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[Vinte e sete anos atrás].

Pastos verdejantes cercavam um pequeno vilarejo. Embora Ultan estivesse avançando contra todo centro do continente, aquela parte continuava intacta. Diferente da miséria que cercava todo aquele continente que afogava em um caos infindável, o vilarejo era belo a sua maneira, e bem calmo.

Em um salão, um homem alto de armadura negra levantava sua caneca de cerveja. O acompanhando, estavam outros homens, dentre eles, humanos e Elfos da neve que confraternizavam em uma cena atípica.

Seu porte robusto e seu longo cabelo escuro faziam aquele homem chamar atenção, e sua voz poderosa deixava a multidão hipnotizada.

— Senhores! — Ergueu ainda mais alto sua caneca — Conseguimos expulsar os salteadores do Barnon daqui, e como já foi acertado com vocês, esse será o nosso lar a partir de hoje. — A multidão comemorou, batendo suas canecas na mesa e aplaudindo enquanto davam gargalhadas — Como sabem, minha esposa está grávida, os anciões dizem que é uma garota, a primeira criança que nascerá na terra que conquistamos!

A euforia tomou conta daqueles rapazes.

— Qual será o nome? — Indagou um Elfo.

— Nome?

— Sim! O nome do nosso território!

Ele pensou por um momento.

— Assim como eu, a maioria de vocês cresceu sem pais, e o que quero criar aqui não é apenas um território, mas uma grande casa, então que tal Runyra? Significa “Grande casa” na língua de vocês, certo?

Todos ergueram suas canecas.

— Um brinde a Runyra!

— Um brinde!

Entornaram suas canecas e após isso deram um longo suspiro. Os bardos se empolgaram em canções élficas e assim se seguiu o resto da noite.


No canto, Fangil observava a felicidade de seus companheiros, e se sentia orgulhoso de ter sido a peça chave para aquele momento que entraria para a história.

— Fangil! — Chamou o jovem Nilsson de porte franzino e sorriso fácil — Sua garota nascerá em breve, certo? Como está se sentindo?

O belo Fangil coçou a nuca e meneou a cabeça.

— Não sei, nunca pensei que seria pai, agora que temos esse lugar, temos Runyra, não sei como reagir. Acho que ainda levará um tempo para minha ficha cair.

Nilsson cruzou os braços e encostou na parede.

— E Ultan, não está mesmo preocupado com ele?

— Não há o que temer. O centro-leste não é tão atrativo quanto o Sul ou o Norte. Não seremos o alvo daquele maluco. — Fangil massageou o ombro e caminhou em direção a saída — Dê um abraço nos rapazes por mim, vou ver como minha esposa está.

— Passar bem, majestade.

— Ei, ei, ainda não acertamos isso.

— Todo mundo já concordou, só falta você aceitar.

— Tá… vou pensar, até mais, irmão.

Deixando a taverna, Fangil vagou pela rua deserta. Virou a esquina e foi em direção a uma casa de madeira de dois andares. Enfiou a chave na fechadura e a porta se abriu em um ranger. O lugar era aconchegante, fugindo do luxo e abraçando a simplicidade.

Não havia tantos móveis e ouvia-se até mesmo o barulho de eco quando Fangil caminhava pela casa. Virou à direita no corredor e encontrou sua esposa sentada na cadeira lendo um livro. A Elfa de olhos amarelos e cabelo branco abaixou o livro e abriu um sorriso.

— Como foi? — Indagou.

Fangil foi até a esposa, beijou sua testa e começou a retirar a parte superior de sua armadura.

— Foi bom, os rapazes testemunharam a criação de um território, quem sabe um reino. Nilsson e os rapazes querem que eu seja o rei de Runyra.

— Runyra? Esse é o nome que deu?

— Não gostou?

— Não é isso, só fiquei surpresa que deu um nome élfico para um reino tão próximo dos humanos.

Fangil sentou-se na cama e retirou as botas.

— Runyra será o refúgio deles, elfos e humanos. Estou pensando e fazer essa cidade com a cara dos Elfos, construir torres, expandir nossa comunidade.

— É uma boa ideia, mas só vou poder te ajudar quando ela sair.

— Já escolheu um nome?

A Elfa assentiu com um sorriso.

— Ayla, se for mesmo uma menina como os anciões especulam. O mesmo nome de minha mãe e da minha bisavó.

— Um nome bonito, mas e se for menino?

— Então você escolhe.

— Háhá, combinado.


[Uma quinzena depois].

A recém-fundada Runyra recebia refugiados da guerra que prontamente ajudavam na construção do projeto de cidade idealizado pelo recém-nomeado Rei Fangil. A pequena Ayla nasceu, como disseram os anciões, e seu pai mal teve tempo de passar um tempo com a família, já que tinha um projeto a concluir.

Vilas próximas começaram a ser erguidas, as terras foram gradualmente aradas e a guarda local foi sendo formada. Nilsson escolheu ser um conselheiro, nomeando mais cinco de sua confiança. Com a ajuda dele, foram escolhidos ministros, leis foram feitas e funções designadas. Tudo começou a ser organizado facilitando o processo.

[Um ano depois].

A esposa de Fangil estava deitada em um altar. Ela estava vestida com túnica branca, havia uma coroa dourada em sua cabeça e pessoas choravam baixinho. O rei de Runyra estava distante do corpo da esposa segurando a filha no colo. Seus olhos estavam sem vida, vazios. Parte de Fangil havia falecido com sua esposa, acometida por uma doença que os anciões não souberam diagnosticar.

Com a tocha em mãos, Fangil caminhou até o altar e a segurou sobre parte do feno seco. O corpo de sua esposa começou a ser cremado, mas ele não permaneceu no local. Trabalhar era a única maneira de o fazer fugir da dor, e foi isso que fez.

Deixou a pequena Ayla com as “babás” por duas semanas, vendo a filha somente por alguns segundos. O tempo que a via diminuiu gradativamente. As duas semanas se transformaram em meses e em seguida, anos.

Agora, com cinco anos, a pequena Ayla mal lembrava do rosto do pai, mas sempre ouvia de todos como ele era grandioso, um excelente rei, e sem ter senso crítico, ela também comprou essa ideia.

Runyra havia se desenvolvido bastante nos últimos cinco anos. O comércio era bem quisto, as leis sempre favoráveis ao povo e seu exército começava a ganhar fama pelas redondezas, famoso por espantar tribos de Orcs em suas fronteiras.

Fangil estava ficando sobrecarregado, e decidiu que sua única herdeira deveria assumir as responsabilidades de uma princesa. Foi ali que Ayla começou a ser tratada como adulta, mesmo que tivesse cinco anos. Suas bonecas foram substituídas por livros, suas brincadeiras de pique com as filhas de nobres foram substituídas por treinos de combate. Seus professores eram rígidos por ordem de seu pai.

Aos treze anos sabia falar oito idiomas, três artes marciais e um esquadrão foi dado a ela para que colocasse a prova sua aptidão para o comando.

Sua primeira campanha de deter a invasão Orc foi considerada um sucesso, mas não para ela. Os primeiros amigos que fez em pouco tempo haviam morrido, e ela foi surpreendida com a notícia de que seu pai estaria doente.

Após muito tempo, ela viu o seu pai.

Sempre teve uma visão positiva dele, um homem alto, forte, alguém que transmitia uma confiança inimaginável, mas vê-lo ali, deitado na cama, fez toda visão que alimentava de seu pai ser destruída.

A fim de compensar o tempo perdido, Fangil passou o máximo de tempo possível que o restava com a filha. Sempre martelava na cabeça dela a ideia de unificar todo centro-leste, um sonho que sempre teve, alimentando essa ideia na sua filha que lembrava em muito a sua falecida esposa, mas agora, com quinze anos, Ayla já havia moldado o seu senso crítico. Ela sabia que escolhas tomar, qual caminho seguir, quais alianças fazer e em quem confiar, afinal, ela foi treinada para isso.

Seu pai já não tinha tanto tempo sobrando, então tentou convencer a filha a se casar com algum nobre poderoso, mas ela negou veementemente.  Na mente de Ayla, o seu marido teria que se parecer com seu pai em seus dias de glória, alguém que não fosse somente forte, mas que transmitisse isso para uma nação.

Enquanto as moças de sua idade formavam uma família, eram cortejadas com frequência e tinham uma vida regada a bailes e festas, ela continuou centrada, focada em se fortalecer, alimentando em si o sonho de seu pai. Dizia para si mesma que não precisava de nada disso, mentia para si, dizendo ser superior aquelas meninas.

Isso a isolou.

Seus conselheiros costumavam influenciar suas decisões, e ela aceitava coisa ou outra para evitar conflito. O jogo deles era escancarado, e por entender isso através de nuances, Ayla passou a desconfiar de todos eles.

Ela ficou arrogante, amargurada, e isso só a afastou de ter amizades saudáveis, pois para ela, não havia ninguém que enxergava como um igual.

Quando completou dezesseis anos, conheceu um dragão fêmea escondido em uma caverna. Naquele tempo, dragões eram apenas lendas, mas ela conheceu um de verdade. Passou a visitar o dragão escondido e se tornaram amigas. Isso levou Ayla a ter sua primeira pandoriana, dando a ela um poder que se destacava no centro-leste.


Quando completou vinte e dois anos, conheceu um demônio onírico por intermédio de um necromante, e decidiu fazer dele o seu próximo pandoriano. Isso a deixou mais confortável, já que ela podia vigiar todos de sua corte, a colocando um passo à frente dos opositores de seu próprio reino.

Assim que fez vinte e quatro, adquiriu seu último pandoriano. Um ser pertencente a outro plano que estava causando problemas ao perambular pelos esgotos da cidade. Ela não fazia ideia de como ele havia parado ali, mas sabia que ele não pertencia aquele plano.

O ser, preferia ficar longe das pessoas, recluso nos esgotos onde ninguém o importunaria. O plano que ele disse pertencer se chamava Celestia, e ele é de uma raça chamada Planorius. Era musculoso, pele esverdeada, cabelos brancos longos e tinham um par de asas plumadas. Seus olhos eram brancos, e suas habilidades poderiam trazer a seca em tempos de chuva, ou liberar uma praga de insetos para devorar uma colheita.

Com a promessa de o deixar em paz, Ayla o tornou seu pandoriano, alcançando o ápice de suas habilidades, mas ela ainda não estava satisfeita, continuou se autoaperfeiçoando, estudando, aprendendo e evoluindo.

Estar no topo era cansativo.

Ela tentou ser a imagem do pai que outrora admirou, mas era impossível, mesmo após alcançar tudo, sentia faltar algo. Então, o que mais ela temia aconteceu. Ayla se acomodou, deixou suas vontades de lado, seus sonhos, e se tornou uma administradora comum que mal saía do escritório.

Isso não a incomodou por um tempo, até que um dia recebeu uma carta. O remetente era Colin, um nome que ela ouviu vez ou outra. Até o momento, ela estava bem. Não tinha intriga com ninguém do centro-leste, mas o carniceiro quebrou a monotonia quando derrubou Otto e sugeriu uma reunião naquela carta.

Sua primeira reação foi achar aquela ação desrespeitosa, mas ficou curiosa com o que poderia acontecer, então, eles se conheceram, e o carniceiro disse querer unificar o centro-leste. Um antigo sonho da época de glória de seu pai, um sonho que ela havia se esquecido.

Por um momento, ela viu no carniceiro o pai que ela inventou na infância, e sua guarda abaixou. Ela só não queria o deixar escapar como deixou o seu pai, e, para alguém bastante racional, ela se deixou levar pelo sentimental.

Bastou uma viagem com o carniceiro para que o homem inventado fosse substituído por um homem real, um homem que ela viu de perto ser como ela sempre imaginou.

Não importava o que seus conselheiros ou seus nobres diriam, a sua ideia de homem estava ali, bem na sua frente, a ideia perfeita de seu imaginário, com sonhos ainda mais ambiciosos que os de seu pai, e ainda era mais forte do que seu pai jamais foi, era perfeito.

Ela também passou a ter suas próprias ambições, desejou ser a peça principal do jogo de poder que desenrolava na sua mente. Queria ser a matriarca de uma geração promissora, uma dinastia que nasceria com ela e Colin, que perduraria por mais de mil anos. Queria ir o mais longe do que alguém jamais foi, e unificar o continente a colocaria na frente dos vampiros, caídos, reis, e até Deuses.

Um feito que a eternizaria para sempre.

[Atualmente].

Em cima de um banco, Ayla estava com os braços abertos de frente para um espelho. Em seu corpo ia um vestido de noiva vermelho com detalhes em bordado branco. Era algo luxuoso, algo que Ayla jamais experimentou.

As costureiras estavam ajeitando os últimos detalhes. Até seu cabelo estava enfeitado para a ocasião. Mechas de seu cabelo ondulado estavam ao lado de suas orelhas, com o resto de seu cabelo decorado por diversas tranças.

Ela não frequentou bailes na adolescência como as filhas de nobres, ou de seus conselheiros. Não teve a experiência de ter encontros com príncipes ou alimentar o seu sonho de garota que um dia já desejou por isso.

— Como está, senhora? — indagou uma das costureiras.

Ayla abaixou os braços e ficou se encarando no espelho por algum tempo. Não se recordava de ter ficado tão produzida. Tocou gentilmente as bochechas e em seguida seus lábios enquanto ainda se encarava no espelho. Alisou o belo vestido e se olhou de outros ângulos.

— Nossa… — Deixou escapar por seus lábios — Acham que… Colin vai gostar?

— Com toda certeza. — Disse uma das costureiras — Quer fazer algum ajuste, majestade?

— Não, está perfeito.

Toc! Toc!

A porta abriu, e outra empregada adentrou.

— Senhora, os carniceiros já chegaram. Alguns nobres convidaram senhor Colin para um chá, quer que eu o convoque?

— Não precisa, já irei me trocar. — Ela desceu do banco e abriu os braços. Suas costureiras começaram a retirar o vestido com cuidado. — O casamento é em três dias, ele veio um pouco cedo demais.

— Devia passar mais tempo com ele, senhora. Algo que não envolva monstros ou sangue.

Uma das costureiras retirou a parte superior do vestido de Ayla, a deixando com um sutiã preto e short curto.

— Ela tem razão, talvez ele só queira passar um tempo a sós com a senhora, algo mais romântico.

Ayla trajou sua blusa justa acinzentada de manga longa. Em seguida começou a vestir sua calça de couro.

— Colin não faz o tipo romântico. — disse passando o cinto pela cintura — E ele não gosta tanto assim de mim. Aposto que pra ele, isso é realmente um casamento político, e apenas isso…

— Bobagem — disse a costureira dobrando o vestido gentilmente — A senhora é incrível, e vocês serão casados. Passarão tanto tempo juntos que duvido que ele não acabe se apaixonando pela senhora.

Ayla abriu um sorriso de canto.

— Você acha mesmo?

— Tenho certeza. A senhora ficou sozinha com ele, e o mesmo nada fez, certo? Deve ser um homem descente. E além de tudo, a senhora tem o mais importante em uma mulher.

Ayla ergueu uma das sobrancelhas.

— O mais importante?

— Homens não são tão difíceis de lhe dar, e tudo que a senhora precisa está no meio das suas pernas.

— … Não acho que Colin seja… bem, ele não parece se importar com isso, não sei nem se ele quer… fazer isso comigo…

— Bobagem, todo homem quer isso. Alguns querem mais, outros menos. Homens são criaturas simples, majestade, dê isso a ele, o respeite e dê um pouco de carinho, garanto que ele estará na mão da senhora em dias. Aliás, já se perguntou como o carniceiro deve ser entre quatro paredes.

Outra costureira mais nova subiu no banco atrás de Ayla e começou a desfazer suas tranças.

— Pelas histórias, deve ser um selvagem. Da outra vez que ele esteve aqui, eu o vi de pertinho. Perdão, majestade, mas você foi agraciada pelos Deuses. Seu marido não é um nobre careca com uma barriga maior que de uma prenha de nove meses.

As costureiras riram e o que não faltaram foram elogios direcionados a Colin. Era a primeira vez que presenciavam um casamento real, o que não faltavam eram fofocas, não só em relação ao Colin, mas aos carniceiros.

— Eu queria que meu marido tivesse um pouquinho dos carniceiros — disse uma delas — Mas fazer o que, ele é um covarde.

— Queria que seu marido fizesse o quê? — Indagou outra costureira — A agredisse?

— No momento certo, um “tapinha” pode ajudar.

Todas elas riram e Ayla terminou de calçar as botas, vestindo uma jaqueta preta por cima de sua camisa. As servas do castelo sempre acabavam tocando nesse assunto, um assunto que Ayla se sentia perdida por não ter nenhuma experiência.

Ela jogou o cabelo para trás dos ombros e caminhou até a porta.

— Até mais, meninas.

— Até vossa majestade.

Ayla se vestia casualmente, algo bem diferente dos vestidos que a cobriam do pescoço aos pés. Ela se sentia verdadeiramente livre, finalmente estava tomando as decisões que queria. O homem da sua imaginação havia ganho vida e em breve seria o seu marido. O casamento a deixava genuinamente feliz, mas o sentimento de ser a mulher mais poderosa do continente a deixava ainda mais feliz.

Tudo que desejou começava a se concretizar lentamente.

Ela não esperava nada romântico de Colin, mas queria fazer algo romântico por ele, pelo menos antes do dia do casamento.

“Certo, tenho que dar um pulo na cozinha e falar com algumas pessoas, espero que ele goste.”

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Olá, eu sou o Stuart Graciano!

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