Selecione o tipo de erro abaixo

Capítulo 203 – Submundo do Sul

No quarto escuro com uma única vela no canto, Samantha estava com sua armadura de couro leve sentada em uma cama bagunçada. Guardava dentro de sua bolsa dimensional toda espada e arma que fosse possível.

Faltava pouco para a reunião com toda organização e falhar não era uma opção. Sabia que haveriam mercenários famosos, mercenários que poderiam ser trabalhosos de matar.

Enfiou a mão no bolso e retirou um saco de moedas, guardando também na bolsa. A deixou amarrada na cintura e pegou sua capa preta, passando por seus ombros e cobrindo sua cabeça com um capuz. Caminhou até a vela acesa, molhou a ponta do indicador e polegar direito, a apagando em seguida.

Saiu do quarto, desceu as escadas, passou pelo recepcionista corpulento que lia um jornal local e moveu-se direto para fora. O vilarejo onde estava era como todos os outros ao redor do continente. Via-se penúria, enfermos dormindo no chão, crianças se prostituindo e alcoólatras andando trôpegos por aí.

Ela foi até um beco, dobrou os joelhos e saltou apoiando o pé na parede, indo para cima do telhado. Começou a correr por ele enquanto sentia a brisa no rosto.

O cenário daquela vila não se alterava, talvez se fosse mais ao sul, encontrassem cidades de arquiteturas belas com uma população mais abastada, mas ali era diferente.

Chegou até seu destino e saltou para o chão. Encostou na parede, cruzou os braços, e esperou seu contratante aparecer. Uma carruagem parou na frente dela e a porta abriu. Lá dentro estava Gonzu, seu contratante.

— Entre! — Samantha olhou para os dois lados e adentrou. — Veio preparada?

— Vim. E você, como está?

Ele enfiou a mão no paletó pomposo e retirou uma caixa de charuto junto a um isqueiro.

— Um pouco nervoso. — disse com o charuto no canto da boca — É a primeira vez que todo mundo se reúne. Espero que tudo acabe bem. — Gonzu ascendeu o charuto — Sabe quem Zodo contratou para sua segurança? Mortaliny, acredita nisso?

Samantha ergueu uma das sobrancelhas.

— Quem?

— Mortaliny, dizem que ele é o melhor contrabandista de escravos do centro-leste, mas não são suas aptidões para venda que chamam atenção, ele também é bem forte. E se aquele desgraçado quiser me matar e tomar meu território?

Samantha jogou o capuz para trás, cruzou as pernas torneadas e meneou a cabeça.

— Isso são só boatos. Se esse Mortaliny fosse tão forte assim, eu já teria ouvido sobre ele. Ele não deve ser nada de mais, só um homem que adora falar sobre si mesmo.

Segurando o charuto entre os dedos, Gonzu assentiu.

— Você tem razão — Ele assoprou a fumaça do cigarro — Barone também está lá, acompanhando a desgraçada da Laneth.

“Barone? Onde já ouvi esse nome antes?”

— Enfim — Continuou Gonzu — Melhor eu relaxar antes de me encontrar com aqueles desgraçados.

Samantha assentiu.

— Também acho.


Após meia hora, chegaram ao pé de ogro. Já na porta haviam alguns homens mal-encarados na entrada. Abriram caminho e Gonzu adentrou, acompanhado de Samantha, que jogou uma moeda na mão de um dos homens que nada disseram.

A taverna parecia como todas as outras, porém, a luxúria era o elemento chave no local. Haviam trovadoras cantando músicas com roupas provocantes e garçonetes com roupas mais provocantes ainda servindo os capangas que se divertiam mais que o normal.

— Senhor Gonzu! — disse um homem de terno de cabelos grisalhos e olhar de peixe morto — Chegou bem na hora — Ele olhou para Samantha — Sua guarda-costas? Mil perdões pela cena, há alguns rapazes também se for do seu interesse.

— Não precisa, não vim me divertir, vim a trabalho.

— Oh! Claro — Apontou com o queixo para a escada — Estão os esperando lá em cima, somente peço para manterem a compostura no estabelecimento.

Gonzu assentiu e começou a subir as escadas com Samantha atrás. A cada degrau Gonzu ficava mais tenso enquanto Samantha ficava ansiosa.

Chegaram a uma porta de madeira onde ouviram burburinhos vindos lá de dentro. Gonzu suspirou e abriu a porta. Todos os presentes ficaram em silêncio ao ver quem havia chegado. O quarto era amplo com uma extensa mesa de madeira no meio com diversas cadeiras. O carpete era avermelhado e havia algumas colunas de madeira no quarto, bem nas extremidades. Acima da mesa estava um lustre luxuoso com diversas velas. As pessoas que eram as cabeças por trás de todo submundo do império do sul estavam sentadas com seus guarda-costas de pé, atrás delas.

— Gonzu! — Zodo se levantou e abriu os braços caminhando até o colega, dando-lhe um abraço — Quanto tempo não o vejo?

— Senhor Zodo! É bom ver que não envelheceu nada!

— Não posso dizer o mesmo de você, meu amigo, há há!

Zodo era um velho de cabelo ralo usando terno luxuoso com um casaco felpudo por cima.

— Vamos nos sentar, estão todos esperando por você!

Gonzu se sentou ao lado de Zodo, dando uma olhada tímida para Mortaliny, um homem com dois metros de altura de olhos semicerrados, cabelo longo escuro e sorriso perturbador.

Samantha ficou atrás de Gonzu e ao lado de Mortaliny, sentindo a pressão assustadora que aquele homem exalava.

— Então, que tal começarmos a reunião? — Sugeriu Laneth, uma velha de peruca ruiva dona de quase todos os bordéis do império do sul. — Todos aqui já sabem quem é o nosso alvo, correto? Faz quase um mês que não chega uma Elfa em meus estabelecimentos, e Elfas chamam clientes, esse carniceiro não pode continuar vivo, ou todos vamos à falência!

Estreitando a vista, Samantha focou no homem com olhar de peixe morto atrás dela. Ela o reconheceu, a quase dois anos ela o viu no torneio de seleção, aquele homem enfrentou Colin e acabou sendo eliminado.

— Pensei em um meio de fazer isso — disse Upomar, outro velho de cabelo ralo — O carniceiro ainda tem um território instável, certo? Conheço alguns druidas, domadores de feras, seria vantajoso marcharmos com feras até seu território e destruí-los.

— E a rainha Ayla, o que faríamos com ela? — indagou Zodo — Pelo que sei, é ela que está financiando o carniceiro agora. Boatos que eles até vão se casar e unir os territórios. Se isso acontecesse, seria questão de tempo até invadirem o Sul, e seríamos os primeiros a serem atingidos.

— Não é só isso — Disse Dominic, um velho de cabelo grisalho cumprido — O rei do sul nomeou um novo comandante da guarda real, Lumur, o primogênito do falecido Rontes.

Aquela informação os pegou de surpresa.

— O quê? — Indagou Zodo — Por quê?

— Tsc! — Foi a vez de Laneth reclamar — O fantasma de Ultan vai continuar nos atormentando até quando? Esse Lumur também é um expansionista, certo? O que o rei está planejando? Uma guerra contra os carniceiros? Uma guerra conta o centro-leste?

Dominic assentiu.

— Creio que esse seja o caso. Ele também pode estar com medo do carniceiro e está planejando agir.

— Viu? — exclamou Laneth — Esse carniceiro desequilibrou tudo, ele é uma ameaça que deve ser eliminada! — Ela se virou encarando seu guarda-costas — Vamos, diga a eles!

Barone assentiu.

— O carniceiro — disse ele — Eu o conheço, já o enfrentei em Ultan, no torneio que participamos. Na época ele não era nada de mais, mas sua astúcia em combate é notável, foi assim que me venceu. O nome dele é Colin, vocês já devem ter ouvido esse nome antes, certo?

Os membros da organização ficaram atônitos e surpresos com o que um único nome poderia significar.

— O assassino do bakurack? — indagou Gonzu apoiando a mão no queixo — É ele? — Ele se virou para Samantha — Você era de Ultan, certo? Já se encontrou com esse homem antes? Qualquer informação é válida.

Samantha fez que não com a cabeça.

— Só ouvi histórias sobre ele, mas nunca o vi. Ele não era um homem fácil de se aproximar.

— Ele não pode ser tão difícil assim de alcançar — disse Laneth abrindo um leque — O que não falta são homens dispostos a caçá-lo por uma boa quantia de moedas. O carniceiro cai, nós recuperamos o dinheiro e o rei do Sul desiste da ideia de uma guerra. No fim sobrará somente a rainha de Runyra para darmos um jeito.

— A rainha não deve ser tão desafiadora assim — disse Zodo ascendendo um cigarro que pegou do interior do paletó — Sem o carniceiro, ela deve se tornar presa fácil, então deixem os mercenários brigarem pelo território dela. A gente entra, oferece um acordo e pronto, tudo volta ao normal. Só temos que decidir como exatamente faremos isso.

Samantha correu o olho pelo quarto, fitando discretamente cada um dos oito líderes das organizações. Para que ela tivesse alguma chance de matá-los e sair viva, teria que ser um ataque surpresa.

Os líderes continuavam bolando mais e mais ideias, cogitaram usar veneno, assassinato, espionagem, mas a cada sugestão ficavam descrentes de que realmente fosse funcionar, criando uma imagem de Colin em suas mentes, uma imagem de alguém que não poderia ser superado por meios convencionais, e isso estava os frustrando.

A reunião já durava a quarenta minutos, e os líderes estavam começando a ficar impacientes, assim como Samantha que buscava o momento perfeito para agir.

Zodo se ergueu após alisar a testa.

— Tenho um compromisso em meia hora, melhor remarcarmos uma reunião em breve, enquanto isso recomendo todos pensarmos em algo. Uma coisa é certa, o carniceiro tem que cair.

Eles começaram a se erguer e arrumar suas coisas.

— Não acredito que ficamos divagando e divagando sobre um único homem — Resmungou Laneth caminhando até a porta — Eu mesma encontrarei um jeito de acabar com esse desgraçado.

“Tem que ser agora!”

Enquanto se moviam para a porta, Samantha estalou o dedo e ouviu-se uma enorme explosão vinda lá de baixo.

Boom!

A taverna toda tremeu, o lustre desabou na mesa e alguns líderes da organização se desequilibraram e caíram.

— Que merda foi essa? — indagou Zodo cobrindo a cabeça — Um ataque? Alguém está nos atacando?

Os guarda-costas cobriram imediatamente seus contratantes, esperando outra explosão, mas ela não veio.

— Aqueles desgraçados lá em baixo! — disse Laneth furiosa — Aposto que aqueles bêbados começaram a brigar, é melhor que eles sejam punidos com a morte!

Eles começaram a se levantar. A porta se abriu, e o dono da taverna com o cabelo bagunçado adentrou desesperado.

— Estão todos bem?

— Seu cretino! — xingou Laneth — Como pode permitir que aqueles vermes comecem uma briga?

— M-Mas senhora, ninguém estava brigando, algo simplesmente explodiu na entrada, tem várias pessoas feridas.

“Certo, tenho que acabar com isso agora!”

Samantha enfiou a mão no bolso e jogou um punhado de moedas para cima. Mortaliny e Barone perceberam e protegeram seus senhores. Dobrando os joelhos, Samantha saltou para detrás de uma das pilastras de sustentação e estalou os dedos.

Boom!

A taverna toda tremeu. Construções foram abaladas e o lugar começou a ceder.

O caos estava instaurado.

Um dos servos alcançou o que era um cômodo minutos atrás. Estava tudo revirado. Não havia sobrado muita coisa, tudo estava em chamas e havia um enorme buraco na parede que dava para a rua.

Gonzu e os outros líderes estavam mortos, exceto por Zodo e Laneth que haviam sido protegidos, mas não escaparam ilesos. Ambos haviam sofrido queimaduras graves e também foram atingidos por estilhaços.

— Mortaliny! — Berrou Zodo segurando uma das mãos decepadas — Seu trabalho era me proteger, seu incompetente! Como você pôde deix-

Ting!

 Mortaliny rebateu uma seta e olhou para onde Samantha estava. Um sorriso diabólico desabrochou naquele rosto assustador.

— A mulher que estava com Gonzu! Sua traidora!

Samantha também abriu um sorriso e afastou a capa, revelando uma pequena besta presa a seu braço direito.

— Então os boatos sobre você eram verdadeiros — disse ela — Ótimo, finalmente um desafio!

Zodo se ergueu e cerrou os dentes em fúria.

— O carniceiro, ele a mandou aqui?

Samantha apontou a besta na direção dele.

— Talvez!

Ting!

Mortaliny rebateu a seta novamente.

Barone ajudava sua senhora se retirar do quarto, até que Samantha estalou os dedos e as flechas que Mortaliny rebateu, explodiram, abalando toda taverna novamente.

Boom!

Desta vez todos eles foram atingidos.

Zodo estava morto com metade do corpo queimado enquanto Laneth havia perdido tudo da cintura para baixo. Barone havia desaparecido enquanto Mortaliny ainda estava vivo, mas não estava tão bem.

O assassino permanecia de pé ao lado do buraco enorme no soalho. Tudo começava a ser engolido pelas chamas, a taverna desmoronava, e lá em baixo havia tantos corpos que era impossível contar.

Sobreviventes continuavam a correr pela rua enquanto as residências ao redor da taverna também começavam a ser atingidas pelas chamas. Naquele quarto que começava a ser nublado pela fumaça, Samantha e Mortaliny focavam seus olhares um no outro.

— Seu contratante está morto junto a todo submundo do Sul — disse Samantha apontando a besta para Mortaliny — Por que não dá o fora daqui enquanto eu ainda estou de bom humor?

Mortaliny dobrou os joelhos e abriu um largo sorriso ensanguentado.

— E perder a chance de enfrentar você? Nem pensar!

A besta de Samantha foi transmutada para uma adaga. Ela a segurou perto do pescoço e também dobrou os joelhos.

— Você foi avisado.

Woosh!

Mortaliny concentrou sua mana nas pernas e atacou Samantha, que saltou para o lado para esquivar-se da primeira investida, fazendo uma cambalhota para trás e apoiando os pés na parede. Em seguida, saltou novamente sobre Mortaliny. Ensandecido, o mercenário foi de encontro a ela, abrindo um buraco na parede com o movimento arqueado de sua espada.

Slash!

Samantha abriu um sorriso de canto e ambos avançaram contra o outro novamente.

Ting!

A lâmina deles se encontraram, mas Mortaliny não parou de atacar, continuou movendo sua espada como um louco a fim de causar algum golpe significativo, mas Samantha era rápida, esquivava da espada do mercenário e rebatia os golpes mais perigosos enquanto tudo ao redor desabava.

Crack!

O soalho abaixo deles estalou, e ambos saltaram para lados opostos antes de um buraco se abrir e as chamas invadirem ainda mais aquele recinto.

Aproveitando a visão nublada pela fumaça, Samantha apanhou algumas moedas de sua bolsa na cintura e as jogou na direção de Mortaliny, que viu apenas coisas brilhantes irem até ele. Instintivamente, Mortaliny cruzou os braços frente ao rosto esperando uma explosão, mas ela não veio. Quando desceu os braços, notou que Samantha havia desaparecido e o fogo havia tomado conta de tudo.

Olhou para os dois lados procurando uma saída até que sentiu algo debaixo dele. As moedas de Samantha explodiram.

Kaboom!

Uma explosão bem maior arrasou aquela taverna e parte da rua. Samantha estava em cima dos telhados de uma residência vizinha vendo tudo queimar. Guardas do império começavam a chegar em maior número. Ela desceu o capuz até os olhos e correu pelos telhados.

Usando sua habilidade da árvore do silêncio, Barone a observava se afastar enquanto continuava invisível.

Picture of Olá, eu sou Stuart Graciano!

Olá, eu sou Stuart Graciano!

Comentem e avaliem o capítulo! Se quiser me apoiar de alguma forma, entre em nosso Discord para conversarmos!

Clique aqui para entrar em nosso Discord ➥