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Atrás de uma mesa, Sulestino, o careca, assinava documentos importantes. Ele havia cedido parte de suas terras ao pontífice junto a alguns escravos, mas já estava começando a se arrepender.

Alexander havia oferecido os agoureiros para ajudar Sulestino e os outros a avançarem contra o território de Colin, mas seus esforços eram inúteis. O máximo que conseguiram fazer foi atrasá-los, mas o custo daquela empreitada não valeu a pena.

O prejuízo ficava cada vez maior.

Uma de suas escravas adentrou a sala abrindo a enorme porta de madeira.

— Senhor, Ethel, a senhora de escravos, está aqui.

— O que ela faz aqui? — Ele abanou uma das mãos — Que seja, mande-a entrar.

A serva assentiu e se afastou. Ethel entrou em seguida, trajando seu clássico vestido preto. Segurava um leque na mão direita e usava um penteado trançado junto a um pequeno chapéu preto.

— Isso fede a quinquilharia. — disse ela após adentrar o recinto.

Sulestino a encarou com desdém. Molhou a pena no tinteiro e voltou a suas anotações.

— Não lembro de ter uma reunião marcada com você.

Ethel sentou-se na cadeira frente a Sulestino e cruzou as pernas, tornando a abanar seu rosto com o leque, apesar do clima gélido.

— Precisa de hora marcada para ver uma amiga?

— Como se fossemos amigos, diz logo o que quer.

Ethel fechou o leque.

— Vim comentar sobre o duro golpe que Alexander deu em nós, os senhores de escravos. Ele nos deu os agoureiros como arma, em troca levou nossos escravos e terras. A essa altura já ficou claro que ele nos enganou, certo?

Sulestino parou de escrever e a encarou com desdém.

— Veio aqui me irritar? Já tenho problemas demais para resolver.

— Sei que tem, por isso vim até aqui. — Ela abriu um sorriso de canto — Alexander precisa levar o troco, mas ainda precisa pensar que estamos do lado dele.

Sulestino fez uma careta.

— Ficou maluca? E como fica a guerra contra os carniceiros?

Ela apontou o leque para o nobre.

— Esse é o ponto. Você é um investidor, um nobre como eu. Veja a guerra por outra perspectiva.

— Outra perspectiva?

— Atuamos no ramo de escravos, certo? Os carniceiros estão os deixando livres, e há escravos que torcem pelos carniceiros, já que os veem como grandes salvadores. — Ela abriu o leque novamente — O negócio de escravos está com os dias contados no centro-leste. A melhor coisa é nos adaptarmos, ou quando os carniceiros vierem até nós, seremos destruídos.

Cerrando os dentes, Sulestino aumentou a voz.

— Nos adaptar? Sabe quantos anos estou nesse ramo? Nem o imbecil do Ultan conseguiu acabar com o negócio de escravos, mas um pirralho com sede de grandeza irá? Me poupe!

Ethel deu de ombros.

— Você tem mais escravos que guardas em sua enorme fazenda. O que acha que acontecerá quando ficarem sabendo que os carniceiros chegaram até seus portões? Com a quantidade de escravos aqui, a certeza é que começariam uma revolução e colocariam sua cabeça em uma estaca.

Sulestino abriu um sorriso de canto.

— Não me faça rir, Ethel, acha que sou fraco a ponto de ser morto por escravos? Se eles se rebelarem contra mim terão o que merecem. Se não tem mais nada para falar pode sair e marcar horário com minha serva. Estou muito ocupado para ouvir esse monte de asneira. — Ele olhou para a porta fechada — Manutya! Leve Ethel até a saída!

Ninguém apareceu.

— Manutya, sua idiota, quer ser chicoteada?

Outro silêncio.

Franzindo o cenho, Sulestino encarou Ethel que permanecia com um sorriso no rosto. Ouviu-se um estalo na porta e ela abriu devagar. As dobradiças rangeram e Sulestino viu Ayla adentrar com um sorriso no rosto.

Trajando roupas de inverno inteiramente pretas, ela fechou a porta atrás dela cuidadosamente.

Sulestino engoliu o seco e deu um passo para trás, encontrando a parede de seu escritório.

— C-Como você… — Ele encarou Ethel — Sua traidora, está trabalhando com essa vadia?

Ayla enfiou as mãos nos bolsos e começou a andar pelo escritório, observando as estantes e os quadros pitorescos.

— Quase tão bonito quanto o meu escritório, sabia? — Ela parou em frente a um quadro de jardim de rosas pintado a óleo — Meu pai iria adorar esse quadro.

Com raiva e assustado, Sulestino ergueu o braço direito conjurando um círculo mágico.

— Acha que tenho medo de você? — Ele abriu um sorriso — Se eu a matar aqui, então essa guerra acaba, certo? É você que controla o cão que lidera os carniceiros, não é? Háhá! Não foi uma ideia inteligente vir até minha casa, sua vadia!

Ayla continuou de costas para Sulestino.

— Me matar? — zombou ela — Nem você acredita que consegue algo assim. Por que não abaixa essa mão e se senta? Quero fazer um acordo com você.

— Não tenho nenhum acordo a fazer com uma vadia mestiça que se deita com selvagens!

Ela se virou.

— Se controle e aja como homem. Não vim aqui te matar, quero só conversar.

Sulestino cerrou os dentes e começou a concentrar magia de fogo.

— Morr-

Ayla avançou com raios amarelos deixando seu corpo e segurou o pulso de Sulestino antes de ele tentar algo. Foi tão rápido que ele nem viu de onde veio. A regente apertou o pulso de sulestino, o quebrando.

Crack!

Antes que ele pudesse gritar, Ayla tapou a boca dele e o pressionou contra a parede.

— Por que vocês têm que ser sempre impulsivos? Seja racional, seu imbecil, acha mesmo que conseguirá me matar? Nem mesmo Alexander teve coragem de me enfrentar e um sub-subordinado dele acha que consegue? Ponha-se no seu lugar!

Os olhos de Sulestino exalavam pânico.

Ayla tirou a mão da boca dele e se afastou.

Sulestino segurou o pulso quebrado e fez uma expressão de dor enquanto se sentava na cadeira.

— Diz logo o que você quer!

— Qual a próxima leva de escravos que vai entregar ao Alexander?

— Por que quer saber?

— Responda ou quebrarei seu outro pulso.

Sulestino cerrou os dentes e desviou o olhar.

— Daqui a dois dias, os homens dele vão levar alguns escravos como parte do acordo.

Ayla assentiu.

— Entendi, quais escravos?

— Os da casa A-1.

Uma mão horripilante saiu de dentro da sombra de Ayla, seguido por uma cabeça coberta por um véu escuro. Por fim, uma criatura que se parecia com a morte estava ao lado de Ayla.

Sulestino só não ficou tão assustado porque a dor de seu pulso não permitiu.

— Você ouviu, casa A-1.

A criatura desapareceu, derretendo como gelo e adentrando no soalho de madeira.

Ayla caminhou até Sulestino e apoiou o quadril na mesa ficando frente a ele.

— Você trabalhará para mim a partir de hoje.

Sulestino olhou para Ayla e depois para Ethel que continuava parada abanando o leque.

— Por que eu trabalharia para você?

— Isso não é óbvio? Trabalhe para mim e continue vivo.

Uma veia apareceu na têmpora de Sulestino e ele cerrou os dentes.

— Acha que tenho medo de morrer? Eu sozinho construí um império, já você herdou tudo do papai! Comparada a mim, você não é nada além de uma pirralha mimada!

Ayla deu de ombros.

— Você tem razão, mas o império que herdei ainda está de pé, e o que você construiu está perto de ruir junto ao Alexander.

Sulestino não era um apostador, ele gostava de ter segurança em suas ações. No momento, ele estava em um impasse. Os carniceiros já haviam se mostrado impiedosos e fortes o bastante para sobreviver aos agoureiros e a centenas de investidas contra seu território.

Alexander não sofreu nenhuma invasão, e se sofreu, ninguém deixava a informação vazar. Apoiar Ayla e os carniceiros significaria que ele estaria trocando uma força emergente controlada pela grandiosa igreja de Tithorea por um grupo de mercenários que haviam se tornado um país ambicioso.

— Preciso de uma garantia…

— Garantia de quê? Poupar sua vida não é o suficiente?

— Agradeço por me poupar, senhora, mas sou um comerciante — ele encarou Ethel — Ela disse para me adaptar, certo? Caso o mercado de escravos seja completamente destruído, tenho que me adaptar a outro tipo de negócio. — Sulestino abriu um sorriso — Me diga, tem planos de avançar contra Rontes? Não tem?

Ayla franziu o cenho.

— Por que quer saber?

— Tenho contatos, rainha, sei de rotas de comércio que passam clandestinamente pelo porto de Rontes, o porto principal das ilhas Janesi e por fim vão para o continente das bestas feras. Sei que levam especiarias e um produto que os orientais consomem bastante, a seda. Esse pode ser um negócio lucrativo se desfizer o mercado de escravos no centro-leste.

A rainha assentiu.

— Sim, temos planos de avançar contra Rontes, mas não em uma invasão. Quero fazer um acordo com alguns países do Norte, já que soube que nem todos são aliados de Yanolondor, mas isso pode levar meses, quem sabe, anos.

— É o suficiente para mim. Não sei que tipo de acordo farão, mas vocês se mostraram bem capazes. Tudo bem, temos um acordo.

— Para alguém tão firme, você mudou de opinião bem rápido.

Sulestino deu de ombros.

— O mercado marítimo dá mais lucro que o mercado de escravos. O mar do Norte é congelado, e de difícil navegação, já Rontes é um país grande, porém, pobre. Acredito que conseguiríamos muito dinheiro se investirmos naquele país. Você tem a mesma visão que eu, correto?

— Talvez — respondeu Ayla desvencilhando da mesa de escritório — Então temos um acordo?

— Temos.

Ayla apontou o indicador para o chão.

— Estarei de olho em você, me ouviu? Ficarei atenta a cada passo que você der, se me trair você sofrerá consequências tão severas que um pulso quebrado não significará nada perto do que farei com você. Ficou claro?

Sulestino assentiu.

— Não se preocupe.

Após enfiar as mãos nos bolsos, Ayla dirigiu-se para fora do escritório. Ethel encarou Sulestino e se retirou, seguindo sua companheira.

Em silêncio, desceram as escadas de madeira passando pela serva de Sulestino que estava próxima à entrada. Assustada, a garota sequer encarou Ayla e Ethel nos olhos.

Ambas seguiram pela fazenda gramada, em direção as inúmeras casas de escravos que iam do 1 ao 20. Eram todas feitas de tijolos avermelhados. Elas empurraram a porta de madeira e se depararam com escravos babando, olhando para o nada.

No fundo, a criatura usando um véu estava com as mãos apoiadas na testa de dois escravos que não paravam de babar.

— Acabou? — indagou Ayla olhando para os dois lados.

A criatura de braços longos e corpo curvado abaixou as mãos. Seus olhos avermelhados brilharam por debaixo daquele véu.

— Tudo pronto, senhora.

— Ótimo. Deixe uma parte de você aqui, quero que fique de olho em Sulestino até os homens de Alexander pegarem estes escravos.

— Como queira, senhora.

Tlac!

A criatura estalou os dedos e os escravos despertaram de seu transe. Muitos estavam confusos, se perguntando o que havia acontecido nos últimos minutos. Eles não conseguiam ver a criatura.

Ayla e Ethel foram para fora da casa e começaram a se dirigir para as imediações da fazenda.

Ethel abriu o leque e começou a abanar seu rosto. — Não vai me contar o que fez? Pensei que fôssemos amigas.

Ayla a encarou com o canto dos olhos.

— Não exagere, só temos objetivos em comum.

— Você tem razão, mas mesmo assim, não acha que tenho direito de saber? Me manter informada é como manter meu pai informado. Não confia em mim?

— Não confio em você, muito menos em Jack Ubiytsy.

Ethel abriu um sorriso de canto.

— Vamos lá, não é como se eu fosse traí-la. Temos um objetivo em comum, esqueceu? Tomar Rontes é o caminho mais rápido para ajudar meu pai no oriente. Pense, não há sentido em trair você — Ela abriu um sorriso — Não agora.

Ayla franziu o cenho e continuou a encarando. O que ela disse fazia sentido, ambas precisavam uma da outra, pelo menos por hora.

— Meu pandoriano usou uma magia onírica. Implantou uma ideia na mente dos escravos através do subconsciente. Resumindo, pode demorar, mas eles convencerão as massas a se rebelarem contra Alexander, e acharão que a ideia partiu inteiramente deles.

Ethel olhou para trás e tornou a encarar a rainha.

— Aquela coisa é um pandoriano?

— Sim, é um verme do sonho, mais conhecido como demônio onírico. Ele costuma ser bem útil.

A Ubiytsy achava Ayla estranha desde que botou os olhos nela, mas dividir a alma com um verme do sonho foi a coisa mais esquisita que ela viu em anos. Eram criaturas difíceis de encontrar, sem falar que eram bastante perigosas.

— Enfraquecer Alexander de dentro é uma boa jogada, mas as coisas podem não acabar como planejado. O pontífice pode abafar qualquer sinal de fumaça dentro de seus portões.

Ayla a encarou enquanto esboçava um sorriso.

— Espere e verá. Agora tenho muito trabalho a fazer.

— E quanto a Colin, ele ainda não retornou?

— Não. Já faz alguns dias e nem sinal dele, mas pelo pouco que conheço do meu marido, está tudo bem.

Olhando para o céu encoberto por nuvens, o corpo de Ayla foi envolto por faíscas amarelas, e seus olhos ficaram lampejantes.

— A gente se vê, Ubiytsy.

Cabrum!

Como um flash amarelo, Ayla subiu aos céus e desapareceu em meio as nuvens.


Com o corpo exausto cheio de suor, Heilee, o experimento 33, havia dormido por poucas horas, passando a maioria do tempo correndo para onde Ibras havia indicado. Sua visão estava começando a ficar turva, e seus passos desengonçados, mas ela não desistiu.

Arfando e com as mãos nos joelhos, a visão de Heilee estava turva, pensou ter visto uma torre, mas sua visão lentamente voltava ao normal.

Aquilo não era uma torre, era um ciclope segurando um tacape. Sua invisibilidade havia chegado ao fim. Usando trapos tapando as genitálias, o enorme ciclope deu alguns passos a encarando.

— Humana? — Balbuciou — Comida?

“Droga!”

Ela se virou, tentou correr e seu corpo desabou na neve.

“Anda, levanta!” Seus braços tremelicavam “Vamos, Heilee, levanta!”

O enorme ciclope avançou em passos espaçados, erguendo a mão para pegá-la.

Crash!

Antes de tocá-la, a mão do ciclope foi decepada. A enorme criatura pareceu não sentir dor. Olhou para o sangue que esguichava de sua mão decepada e olhou para os dois lados procurando o autor do ataque.

— Eu disse a você que estávamos perto — disse Jane saindo detrás das árvores. Ela estava bem agasalhada, com roupas grossas e um cachecol passava por seu pescoço. Cruzou olhares com Heilee e abriu um sorriso de canto — Achamos você, ratinha.

— Mais comida! — O ciclope ergueu o tacape e desceu na direção de Jane, mas o tacape foi destruído antes de tocá-la.

Scrash!

— Desculpa, querido, mas não tenho tempo para perder com você. — Ela aproximou a mão direita frente aos lábios e assoprou a palma de sua mão. Nada aconteceu. O ciclope olhou para o toco que segurava em mãos e o jogou de lado, avançando na direção de Jane. Seus passos pesados tremiam o chão, mas eles ficavam mais lentos à medida que se aproximava dela.

Ao chegar a cinco metros de distância, o rosto do ciclope começou a borbulhar até que sua cabeça explodiu.

Splash!

O ciclope tombou e Heilee cruzou olhares com Jane. Valagorn saiu das árvores, também bem agasalhado.

A garota tentou se erguer novamente, mas foi em vão.

Ela estava exausta.

Seus olhos ficaram pesados e ela desmaiou.

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Olá, eu sou o Stuart Graciano!

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