eu redirecionaria esforços em fazer sua cidade ser tão grande quanto. Duas grandes cidades, uma protegendo o Norte e uma, o Sul. — Ayla se encolheu na cama e cobriu-se por inteira, deixando só os olhos de fora — Seria um lugar bom para criar nossos filhos, não concorda?

Colin continuava comer sem parar e Ayla estava toda vermelha o esperando dizer alguma coisa. Ele lambeu os dedos e arrotou bem alto.

— Isso é carne de quê?

— … não sei, cervo da montanha?

— Isso tá ótimo! Tem semanas que não experimento algo com um sabor tão bom.

Ayla ficou ainda mais vermelha, ela não queria dizer aquelas coisas embaraçosas novamente.

— Colin… não ouviu o que eu disse?

— Ouvi, mas é melhor deixar esse tipo de questão para depois que voltarmos para casa.

— Ah… Você tem razão, eu só… bem, não sei o que estava pensando, e-eu vou dormir, boa noite!

Ayla cobriu a cabeça, morta de vergonha. Era a primeira vez que se sentia daquela maneira. Seu coração palpitava, e sentia um calor que não sabia de onde vinha. Ela engoliu o seco e tentou se recompor, afastar aquela sensação de insegurança.

Abriu uma fresta na coberta, mostrando somente os olhos. Sua boca se contorcia atrás dos lençóis. Colin a encarou com o canto dos olhos, notando que ela estava diferente, tímida. Ele terminou de comer e colocou a bandeja no criado ao lado, arrotando mais uma vez e entrelaçando os dedos atrás da cabeça.

Os olhos amarelos dela estavam mais brilhantes e Colin se lembrou de Brighid pelo jeito que Ayla o encarava. Era um olhar de desejo, o olhar que Brighid sempre lhe lançava antes de terem momentos mais íntimos. Colin engoliu o seco e continuou focando seu olhar no teto.

— O-Onde… onde aprendeu a lutar? — Ela indagou com um tom de voz abafado pela coberta.

— Tive algumas mentoras durante minha estadia aqui, Brighid, Morgana, Lina… Acho que foram essas três. Absorvi um pouco de cada uma para montar meu próprio estilo. E você, onde aprendeu a lutar?

A voz de Ayla estava mais doce, mais afável. Era algo inconsciente que nem mesmo ela percebia.

— Aprendi com o meu pai, mas foi só o básico. Também tive alguns mentores. Um oriental me ensinou a lutar e outro a usar espadas. Uma nortenha me ensinou a refinar minha mana e um sulista me ajudou a dominar minha árvore primária até o nível cinco. Consegui subir mais quatro níveis sozinha.

Colin ergueu as sobrancelhas.

— Você é nível nove na árvore-do-céu? Quantos anos você tem?

— Vinte e seis…

— Só isso? Achei que nossa árvore fosse difícil evoluir.

— E é, mas temos sangue Altmer, com o treino certo fica fácil. Se quiser posso te ajudar…

— Tá…

O silêncio invadiu aquela conversa, mas não por muito tempo.

— Suas cicatrizes — disse Colin olhando para ela — Não devia sentir vergonha delas. Elas são um sinal de força, ao menos penso assim.

Ouvir aquilo a deixou ainda mais vulnerável diante dele, mas não era um sentimento ruim. Não fazia mal se sentir acolhida daquela maneira. A última vez que se sentiu tão protegida, e, ao mesmo tempo, tão vulnerável, foi na infância.

Colin a encarou, passou o braço por ela e Ayla não fez nada. Ela havia dado aberturas para Colin tentar qualquer coisa, mas o carniceiro enfiou a mão debaixo do travesseiro e puxou o caderno dela.

— O que é isso? — Ele se ajeitou e começou a ler.

Aquela atitude a deixou brava. Ela saiu do seu casulo feito de cobertas e tomou o caderno da mão dele.

— Informação sobre nossa missão. — O tom de voz dela retornou para o habitual e Ayla virou-se de costas. — Se não se importa vou tirar um cochilo, as criaturas devem chegar em breve e preciso estar descansada.

Colin sabia o que havia feito, e sabia exatamente o que Ayla queria fazer, mas não estava a fim de entregar o jogo tão fácil. Com dedos entrelaçados atrás da cabeça, ele somente fechou os olhos, mas manteve-se acordado.


Se passaram algumas horas e amanheceu. Os dois descendentes de Altmers estavam do lado de fora vestidos normalmente. Colin aproveitou e tomou um banho gelado, trajando uma camisa preta e uma calça moletom da mesma cor. Nos pés dos dois iam chinelos de palha.

Os orcs ainda relutavam em se aproximar, e os dois ficaram na soleira, aguardando Ergoth aparecer. Ayla estava de braços cruzados, evitando encarar Colin, que estava com as mãos no bolso bocejando e cinco em cinco minutos.

— Acha que vai demorar para Ergoth chegar com as criaturas? Estou ficando entediado, você não está?

Ayla franziu o sobrolho ao encará-lo.

— Que cara é essa? — ele indagou — Aconteceu alguma coisa?

— Não aconteceu nada. Devia arrumar sua postura e parar de bocejar, as pessoas podem vê-lo como desleixado e preguiçoso. A primeira impressão conta bastante.

Colin abriu um sorriso de canto.

— E se eu quiser ser visto assim?

— Você pode querer, mas não vai. Representaremos um país, então é melhor começar a se portar como um líder de verdade.

Para provocá-la, Colin bocejou mais uma vez.

— Assim?

— Humpf! — Ela virou o rosto fazendo beicinho — Que ótimo, meu futuro marido é uma criança.

— O casamento ainda não aconteceu, se quiser, ele pode nunca acontecer, depende de você.

Ayla continuou emburrada e não disse nada. Somente pela noite passada, Colin notou que Ayla estava com a guarda mais aberta em relação a ele.

Ouviram o barulho de carruagens se aproximando. Elas eram puxadas por ogros com quase três metros de altura. Conforme as carruagens chegavam, monstros saiam de dentro delas. Era a primeira vez que Colin via um homem-fera.

A criatura que mais chamou atenção foi um leão amedrontador, com um olho cego e diversas cicatrizes no rosto. Não precisou de muito para perceber o quão forte ele era. Desceram também homens-rato, homens-javali, até mesmo lobisomens. Os líderes seguiram para um enorme salão do outro lado da rua, enquanto os monstros de patentes inferiores ficaram paradas próximas às dezenas de carruagens.

Os kobolds se pareciam com dragões pequenos que andavam sob duas patas e trajavam roupas de couro. Kenkus eram humanoides emplumados que se pareciam bastante com corvos, trajando roupas de pano escuras.

Dezenas de Gnolls também haviam vindo, já que existiam dezenas de matilhas espalhadas pelo território hostil. Conforme chegavam, eles iam em direção ao grande salão dos Orcs.

Ergoth se aproximou daqueles dois.

— Estão todos aqui — disse o Orc com certo nervosismo — É a primeira vez que todas as tribos se reúnem, espero que dê tudo certo.

Colin e Ayla cruzaram olhares e assentiram com a cabeça.

— Bom trabalho, Ergoth — Ayla desceu a soleira. Ela decidiu não levar armas para aquela reunião — Apesar de serem monstros, espero que ao menos sejam civilizados.

A reunião mais importante do território hostil estava prestes a começar.

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