Seis Dias após a festa de recepção.
Os últimos dias de Colin se resumiram a estudos e treino com alguns colegas de sala. Após dois dias de treino, ele conseguia usar a análise para conferir os status de outras pessoas, inclusive o seu próprio, então, vendeu o anel que roubou do velho no vilarejo de Safira, ganhando uma quantia humilde com a transação.
Apertando a fivela da mochila, Colin estava em seu quarto sentado em sua cama atrapalhada. Apesar de estar em outro mundo, ele não perdeu o costume de deixar seu quarto sempre bagunçado.
Ele trajava uma blusa de algodão branca, suas calças eram de pano preto, e seu par de botas era marrom.
Ao seu lado, estava um casaco preto feito de lã e com golas bastante altas. O casaco, tinha botões bastante grossos e dois bolsos internos. Após terminar de encher sua mochila colocando lá dentro algumas mudas de roupas, Colin moveu alguns livros no chão com os pés e se abaixou, olhando para debaixo da cama.
Esticou o braço e apanhou as duas presas de Bakurak que ele havia arrancado, amarradas juntas por uma corda.
Apanhando a corda com as presas com uma mão e a alça da mochila na outra, ele deixou o quarto rapidamente, caminhando direto para a sala de estar, onde, Kodogog e Stedd se encontravam jogando conversa fora.
— Não tá um pouco cedo? — perguntou Stedd sentado no sofá. Ele usava nada mais que um par de chinelos e um short.
— A caravana parte daqui a pouco, é melhor eu me apressar. — Colin focou seus olhos em Kodogog — Ei! Grandão, preciso de um favor.
— O que Kodogog pode fazer por um amigo? — indagou o Orc.
Se aproximando, Colin entregou as presas que eram enormes e nem um pouco leves. Colin ficou mais forte. Carregá-las foi um ofício bastante simples, como carregar uma sacola de frutas.
— Conhece algum bom ferreiro que consiga transformar isso em adagas ou espadas?
Kodogog cheirou as presas e depois passou a língua, fazendo que sim com a cabeça.
— Kodogog saber onde levar. Pode deixar com Kodogog!
Colin assentiu.
— Valeu, grandão, eu vou indo nessa.
— Nem um abraço? — zombou Stedd — Vai que você acabe morrendo, né?! Poderei me lembrar do último abraço que dei no encrenqueiro Colin antes dele ter a cabeça arrancada por um bandido.
— Até parece. — Colin girou a maçaneta e deixou o quarto, fechando a porta num baque enquanto ouvia a risada debochada de Stedd atrás dela.
Erguendo a cabeça, Colin avistou Brighid próxima às escadas.
Ela havia acabado de subir.
Eles não haviam se falado desde a festa, e Colin pensou que ela estava com raiva dele ou algo assim, optando não a incomodar, já que ele tinha ficado bastante ocupado nesses últimos dias com as aulas.
Brighid estava com o cabelo preso em um rabo de cavalo, usava shorts que iam um pouco para cima da metade das coxas e sua camisa era branca feita de algodão. Era uma camisa larga, quase se parecia um vestido. Em seus pés, estavam chinelos de couro amarelos.
Os dois, se encarando, engoliram o seco e Colin caminhou para próximo da escada, exibindo um sorriso.
— Tudo bem? — Ele Perguntou.
— Ah! Sim, e com você?
— Estou bem… o que traz você aqui no dormitório dos rapazes?
Brighid desviou o olhar e franziu os lábios.
— Safira me contou que vai fazer uma excursão de alguns dias — disse ela baixinho — Vim… dizer para você tomar cuidado…
— Eu sempre tomo.
Ela franziu o cenho.
— Não toma não! Anton acabou com você da última vez porque você foi imprudente. Eu não estarei lá com você para o curar… então… só toma cuidado, tá?
— Você se preocupa demais comigo, mas e você, decidiu lecionar na universidade ou o quê?
Eles começaram a descer os degraus ao lado do outro.
— Lecionar para esse monte de gente que me odeia? Prefiro passar por outra prova de seleção ou enfrentar mil Bakuraks do que ensinar algo para esse monte de nobre mimado.
Colin a encarava com um sorriso, e Brighid retribuía.
Ele estava com saudade de momentos como aquele, e ficou feliz que a relação entre eles continuava bastante saudável.
Após chegarem até o final da escadaria, eles cruzaram a recepção e o hall de entrada, indo direto para fora.
— Acho que é hora de ir. — disse Colin ajeitando a mochila nos ombros — É melhor você se cuidar também.
— Não precisa pedir, já sou cuidadosa por natureza.
Colin começou a se afastar a passos lentos, e Brighid chamou por ele mais uma vez.
Virando-se, Colin a encarou com os braços cruzados enquanto olhava para baixo. Mesmo que estivesse com os braços cruzados, ela estava tão vulnerável que Colin se recordou da festa dos calouros.
As memórias daquela noite sempre acabavam voltando. Ponderava se deveria ter tomado alguma atitude mais séria, mas depois daquele dia, ele passou a enxergar Brighid com outros olhos.
— O que foi? — Ele perguntou.
Brighid ainda demorou alguns segundos para responder, então, ergueu a cabeça encarando Colin nos olhos.
— Colin… preciso te confessar uma coisa… acho que tentei ter essa conversa com você na festa de recepção, mas eu estava um pouco bêbada, então…
“Entendi… aquela conversa…”
Nervosa, Brighid desviou o olhar e começou a encaracolar uma mecha do cabelo.
— Você perguntou da última vez se sinto algo por você… E-Eu não sabia direito o que estava sentindo, já que esse tipo de sentimento é bem raro entre as fadas… Então com os livros que lia, eu entendi um pouco a mim mesma…
A cada segundo que passava, o rubor em seu rosto ficava mais visível e ela encaracolava o cabelo cada vez mais rápido.
— Nesse tempo que a gente ficou sem se falar, eu dormia pensando em você, acordava pensando em você e… isso é engraçado, porque tenho 1374 anos e isso nunca aconteceu. — Ela olhou diretamente nos olhos dele — Acredito que você trouxe um brilho na minha vida que eu nunca tive, e-eu tive pensamentos com você q-que são um pouco… embaraçosos… Colin, acho que gosto de você, m-mas não é um gostar comum, é o tipo de gostar de querer estar com você, casar, ter filhos…
Apesar de suspeitar, ele ficou surpreso ao ouvir da boca dela.
Brighid sentiu medo de ser rejeitada. Se fosse, ela não saberia o que fazer, talvez passaria semanas sem vontade de fazer nada ou choraria escondida por dias, mas ela tinha que dizer isso, não aguentava mais segurar tudo que sentia.
Já Colin, também a amava, mas não sabia se a amava da mesma forma que ela o amava.
Ele precisava de tempo para digerir aquilo, afinal, eles eram amigos até então. O que acontecesse dali em diante seria novo para ambos, independente da resposta de Colin.
— Brighid… eu… também gosto de você, mas preciso pensar um pouco… Quando eu voltar, a gente conversa direito, pode ser? A gente senta e conversa com mais calma…
Brighid não conseguiu esconder o sorriso. Colin havia sido recíproco, apesar de pedir um tempo para pensar. Um enorme peso havia saído de suas costas e ela sentia borboletas no estômago.
— Tá… — disse ela com o dedo indicador apoiado no canto dos lábios — Te vejo daqui a alguns dias?
Aquele olhar de Brighid, aqueles gestos, os olhos brilhantes, o jeito, o corpo, começaram a mexer com Colin de uma forma que o assustou.
— Sim… se cuida Brighid…
A fada avançou alguns passos e o abraçou apertado.
— Se cuida… — ela sussurrou.
Colin sentiu o cheiro do cabelo, a pele macia, o calor do corpo e os seios dela sendo pressionados contra seu corpo. Ele aproveitou, passou uma das mãos pela cintura dela e com a outra mão acariciou aqueles cabelos esverdeados.
Brighid também sentiu o cheiro dele, os músculos e os braços fortes que passavam por sua cintura e afagavam seu cabelo.
Ela queria que aquilo durasse para sempre, mas Colin se afastou e apoiou uma das mãos no rosto macio dela. Eles estavam tão próximos que Brighid se sentiu nas novelas que lia.
Os olhos dela brilhavam e os lábios molhados estavam esperando o beijo que ela imaginava fazia dias.
Beijo!
Colin a beijou na testa e se afastou, deixando Brighid ali, o encarando, esperando algo mais, mas ele se virou de costas e deu um tchauzinho.
— Não se preocupa, vou me cuidar!
Colin se afastava enquanto Brighid continuava o encarando com um semblante inconfundível de apaixonada. Ela afastou uma mecha de cabelo e cerrou o punho sobre o peito.
Suspirou e notou que algumas pessoas estavam a encarando. Ela recuperou a postura e decidiu ir para o apartamento. Era dia de folga, pensou em fazer algo com Alunys ou Safira.
Colin poderia ter feito tantas coisas, mas nem mesmo ele sabia o que sentia de fato por Brighid. Suas experiências amorosas passadas foram todas um completo fracasso, e isso o traumatizou de alguma forma. Ele daria meia volta e conversaria com Brighid sobre tudo, mas sua cabeça tinha que se concentrar na missão.
Decidiu que resolveria tudo isso quando voltasse.
A caravana iria sair do castelo imperial e partiria rumo a um vilarejo que ficava a alguns dias de distância. O roteiro era simples, porém, havia boatos de bandidos à espreita em estradas e animais selvagens que apareciam vez ou outra.
Mesmo com todos estes contratempos, era uma viagem relativamente tranquila. Para a capital, não havia nada que um bando de estudantes não pudesse lhe dar.
Enquanto cruzava a universidade com a alça da mochila em um dos ombros, Colin notou que as pessoas reparavam nele. Ouvia alguns cochichos o chamando de maluco e alguns elogiando.
Uma coisa era certa, desde que enfrentou Anton, Colin passou a ser bastante visado. Ele atraia atenção, e essa atenção aumentou depois da festa de boas-vindas dos calouros.
A principal elite estudantil da universidade estava lá quando Anton se colocou na frente dele para brigar com Loafe, ou quando Stedd desafiou as guildas mais poderosas da universidade, todas de uma única vez.
Os rumores sobre Stedd não eram nada agradáveis, e isso se devia principalmente a um rumor bastante famoso, dizendo que Stedd assassinou um nobre. Houve investigações, mas elas nunca deram em nada, então, Stedd saiu como inocente deste empecilho, mas a relação das pessoas nunca foi a mesma em relação a ele, e Stedd nunca deu muita importância para isso.
Colin cruzou o mercado que vendia de tudo, até mesmo escravos e seguiu para uma área mais nobre com prédios de pedra se erguendo por uma rua estreita. Em cima dos prédios, haviam soldados com seus arcos observando Colin cruzar aquela rua com uma despreocupação divina.
Assim que ele passou a rua extensa, avistou, enfim, o gigantesco castelo imperial. Colin já achou ser grande, mas de perto parecia algo que só seria encontrado em fábulas fantasiosas.
Os muros eram altos, quase se perdia de vista. Haviam torres e as janelas eram pequenas. Havia também um número quase incalculável de canhoneiras em torres menores, sem contar o gigantesco número de guardas trajando armaduras reluzentes com o símbolo de um leão de três cabeças estampado no peitoril.
Carruagens passavam por Colin e um número gigantesco de soldados iam e vinham. Havia também vários trabalhadores que faziam quase o impossível para manter o castelo funcionando.
Logo a frente estava as caravanas. Camponeses as enchiam de trigo e diversos outros grãos. Os soldados não moviam um dedo para ajudar, apenas observavam em silêncio enquanto eles trabalhavam.
Alguns estudantes que iriam à excursão estavam jogando conversa fora. Muitos pareciam descontraídos, mas a grande maioria parecia bem tensa, justamente por ser a primeira vez deles em algo assim.
Kurth e Alunys estavam logo a frente.
Alunys acenou com o braço assim que viu Colin ao longe. Ela usava uma blusa interior preta bastante justa e um sobretudo da mesma cor que ia até um pouco abaixo da cintura. Sua calça era azulada e suas botas cobriam quase toda sua perna. Ela havia cortado seu cabelo, deixando-o na altura dos ombros.
Kurth estava usando um gibão marrom, calças de pano pretas e um sapato de couro que cobria todo seu calcanhar.
Assim que Colin se aproximou, eles se cumprimentaram com o olhar, e Colin notou que Alunys estava diferente, não era pelo cabelo, mas por sua feição. Ela parecia bem mais alegre, uma garota bastante diferente daquela da festa de recepção.
— E então… — disse Colin — Ansiosos?
— Um pouco… — respondeu Kurth — Isso é diferente de andar sem rumo por aí, a gente vai com uma caravana que parte direto do palácio imperial… me sinto até mesmo alguém importante.
— Eu soube que se a missão for bem sucedida — disse Alunys — Eles até pagam os alunos com algumas moedas. Se tivemos algum “imprevisto” durante a viagem, o pagamento pode ser bastante generoso.
— Bom… — Colin ajeitou a alça da mochila no ombro — Espero que seja algum imprevisto que a gente consiga dar conta.
— Mas a gente tá com você! — A expressão de felicidade genuína de Alunys era impagável — O senhor é um dos grandes destaques da universidade, e não está nem a 1 mês aqui!
— Sou um destaque? — Colin ergueu uma das sobrancelhas.
— Sim! — Alunys olhou em volta — Não vê?
Colin ergueu a cabeça e olhou em volta rapidamente. Os alunos, antes, nervosos, ficaram bastante aliviados ao ver que Colin iria à viagem.
— Eles estão mais seguros sabendo que o senhor vai à viagem. Todo mundo viu a prova de seleção, e as fofocas tem vida própria. Andando para cá, Kurth e eu notamos alguns olhares estranhos em nossa direção… acredito que as pessoas estavam com medo da gente…
“Isso é ótimo!” pensou Colin “Assim ninguém vai nos perturbar”.
Os guardas tocaram uma trombeta em formato de chifre que tinha um som bastante potente, e, pouco a pouco, as pessoas que iriam seguir viagem entraram nas carroças.
Tinha 5 carruagens ao todo, porém, eram carruagens bem grandes, puxadas por quatro cavalos cada. Colin e seus amigos adentraram a quarta carruagem se deparando com rostos familiares sentados em um canto.
— Não é possível… — disse Wiben boquiaberto vendo Colin o encarar na entrada da carruagem.
Sua namorada Samantha estava ao seu lado, mas ela nada disse, sequer olhou Colin nos olhos. Ela passou a mão por seu pulso e engoliu o seco. Samantha não só se sentia intimidada frente a ele, mas sentia um pavor quase primitivo, ainda mais depois de tudo que ele lhe disse.
Ignorando completamente Wiben, Colin se sentou do lado de Samantha, que começou a suar frio. Em seguida, Kurth sentou ao lado de Colin e Alunys ao lado de Kurth.
Os dois não tinham ideia da história que Colin tinha com Wiben, e Colin não se preocupou em dizer absolutamente nada.
Se a viagem fosse silenciosa, para ele estaria ótimo.
Colin colocou a mochila próxima a seus pés, cruzou os braços e fechou os olhos.
— Vou dormir um pouco, se virem algo interessante me acorde.
— Certo! — disse Kurth.
Um pouco distante da aglomeração, três pessoas saíam do escuro. Dois deles estavam usando capuzes e capas. Por baixo da capa, não havia nada mais que roupas comuns de camponeses e um saco de moedas que estava com o garoto.
— Pronto! — disse o filho do cozinheiro apontando o indicador para as caravanas — Estão ali! — Ele virou-se para a garota — Cumpra o seu acordo agora, princesa Liena.
O rapaz, pálido e de feições grosseiras, se abaixou fazendo biquinho em direção a Liena.
Tapa!
Apoiando a mão no rosto, ele tentou entender do porquê ela havia feito aquilo.
— Não sou uma garota qualquer para beijar um nada como você!
— O quê?! Mas e o nosso acordo? — ele encarou Loaus, que apenas deu de ombros.
— Eu a trouxe até aqui — disse Loaus — se ela não quis beijar você, então isso é problema seu.
Enfurecido, Billy Tony Tony agarrou o braço de Liena e tentou beijá-la a força, mas ela se desvencilhou o empurrando contra a parede.
— Se encostar em mim novamente, farei com que os guardas o esfolem vivo, porco nojento!
Cerrando os dentes, Billy Tony Tony ponderou socar Liena, mas Loaus se colocou na frente, apontando o dedo em seu rosto.
— Não encosta na minha irmã, ou eu mesmo dou um jeito em você! E há de você se contar que fugimos. Não se esqueça que você é cúmplice disso, então é melhor ficar de boca fechada se quiser manter seu pescoço bem onde está!
Billy bufou de ódio, mas começou a se afastar com passos tão pesados que pareciam trovoadas.
Pegando a mão um do outro, os dois tornaram a correr por aquele espaço cheio de guardas e cavalos transitando de um lado para o outro.
Era a primeira vez que pisavam fora do castelo daquela maneira.
O chão era de terra batida, e diferente dos doces aromas do castelo, aquele lugar fedia a mijo de cavalo e merda.
Eles avançaram ouvindo gargalhadas, xingamentos e palavras que eles nem sequer faziam ideia que existiam. Criados no castelo, o mundo lá fora era uma grande descoberta, embora eles ainda não estivessem completamente fora dele.
Seus olhos se perderam em tantos detalhes, tantas pessoas, cheiros, sons diferentes, foi como se estivessem no centro de um turbilhão de informações novas que seu cérebro estava demorando a processar.
— Vamos, Liena, temos que entrar em uma dessas carruagens e rápido.
Eles correram ainda mais rápido e abriram a porta da primeira carruagem que encontraram, praticamente se jogando nos assentos bem acolchoados. Os dois recuperaram o fôlego e levantaram os olhos para encarar as pessoas na carruagem, que para seu espanto, mantinham os olhos neles, exceto por um que parecia cochilar.
Os olhos deles se concentraram principalmente em Alunys, que era a mais diferente de todos eles. Mesmo que fosse indelicado, era tudo muito novo para os gêmeos, então, eles mantiveram seus olhos na mancha do lado direito do rosto dela, depois olharam seus olhos que eram esbranquiçados e por último focaram em suas orelhas pontudas.
— Um elfo?! — Liena deixou as palavras escaparem por seus lábios.
— Ah! Oi… — disse Alunys de maneira gentil.
— O-Oi! — cumprimentou Loaus, mal escondendo seu nervosismo.
Os gêmeos ficaram em silêncio e logo encararam depois Kurth e seus cabelos vermelhos. Havia lido em seus livros que o povo ruivo era originário das terras do sul.
Logo depois, miraram em Colin, e para eles ele era uma incógnita. Sua pele era morena como descrita nos livros que, a maioria das pessoas de pele escura descendiam dos elfos negros. Porém, suas orelhas não eram pontudas e mesmo para 1,85 de altura, eles ficaram um pouco decepcionados esperando que ele fosse bem mais alto, já que os elfos negros eram a raça mais alta dentre os elfos.
Aqueles dois mais ao canto não chamaram tanta atenção, pois se pareciam bastante com outros nobres que eles já conheceram pessoalmente.
Depois do estalo dos chicotes, a carruagem começou a se mexer.
Era a primeira vez que os gêmeos andavam de carruagem, então, se sentiram de um modo que era impossível explicar com palavras.
Eles ouviam o barulho das rodas, o trote dos cavalos e os estalos do chicote, tentando processar tudo de uma vez. Olharam pela janela e viam que lentamente a paisagem mudava, e seus corações palpitavam de empolgação a cada metro que se afastavam do castelo.
Por fim, depois de algum tempo, passaram pelos portões de saída da capital, se deparando com um pequeno campo de grama-baixa que começava a os cercar.
Os dois olhavam aquilo vislumbrados. Tentavam puxar da memória dos livros a descrição de cada inseto, animal ou planta que eles avistavam, ficando cada vez mais impressionados com o que seus olhos enxergavam.
Notando a reação estranha deles, Kurth ficou curioso.
— Vocês estão bem?
Recuperando a postura imediatamente, os dois fizeram que sim com a cabeça.
— Estamos, senhor…
— Kurth! Podem me chamar de Kurth,
— Ah! Sou… — Loaus inventou dois nomes rapidamente — Sou Lucius e essa Luciene!
— É um prazer! A primeira vez que deixam a capital?
— Ah… Sim, é a primeira vez de vocês também?
Kurth fez que não com a cabeça.
— Vim de um lugar bem longe, meus dois amigos aqui também — Ele apontou para Alunys e para Colin — A gente chegou na capital não tem muito tempo.
— Sério?! — perguntou Liena bastante empolgada — Pode contar para gente alguma história de viagem ou algo do tipo?
— Claro! Seria um prazer.
Longe da capital, as árvores se retorciam dentro de uma floresta que nem a luz do sol conseguia chegar. Suas árvores frondosas, cheias de folha seca, rangiam com cada açoitar de vento naquele lugar gelado, onde a névoa não permitia ver mais que um metro a frente.
Entrando mais a fundo, para dentro da penumbra que permeava a floresta, era possível ouvir um lamento, murmúrios de algo que parecia suplicar por ajuda. Esses murmúrios pareciam vir de dentro da terra. Indo mais a fundo, passando pela rigorosa camada de terra e areia, ouvia-se o mastigar de algo selvagem, mas não o mastigar qualquer. Algo pontiagudo rasgava carnes enquanto se ouvia gritos por toda extensão daquela caverna subterrânea.
Passos eram ouvidos mais ao fundo, e olhos vermelhos começavam a emergir da escuridão, mas antes que emergissem, ouvia-se o barulho de correntes se arrastando vagarosamente.
Uma fresta que vinha diretamente de um buraco no teto iluminou três pessoas com correntes no pescoço. Elas estavam completamente nuas, andavam de quatro e seus corpos quase anêmicos tinham diversas marcas de mordidas.
Dois deles eram homens e a outra era uma mulher. Todos os três estavam carecas. Suas mãos estavam quase em carne viva e seus joelhos estavam quase expondo os ossos.
— Você gosta de brincar disso, né? — perguntou um dos homens de pé logo atrás dos três acorrentados.
— E quem não gosta? Eles são patéticos. Fazem de tudo para viver, até mesmo escolher viver dessa forma humilhante. Humanos me dão nojo. Veja só! Você, pulguento do meio, lata três vezes.
Com a língua de fora, o humano do meio, que não parava de chorar, latiu três vezes.
— Au, Au, Au!
— Viu? Como eu disse, patético!
Revelando-se, os dois tinham orelhas pontudas e um tom de pele bastante pálido. Seus dentes caninos eram bastante expostos e suas unhas eram grandes o bastante para degolar um homem adulto num único golpe. O homem que segurava as correntes tinha cabelo preto e seu porte físico era bastante avantajado. O outro, tinha cabelo branco e era mais franzino.
— Eu soube que Nostradamus quer reunir o pessoal novamente. Desta vez é para terminar o que o chefe começou. — disse o vampiro de cabelo branco.
— Nostradamus é louco. Ele acredita que trará a noite eterna como o chefe fez há alguns séculos. Mesmo assim, o chefe falhou miseravelmente. Todos os grandes generais foram mortos e nós acabamos como um ninho de vampiros que tem alguém como Nostradamus como líder. Isso é bastante decadente para vampiros que já conquistaram todo o continente.
— Brincar com cachorrinhos te deixou burro? O chefe não enfrentou um homem comum, você sabe disso. E tenho certeza que o chefe o matou antes de morrer.
— Tem certeza? Eu soube que depois daquela batalha que mais pareceu uma guerra, o desgraçado sobreviveu e foi para a ilha das fadas.
O vampiro, de cabelo branco, parou por um momento e encarou o companheiro.
— Tem certeza do que está dizendo? Se contarmos pro Nostradamus, ele pode acabar querendo ir para lá.
— Para ilha das fadas? Ninguém sabe onde isso fica, e será mais divertido ver o que Nostradamus fará, não concorda?
Parando de se mover, o homem de cabelo prateado tomou as correntes da mão de seu companheiro e deu um puxão tão forte nelas, que arrancou a cabeça dos três humanos.
Crash!
Seus corpos caíram no chão sem vida, tendo espasmos involuntários enquanto sangue esguichava de seus pescoços rompidos. Ele largou as correntes e abriu um sorriso.
— É claro que concordo com você. Diferente do chefe, Nostradamus nos deixa matar à vontade. Soube que ele tem atacado vilarejos ao anoitecer. Captura mulheres virgens e crianças. A carne deles é bem mais macia de mastigar e o sangue é bem doce. O ninho está satisfeito com um líder como ele, e o melhor, você pode ter quantos cachorros quiser.
Olhando para os corpos que não mais se mexeram, o vampiro de cabelo preto apoiou uma das mãos na anca e exibiu sua abóbada dentária pontiaguda.
— O que estamos esperando?! Vamos logo, parceiro. Hora de o mundo começar a temer novamente o cair da verdadeira noite.