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Capítulo 197 – A guerra do território hostil – Final

O vale, antes verde e vívido, agora havia se afogado em um infindável vermelho sangue. Os lobos faziam a festa com os corpos de Hobgoblins, e os abutres reviravam as entranhas dos cadáveres. O maquinário de guerra estava destruído, e não se ouvia nada além de madeira crepitando.

Era como se uma divindade tivesse decido do céu e destruído a miríade de goblins com sua demasiada cólera. A trilha de destruição se estendia por quilômetros, passando por morros, mais vales e terminando no ninho daquelas criaturas, o grande forte, que também estava aos pedaços. Tudo lá dentro estava morto, até mesmo nos calabouços mais profundos.

Avançando mais um pouco, via-se o acampamento de Nag em chamas, exceto por uma pessoa que estava na tenda do antigo senhor da guerra, revirando seus pertences a fim de encontrar algo relevante.

— Nada aqui. — Ayla derrubou um baú cheio de tralhas.

Ela estava encharcada de sangue misturado a seu próprio suor. Seu cabelo branco estava em partes tingido com o sangue e também estava bem bagunçado.

— Esses desgraçados não costumam guardar papéis, que saco. — Com o pé virou a mesa de madeira, derrubando várias lâminas que nela estavam.

Ayla caminhou para fora da tenda e estalou os dedos. Um foco de incêndio começou pela entrada da tenda, até consumi-la lentamente.

Ela suspirou. Após matar tantos inimigos a ponto de perder as contas, Ayla queria voltar para Runyra e tirar alguns dias para descansar. Desejava dormir em uma cama quente e ficar horas deitada na banheira.

Ting!

Algo foi atirado na direção dela, mas agindo por reflexo, Ayla conseguiu rebater uma adaga. Olhou para trás e viu o Orc velho que se vestia como um xamã.

Pensou que não havia mais ninguém naquele acampamento.

Após ela se defender daquela forma, o xamã sentiu um arrepio na espinha. Ayla não o deu tempo para pensar em nada e avançou, enfiando a espada no ombro do xamã, o pressionando no chão.

— Então um covarde ficou para trás!

O xamã gemia devido à dor.

— Pi-Piedade!

Ayla cravou ainda mais fundo aquela lâmina.

— Se me disser o que preciso saber, deixo você viver.

— S-Sou apenas um humilde curandeiro, minha senhora!

— Mentiroso! — Ayla cravou a lâmina mais fundo — Quer perder o braço?

— N-Não, senhora!

— Ótimo! Me diga, para quem Nag trabalhava?

O xamã relutou em dizer, até que Ayla começou a remexer a espada, causando nele uma dor lacerante.

— Rian! Chamam ele de Rian!

— E o que mais?

— Ele é um sacerdote que veio a mando de Alexander!

“Sabia que aquele desgraçado estaria envolvido nisso!”

— Quem são os traidores da minha corte?

— O-Oque?

— Responda!

— E-Eu não, eu juro! Rian só falou de Alexander, ele não mencionou ninguém mais!

Ayla assentiu e levantou-se devagar, tirando a espada do ombro do xamã que ficou se remoendo de dor.

— Há quanto tempo esse Rian estava ajudando vocês?

Ele se arrastou até encostar no braço de uma mesa de madeira.

— D-Dois meses, senhora. Ele apareceu dizendo que sabia como vencê-la…

— E como ele me venceria?

— B-Bem, ele entregou um frasco de sangue para senhor Nag e disse que bastava ele usar aquilo que tudo se resolveria… Disse que senhor Nag ganharia poder abençoado pela deusa deles, Thitorea… I-Isso é tudo que sei!

Ayla caminhou até o xamã.

— Ele deu esse frasco para mais alguém?

— N-Não, senhora, apenas para senhor Nag.

Crash!

A caçadora arrancou a cabeça do xamã com a espada e tergiversou enquanto aquele acampamento era engolido pelas chamas.


Na vila dos Orcs Colin estava sendo tratado por Valagorn que conseguiu fechar os ferimentos mais profundos, enquanto usou bandejes e ataduras nas escoriações mais leves. Colin não se lembrava de ter se ferido tanto em uma luta. Se Brighid o visse naquele estado, ficaria uma fera.

A Colin, foi servido uma refeição leve, um pouco de arroz com carne de vaca. O carniceiro repetiu ao menos seis vezes até que estivesse satisfeito.

No caminho de volta, Jane contou a ele o que descobriu sobre Nag e sua forma monstruosa. Disse que de alguma forma a criatura continha energia da grande árvore, uma energia que estava no sangue que Nag tomou.

Colin a questionou sobre isso ser verdade ou não, já que se o sangue tivesse mesmo os atributos da grande árvore, então aquilo havia provavelmente vindo de algo ou alguém.

Foi levantado a hipótese de que eles provavelmente conseguiram um fragmento da grande árvore e de alguma forma converteram aquela coisa para sangue. A outra hipótese era de que a igreja de Thitorea tinha alguém com o sangue contendo as mesmas propriedades mágicas da grande árvore, o que era uma ideia absurda.

— E então, garoto — disse Jane sentada no sofá de pernas cruzadas — Quando vamos voltar? Não aguento mais esse fedor de criaturas mágicas.

— Espere Ayla retornar. Não vamos embora sem ela.

Jane revirou os olhos.

— A gente retorna e depois, qual o plano?

— O plano continua o mesmo. Faremos a aliança política e depois redirecionar nossos esforços para o pontífice.

— Primeiro, Colinzinho, você e a bonitinha tem que encontrar os conspiradores e matá-los. A aliança de vocês não durará muito se a sabotarem.

Colin assentiu.

— Cuidaremos disso, por enquanto só vamos aproveitar a vitória, pode ser?

A porta se abriu e Ergoth adentrou.

— S-Senhor Colin, os Gnolls acabaram topando com humanos que vieram de Runyra. Os humanos disseram conhecerem o senhor, então eles os escoltaram até aqui. Eles estão o esperando lá fora.

— Me conheciam? — Curioso, Colin se levantou. Ele usava regata e calça, ambos pretos. Caminhou até a porta e passou por Ergoth, vendo Dasken, Falone e Lettini. — Vocês vieram.

Dasken abriu um sorriso de canto, Falone bateu o punho cerrado no peito e Lettini ficou apavorada, se perguntando o que era tão forte para deixar seu líder naquele estado.

— A situação em Runyra estava controlada. — disse Dasken soltando fumaça pela boca — Por isso viemos ajudar o senhor aqui no território hostil.

Colin abanou uma das mãos.

— A situação aqui também está controlada. Ergoth pode arranjar algo para vocês comer. Por que não descansam um pouco?

— Vai nos contar sobre o inimigo que deixou o senhor assim? — Indagou Falone.

— Claro, o que não vai faltar na volta são histórias.

Os carniceiros adentraram, conheceram Valagorn e Jane. Falone ficou corado com o jeito sedutor de Jane, Dasken continuou neutro e Lettini ficou assustada, a evitando sempre que podia. Confraternizaram até o amanhecer, quando Ayla retornou após resolver o problema com os Hobgoblins.

Ela elaborou um rápido relatório para Colin, e disse suas suspeitas no caso de Alexander. Vê-la viva e bem deixou Colin mais calmo, e após banho tomado ambos passaram algum tempo junto, conversando sobre como tudo se acertaria.

Chegar com a notícia de que o território hostil fazia parte de Runyra poderia assustar os conselheiros, e a notícia do casamento poderia os deixar tagarelas. Era melhor estabelecer os termos antes de retornar.

Ambos revisaram algumas anotações de Ayla e decidiram uma melhor divisão dos territórios. Ela esteve no forte dos Hobgoblins, e sabia que eles tinham armas em demasia naquele lugar. Era melhor que ficassem com as criaturas para se protegerem. Agora que sabia que Alexander estava diretamente envolvido na invasão de seu território, as coisas mudariam de figura.

Atacá-lo diretamente seria perigoso, e ele perceberia a tempo de reagir. Eles teriam que ser espertos se quisessem vencê-lo, agir bem debaixo do nariz de Alexander, mas ainda não faziam ideia de como fariam isso. O mais importante para Ayla no momento era tornar a junção dos territórios oficial, mas para isso acontecer e ambos focarem seus esforços em Alexander, o território de Colin teria que ser limpo.

Ela já tinha ideia de quantos homens mandaria para ajudar os carniceiros a cumprirem essa árdua tarefa. Também estava disposta a mandar arquitetos e homens o suficiente para dar ao ducado de Colin a imponência que ele merecia.

A rainha usaria dinheiro dos seus cofres públicos para bancar aquilo, visando lucro a longo prazo. Colin não contestou muita coisa, já que ele estava se beneficiando mais que o planejado naquele acordo.


Na manhã seguinte, Colin e Ayla tiveram breves reuniões com os líderes de cada tribo do território hostil. Foi acordado que eles ficariam com tudo que estava no território hostil, e que, sempre que precisassem, poderiam ir até Runyra para tratarem de negócios, mas somente quando o centro-leste estivesse sob controle.

Todas as criaturas respondiam a Ergoth, nomeado protetor daquelas terras e a principal ferramenta de interlocução entre ambos os territórios. O modo como dividiriam o território controlado por Nag e os Hobgoblins seriam de escolha deles, Ayla e Colin não se meteriam nisso.

Após tudo acertado, eles partiram rumo ao centro-leste.

Foi uma volta divertida, o que não faltou foi assunto. Os carniceiros contando o que passaram contra os Orcs invasores e Colin contando como havia sido sua estadia naquele lugar.

Após um dia e meio cavalgando, eles haviam finalmente chegado ao desfiladeiro e avistaram o forte que aos poucos estava sendo reconstruído.

Homens de Ayla a recepcionaram com festa, e eles passaram a noite no forte, comendo, bebendo e contando histórias. Colin e Ayla dormiram em quartos separados. O carniceiro ficou em um único quarto junto do seu pessoal, enquanto Ayla ficou sozinha em um quarto especial designado principalmente a ela.

A regente estava gostando daquela sensação de ter companheiros, mesmo que Jane fosse desagradável. O calor deles, as risadas, as brincadeiras, ela não se recordava de ter algo assim quando comandava. A relação que tinha com seus homens era a de senhora e subordinados, sem espaço para uma aproximação mais íntima, e ela preferia assim, mas agora era diferente.

Percebeu que o caminho que trilhou a deixou solitária, distanciando-se daqueles que ela protegia, criando uma barreira natural que ela não conseguia transpassar.

Talvez por serem selvagens, Ayla notou que fosse mais fácil para eles que tinham internalizado aquele sentimento de tribo e união. Criada desde cedo para algo grandioso, ela foi experimentar essa sensação agora, com seus vinte e seis anos, mas ela não se arrependia daqueles sentimentos tardios.

Sua maturidade a fez valorizar aquele sentimento caloroso que era tão especial. Aquela única semana havia a transformado. Sem perceber, ela sorriu mais, se sentiu em paz e seu jeito ríspido ficou menos evidente.

Ela não queria que aquilo desaparecesse.

Ayla trajava um pijama branco que a cobria do pescoço aos pés, tapando suas cicatrizes mais evidentes. Ela pegou seu travesseiro e abriu a porta de seu quarto, dando as caras no corredor de pedras.

Caminhou pelo chão gelado até ficar frente a porta onde os carniceiros repousavam. Ela suspirou, segurou o travesseiro com um braço e antes de tocar na maçaneta, ela se abriu.

— Ayla? — Indagou Colin com o cabelo bagunçado e olhos semicerrados — Algum problema?

— Ah… — Ela abraçou o travesseiro e desviou o olhar um pouco envergonhada — Não é nada…

Colin saiu do quarto e fechou a porta atrás dele.

— Sabe onde fica o banheiro? Não quero ficar andando a esmo.

— Eu te levo lá se quiser…

— Tá, mostra o caminho.

Ayla foi na frente, olhando para a lua minguante na janela. As cortinas tremulavam, trazendo ventos gélidos.

— Não falta muito para nevar — disse ela — O tempo já esfriou bastante.

Colin bocejou.

— É…

— O banheiro é aqui, vou ficar te esperando.

Colin passou por Ayla e foi direto para o banheiro. A rainha encostou na parede e abraçou mais forte o travesseiro após um suspiro. Se perguntou se o carniceiro a acharia se estranha se pedisse para dormir com eles, e ficou nervosa. O modo como ela agia era algo que não condizia com sua postura de rainha, mas ao menos com Colin era se permitia comportar-se dessa forma, já que ele não a julgaria.

Assim que Colin saiu do banheiro, ela o chamou com uma voz meiga.

— Colin…

Ele olhou para trás, vendo Ayla esconder a boca debaixo do travesseiro. Os olhos dela exalavam inocência, e Colin abaixou a guarda.

— O quê?

— Posso dormir com você? Q-Quer dizer, com vocês?

Colin ergueu uma das sobrancelhas.

— Por quê?

Ela desviou o olhar.

— Posso ou não?

— Esse forte é tecnicamente seu, não é? — Ele enfiou as mãos nos bolsos e começou a caminhar — Pode dormir onde quiser, mas saiba que o quarto está bem apertado.

— Não importa…

Colin nada mais disse. Retornou para o quarto e Ayla viu Jane dormindo no canto com seu pijama que mais parecia uma lingerie. Dasken dormia sentado com as costas apoiada na parede. Lettini estava de costas para a parede abraçada com seu arco. Falone estava com os braços abertos babando como nunca, enquanto Valagorn estava apenas virado para a parede.

— Ache um lugar e encoste, majestade. — disse baixinho.

Ayla apontou para um pano forrado no chão.

— Você está ali?

— Estou.

— Posso deitar-me com você?

Colin correu o olho pelo quarto.

— Tem lugar vago ali, perto do Falone.

— É, mas não tem nada para forrar e o chão tá frio. Não seja mesquinho, tem muito espaço ali.

— Tem muito espaço no seu quarto também.

Ayla levantou o travesseiro, escondendo o nariz e a boca enquanto seus olhos desviaram.

— Está sugerindo para que a gente durma junto? — Indagou corando.

Colin revirou os olhos e fechou a porta atrás dele.

— Tá, tem espaço ali.

Ele avançou, saltou Falone e deixou no chão com pano forrado. Ayla veio logo atrás. Ajeitou seu travesseiro e deitou-se. Ayla virou-se na direção dele, enquanto Colin entrelaçou os dedos atrás da cabeça e ficou olhando para o teto.

Sempre que ambos tinham momentos como aquele, a personalidade de Ayla mudava radicalmente. Não era algo que o incomodava, mas era estranho.

— Colin… — sussurrou — Boa noite…

— Pra você também.

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Olá, eu sou Stuart Graciano!

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