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A regente caminhou pela sala, andando até a estante e encarou os livros. Esticou o braço e apanhou um deles, passando a mão pela capa. Olhou sua mão suja de poeira e devolveu a estante.

— Residência bem humilde para alguém que comanda os temidos carniceiros do centro-leste.

Ela foi até o sofá de estofado escuro e sentou-se, passando a mão no estofado, sentindo o tecido. Deu dois tapinhas no sofá para que Colin senta-se ao seu lado.

— Quer beber algo?

— Por enquanto não.

Após coçar a nuca novamente, Colin se sentou.

— O que você quer conversar?

— Seu território já está quase todo limpo, e isso é ótimo. — Ela cruzou as pernas — Os nobres receberam a notícia do casamento com entusiasmo, “será ótimo para os negócios”, disseram. Só me preocupa o fato de agora sermos alvos.

— Somos alvos desde que nos tornarmos líderes.

— Tem razão, mas desta vez é diferente. Recebi uma carta da coligação do Norte. A guerra civil em Rontes chegou ao fim, o novo rei deles se chama Yanolondor, um elfo da neve que comandou o principal batalhão do falecido rei de Rontes.

— O que a carta dizia?

Ela alisou a testa e suspirou.

— O Norte está sem soldados e os recursos estão escassos devido à guerra contra os gigantes. Yanolondor tem homens para ajudar na guerra contra os gigantes, e foi isso que ele fez.

Colin deu de ombros.

— Rontes têm a maior força militar do continente, eles terem homens não é surpreendente.

— Você estaria correto se o caso fosse simplesmente esse. Nosso querido Yan decidiu que como ele tem mais recursos, é ele quem comanda o Norte agora. — Ayla desabrochou um sorriso — Ele escreveu para mim me ameaçando. Disse simplesmente “Entregue suas terras ao norte ou morra”. Acredita nisso?

Ele não acreditava. Enfrentar os gigantes já seria complicado, mas os gigantes e Runyra era suicídio.

— Ele irá atacar Alexander também?

— Eu não apostaria nisso. Também há mais uma coisa, o Sul está organizando seus homens, eles têm um novo general, Lumur Ultan I, o conhece?

— Lumur está vivo? Nossa… Os irmãos mais novos dele eram da minha guilda, e a irmã dele me treinou. Conversei com ele vez ou outra, mas nunca fomos próximos.

Ayla afastou uma mecha de cabelo para trás da orelha, cruzou os braços e suspirou.

— Se Alexander tiver feito um acordo com Yanolondor, e ainda tiver ajuda do império do sul, significa que estaremos cercados, com todo Leste focado em nos destruir. Você ao menos já conversou com Lumur, consegue fazer um acordo com ele?

Colin ponderou as possibilidades.

— Não sei, posso escrever uma carta para ele e ver o que acontece, mas sinceramente, não teria tanta esperança. A irmã dele me disse que Lumur era ardiloso, então espere um grande não como resposta.

Ela assentiu e começou a balançar um dos pés.

— O Norte, Sul, e até parte do Leste nos cercando, será um banho de sangue.

Toc, Toc, Toc!

Alguém bateu à porta.

Colin se levantou, caminhou até a porta e a abriu.

— Samantha?

— Oi! — Ela mostrou uma garrafa de vinho — Desculpa a hora, mas como você é ocupado, esse seria o único horário que eu poderia conversar com você. Toma! — Entregou a garrafa para Colin — Vamos beber e falar dos velhos tempos, o que acha? Eu adoraria ouvir da sua boca as histórias que contam sobre você.

Ela trajava uma camisa branca e justa de botões, calça preta e botas da mesma cor. Havia passado um perfume que comprou no ducado e penteou o cabelo da melhor forma que conseguiu. Sua pele estava mais brilhante devido ao creme que passou, e seus lábios estavam decorados com um batom vermelho vibrante.

— Posso entrar? — indagou colocando as mãos para trás.

Colin olhou para a garrafa e abriu a porta. Ela ergueu as sobrancelhas ao ver que Colin já tinha visita.

— Você está com visitas, háhá! — Abriu um sorriso sem graça enquanto coçava a nuca. — Volto outra hora.

— Você já está aqui, por que não fica?

Ela abanou as mãos.

— Não quero atrapalhar vocês.

— Entra logo.

Ela cedeu e adentrou, cruzando olhares com Ayla. A rainha a encarou de cima a baixo e espremeu a vista arqueando os lábios. Quando Colin fechou a porta e se virou, o semblante de Ayla mudou rapidamente.

— Pode se sentar, vou pegar alguns copos.

Samantha olhou ao redor e se sentou na ponta do mesmo sofá de Ayla.

— Estávamos falando do Lumur — Disse Colin nos fundos. Ele abriu a estante de cima e apanhou três taças.

Colin retornou para sala, apoiou a garrafa e as taças na mesa de centro. Sentou-se no sofá de frente para elas, apanhou a garrafa novamente a abrindo no dente. Encheu as três taças e entregou uma para cada.

Ayla segurava a taça com elegância. Deu uma bicada e assentiu.

— É bom. — Disse Ayla encarando Samantha de canto — Não sabia que entendia de vinhos.

Samantha coçou a bochecha com o indicador.

— E-Eu não entendo, só pedi ao taverneiro que me desse o melhor vinho que ele tinha.

— Entendo. Você era uma mercenária, certo? Deve ter vagado pelo continente todo, ouvido muita coisa e teve muitas experiências, dos mais variados tipos.

— Ah… Nem tanto. Eu apenas pegava um trabalho, dormia em qualquer lugar, terminava o trabalho, pegava o dinheiro e partia para outro lugar. Era um ciclo. — Ela bebeu do vinho — E você, como é a vida de rainha? Acredito que deva ser trabalhoso.

Ela fez que sim com a cabeça.

— É trabalhoso e entediante, mas meu trabalho administrativo deve ser reduzido devido a tudo que vem acontecendo, e sinceramente, prefiro assim.

— Sim, entendo como é. Vocês falaram de Lumur, trabalhei para os senhores do submundo do império do Sul — Ela encarou Colin nos olhos — Eles estavam tramando assassiná-lo.

Colin deu um gole no vinho e abriu os braços no sofá. Em vez de se sentir espantado, ele ficou feliz. Finalmente seu nome estava ganhando a importância que ele queria.

— Por que queriam me assassinar? Não me lembro de ter mexido com o submundo de império do sul.

— Disseram que você atrapalhou a rota de escravos quando matou Otto e assumiu seu lugar. Eles perderam muito dinheiro com isso.

— É — disse Ayla girando o vinho no copo sutilmente — e você acabou com eles, certo?

Samantha ergueu as sobrancelhas.

— Como você…

— Ouvi as notícias. Quando se é um regente, é importante que fique de olho em seus inimigos. Também já ouvi falar de você, mais precisamente do seu sobrenome, Leerstrom. — Ayla deixou o copo parado — Sua família não está em Valéria? Está um pouco longe de casa, senhorita.

Samantha bebeu do vinho e abaixou seus braços, deixando-os em cima das coxas.

— Lembra do Anton? — indagou olhando para Colin — Aoth, o irmão mais velho dele, é dono de muitas terras em Valéria. O que sobrou de Ultan após o ataque vagou até lá para pedir suporte. Aoth aceitou, e sobre suas terras construiu muros, formando um reino. Meu pai o ajudou, reorganizou os exércitos e ergueu muros envolta daquele lugar. Lá se tornou o que sobrou de Ultan, e é um porto seguro para viajantes que desejam segurança.

— Do jeito que descreve — disse Ayla — parece um paraíso. Sei que Valéria é o país dos ricos, e como ninguém quer perder dinheiro, preferem comercializar entre si, tudo isso sem derramar uma gota de sangue. É um ótimo lugar para quem quer recomeçar, então me responda, por que deixou esse refúgio?

Samantha franziu os lábios e apertou a taça.

— Fui atrás de respostas. Queria saber quem matou Wiben, os gêmeos, quem estava atrás dos ataques a capital, queria saber o que aconteceu com meus amigos… Quando Ultan estava caindo e meus amigos sendo mortos, eu estava desmaiada… Quando acordei soube de tudo que aconteceu. — Ela olhou Colin no fundo dos olhos — E agora descubro que foi esse tal de Coen, o seu pai… Tem certeza que não sabe de mais nada?

Colin bebeu mais um gole do vinho e fez que não com a cabeça. Mesmo entendendo os sentimentos de Samantha, ele jamais entregaria Safira.

— Desculpa, mas não. — Ele inclinou para frente, apoiando os cotovelos nas coxas — Caídos são nossos inimigos, isso é tudo que sei. Aliás, Samantha, como sabe, Ayla e eu juntaremos territórios. Seu pai parece ser bem importante para esse reino do irmão de Anton. Parece que tudo aqui está se desenrolando para uma guerra do sul e norte contra Ayla e eu. Podemos formar uma aliança com seu pai.

Samantha deu um longo suspiro.

— Posso tentar, mas não espere muito do povo de Valéria. Eles costumam evitar guerra como senhorita Ayla comentou.

— Não se sinta pressionada, se ele não aceitar, tudo bem.

Ela desviou o olhar.

— Mas você disse que enfrentará o sul e norte, certo? Mesmo sendo você, enfrentar tantos inimigos assim é perigoso.

Colin virou a taça de vinho e abriu um sorriso convencido.

— Darei um jeito, fica tranquila.

— Como sabe disso? — indagou Ayla — Como pode ter tanta certeza sendo que seus homens são menos preparados, tem menos recursos e um território menor?

— A gente vai dar um jeito.

— Ah! É? Como?

— As primeiras batalhas costumam ser decisivas. Se as vencermos, a moral do nosso exército elevará, e eles pensarão duas vezes antes de continuar em nosso encalço. Vamos fazer o seguinte, o Norte é meu e o Sul é seu.

— Por quê? É Runyra que está ao norte, sou eu quem deveria segurá-los lá. — Ela franziu o cenho — Deixou o Sul comigo porque duvida da minha capacidade? Acha que não consigo enfrentar múltiplos inimigos?

— Não é nada disso. Quando eu avançar para o Norte, o tomarei por inteiro. Aproveitarei e continuarei seguindo, até dar fim à guerra dos gigantes.

Samantha e Ayla cruzaram olhares.

— Ficou maluco? Isso pode levar meses, talvez anos!

— Eu sei, por isso você vai ficar com o Sul. Lumur tem um exército numeroso, mas confio em você. Minhas invocações, Leona, você terá ajuda deles. Só precisarei dos carniceiros.

— Que ideia ridícula! Um bando de quinhentos carniceiros seguraria todo norte com seus magos poderosos e seu maquinário de guerra? Você é forte, mas isso é loucura.

Colin assentiu, encheu a taça mais uma vez e a virou por inteiro, dando um suspiro em seguida.

— É assim que vai acontecer — disse ele alisando o cabelo para trás — E isso não está em discussão.

— Não está em discussão? — Ayla aumentou o tom de voz — Não é você quem decide isso, preciso conversar com os conselheiros, avisar os nobres, não é algo que está somente nas suas mãos!

Colin a encarou com um olhar frio.

— Qual a graça de ser a rainha se você precisa dar satisfação de tudo que faz para gente abaixo de você? Eles vão nos atacar e nós os atacaremos, é simples.

— É simples só nessa sua cabeça! Você foi ao território hostil comigo, viu como uma guerra muda tudo.

— Ayla, Yanolondor ameaçou você, e ameaçar você é a ameaçar a mim. Meu ducado funciona bem sem mim, mas sua cidade precisa de você. O Sul não deve atacar por hora, tudo que sabemos do Sul são especulações. Se ele atacar, retornaremos a essa discussão. Tenha em mente que temos dois inimigos declarados, O Norte e Alexander. Você continua fazendo tudo funcionar enquanto seguro eles no Norte e parte do Leste. Pense nas pessoas, Ayla, a vida delas está prosperando agora, elas não precisam que tudo vire de ponta a cabeça, já que prometi a elas segurança e estabilidade. Por favor, faça o que estou pedindo.

Após fazer muxoxo, ela mordeu os lábios e desviou o olhar enquanto seus pés estavam impacientes. Ela estava preocupada com Colin, não queria que ele se ferisse gravemente nessa batalha, e não queria perder o marido após um casamento.

— Você… — disse baixinho — Promete que vai voltar?

Ele assentiu com um sorriso.

— Eu volto. — Ele virou o vinho no bico — O casamento é na próxima semana, certo? Vou até Runyra em breve acertar as coisas com os seus conselheiros.

— Também farei o possível para meu pai aceitar o seu pedido. — disse Samantha.

Colin abanou uma das mãos.

— Não precisa se preocupar com isso, mas quero te fazer um pedido, Samantha, se seu pai ou Aoth não aceitarem, pode retornar ao ducado e ajudar Alunys?

— Posso, seria um prazer ajudar um amigo.

Ele assentiu.

— Ayla, os Elfos da floresta, poderíamos ter a ajuda deles.

Ela ergueu uma das sobrancelhas. Os elfos da floresta eram somente uma sombra do que já foram. Antes, aqueles com um grande reino repleto de beleza e pessoas poderosas, agora reduzidos a bando de maltrapilhos nômades. Eles eram tratados como inferiores por toda raça senciente do continente.

Por estarem em extinção, eles resolveram se esconder, e assim fazem a séculos, mudando sempre de lugar para não serem capturados e vendidos como escravos. Conforme Colin dominou o antigo território de Otto, ele libertou os poucos Elfos da floresta que eram mantidos em cativeiros para a venda. Deu a eles um lar, e nas poucas semanas criou-se um senso de gratidão ao líder dos carniceiros.

Colin soube por sua prima Eilella a história de sua mãe, e os ajudava em sua memória, mesmo sabendo que ela foi ostracizada e banida por seu próprio povo.

Em termos logísticos, era irrelevante para Ayla o apoio dos Elfos da floresta, mas eles também eram o povo dela, o povo de sua mãe que faleceu quando ela ainda não havia feito sequer um ano de vida.

— Colin, sei o que está sentindo, mas gastar recursos para encontrar os Elfos da floresta e trazê-los aqui é inútil.

— Mande alguns de seus espiões atrás deles, consiga a localização e eu mesmo vou trazê-los antes de partir para o Norte.

Ayla alisou a testa.

— Por que insiste em fazer tudo sozinho?

— Porque isso economiza recurso e tempo. — Ele abriu os braços no sofá novamente e olhou para cima — Tudo lentamente se encaminha para o ápice. Teremos que ser rápidos, se não, seremos engolidos pelo norte ou sul. — Colin deu uma piscadela para Ayla — Confia em mim, vai dar tudo certo.

— Humpf! — Ela virou o rosto fazendo beicinho — Tá…

— E então, Samantha, como tem sido suas aventuras, alguma interessante?

— Ah! Algumas… — Respondeu — Houve uma vez que matei um dragão adulto.

Colin ergueu as sobrancelhas.

— Sério? Os dragões foram libertos na queda de Ultan, mas só enfrentei filhotes até agora — Ele abriu um sorriso — Eles devem ser fortes, né?

— Um pouco.

Aqueles três passaram a madrugada conversando. Samantha ficava mais animada quanto mais bebia, enquanto Ayla ficava mais quieta, olhando para Samantha, a julgando em pensamento. Colin falava pouco, apenas fazia perguntas-chave que fazia a companheira falar mais e mais.

Acabaram com quase todo vinho da dispensa de Colin. Determinado momento, Ayla começou a falar sem parar, contando os seus feitos militares, como se estivesse competindo com a companheira de Colin, que começou a achar engraçado aquelas duas tendo uma disputa velada para ver quem era a melhor.

Beberam tanto que adormeceram no sofá. Colin cobriu as duas e foi para fora sentir o clima, que ficava cada vez mais frio. O sol não nasceu naquela manhã como de costume, em vez disso, os primeiros flocos de neve caíram.

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Olá, eu sou o Stuart Graciano!

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