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O som das rodas da carruagem contra à terra batida, somado ao trote dos cavalos, não foram o suficiente para acordar Colin que, ao invés de um simples cochilo, acabou por adormecer profundamente.

Kurth havia zerado seu estoque de histórias aventureiras, sobrando somente aquelas tristes que o deixava com vontade de casa.

Os gêmeos estavam com os olhos brilhando, imaginando como tudo aquilo havia acontecido com Kurth e ele ainda continuava vivo. Ele foi a primeira pessoa que não era abastada que os gêmeos sentiram admiração.

De braços cruzados no canto, Wiben ouvia todas aquelas histórias em silêncio. Ele era um nobre e conhecia como os nobres agiam. No mínimo, ficou desconfiado dos gêmeos.

Não era somente seus trejeitos que os denunciavam, era praticamente tudo, exceto suas roupas.

A garota tinha o cabelo bem preto, o que já era bem estranho. Camponesas normalmente tinham o cabelo levemente ressecado, mas o cabelo dela era perfeito. O garoto, mesmo que suas roupas dissessem uma coisa, suas mãos lisas diziam outra. Aquelas eram as mãos de alguém que nunca havia sequer pegado em uma enxada na vida, e os cabelos do garoto, dividido ao meio, era tão escuro quanto o cabelo da irmã.

Acariciando o queixo, Wiben resolveu apenas continuar observando. Se eles fossem impostores, logo ele saberia.

O sol, lustroso sobre suas cabeças, já denunciava o horário. Após cavalgarem por meio-dia, as carruagens pararam. Saindo rapidamente da carruagem, os gêmeos começaram a correr, olhando em volta.

Não viam nada mais que árvores e mato de ambos os lados da estrada, mas acharam aquilo incrível.

O cocheiro desceu da carruagem e começou a acariciar o cavalo. Outro homem, um pouco mais velho, se aproximou com um balde d’água, colocando perto dos cavalos para que eles pudessem beber à vontade.

— Porque paramos? — perguntou Liena com seu tom autoritário.

O velho achou estranho, mas deu de ombros.

— Os cavalos precisam descansar, senhorita. Continuaremos a viagem em breve.

— Acho bom! — Ela se virou, indo em direção ao irmão que encarava formigas subirem o tronco de uma árvore.

— O que tem de interessante aí? — ela perguntou — São só formigas. A gente já viu formigas um milhão de vezes nos jardins do palácio.

Shhh! — Loaus apoiou o dedo indicador frente aos lábios.

Olhando para os dois lados, ele pegou na mão da irmã e se afastou um pouco das pessoas.

— Não diga essas coisas em voz alta! Quer que saibam que somos os filhos do imperador de Ultan? Trate as pessoas com mais respeito e seja menos… seja menos você.

— Ser menos eu? — perguntou Liena erguendo uma das sobrancelhas — Meu jeito não te agrada, é isso?

— Pelos Deuses, Liena, chega dos seus dramas sem sentido e se comporte como uma mulher camponesa comum.

Humpf! Voltarei para a carruagem, já que meu irmão parece não me querer por perto. Pelo menos Kurth parece ser uma companhia mais interessante, mesmo sendo um plebeu que não tem onde cair morto.

— Isso, vá falar com o sulista e não me enche.

— Vou mesmo!

Liena deu as costas e saiu furiosa, retornando para dentro da carruagem. Loaus pôde se concentrar nas formigas que subiam o tronco carregando folhas e outros insetos mortos.

Diferente de sua irmã, que enxergava a sociedade e seus súditos como uma grande colônia de formigas onde os operários serviam para obedecer a todas as vontades da rainha, Loaus tinha uma visão bastante díspar.

Seu pai usava de sua força para controlar a vontade das pessoas, e seu irmão mais velho tinha esta mesma visão. Loaus considerava aquilo bastante preocupante, pois, a vontade das pessoas era a verdadeira força motriz do império mais poderoso do continente, uma força que poderia ser quebrada facilmente se houvesse uma guerra civil de súditos insatisfeitos.

O império gozava de conselheiros e estatistas de renome, mas o imperador era praticamente um déspota. Sua vontade era absoluta e suas ordens eram leis. Mesmo sendo privado de muitas coisas em sua vida, Loaus sabia que seu pai era bastante temido por um único motivo. Afinal, só homens tolos ou cegos por seu ego não temeriam um camponês que se tornou imperador.

Mesmo com tudo isso, pelos corredores haviam partidários, nobres e até mesmo guardas que sussurravam pelas paredes de pedra que o imperador e seu império eram fajutos, uma mera ilusão. O imperador tinha ciência disso, e ele usava isso a seu favor.  Seu jogo, era manter seus amigos mais fiéis à distância de um abraço, e seus inimigos a distância de uma lança.

Loaus, por outro lado, não desejava ser temido por sua astúcia ou crueldade, ele desejava algo a mais. Eventualmente, com o passar inevitável do tempo, os reis deixariam suas coroas, os heróis, suas armas. Mas os grandes espíritos, onde a glória estava neles mesmos e não em coisas externas, levariam com eles sua grandeza, que perduraria por eras. Isso era o que Loaus almejava.

O cocheiro havia retornado para o assento, e Loaus se apressou para ir para dentro da caravana. Ele se sentou ao lado da irmã, que continuava com raiva, mas ele ignorou. Não era o momento de dar atenção aos mimos da irmã.

Após o agudo estalo no lombo do cavalo, a carruagem se moveu, indo para mais afundo na floresta densa.

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Os cavalos haviam seguido sem parar por mais algumas horas, até que, enfim, chegou o anoitecer. Eles haviam aberto caminho com foices e machados para dentro da floresta, erguendo um acampamento improvisado.

Acampar próximo à estrada em tempos de guerra era praticamente suicídio.

Havia uma grande fogueira mais a frente, com pessoas sentadas em volta dela contando histórias ou apenas quietas se aquecendo. Colin estava acordado, e como de costume, ele estava mais afastado do pessoal.

Acampar para ele trazia uma sensação nostálgica, e ele se lembrava da noite que matou o cocheiro e que Safira acabou matando um nobre. Foi lá que sua jornada se iniciou de verdade.

Sentado debaixo de uma árvore, ele comia um coelho assado enquanto observava a multidão um pouco ao longe. Ele havia dormido bastante, então resolveu ficar de vigia.

Carregando um copo d’água, o velho de antes, se aproximou de Colin com um sorriso e lhe ofereceu o copo.

— Porque não está com o pessoal? — perguntou ele — Está um pouco frio aqui, não acha?

Colin terminou de mastigar o coelho e sem que o velho percebesse, ele usou a análise, observando se o copo havia sido envenenado com alguma magia maléfica. Vendo estar tudo limpo, ele tomou a água com bastante vontade.

— Estou bem aqui, velho. Não precisa se preocupar.

O velho encarou o rosto sério de Colin e coçou a nuca.

— Me desculpe… é que você tem uma postura um pouco diferente do resto dos garotos, até parece que está acostumado com isso.

Colin deu de ombros.

— Passei por muita coisa, acampar no meio do mato seria a última coisa que me assustaria.

— Isso me conforta um pouco… Os homens do imperador não podem nos escoltar, então eles oferecem alunos inexperientes. Não estou reclamando, é que não passa muito bem a devida segurança, me intende? Ter alguém como você acalma os ânimos do pessoal.

— Alguém como eu?

— Sim, alguém acostumado a brandir uma espada.

O velho retirou o chapéu e sentou-se ao lado de Colin. Ele acariciou as rugas de sua testa e deu um suspiro.

— Quase já fui um guerreiro quando tinha sua idade. Brigar em bares ou em qualquer outro lugar atraía as moças. Foi assim que conheci, minha querida Mary.

Colin não estava nem um pouco interessado em ouvir a história de vida do velho, mas ele não tinha nada melhor para fazer durante o resto da noite. Então, resolveu dar uma chance para o velho e ouviu histórias sobre ele até que a maioria das pessoas adormecesse. O velho se retirou, bastante grato pela conversa, apesar de Coli não ter dito mais que dez frases.

Os gêmeos foram dormir nas caravanas, encantados com as histórias que ouviram sentados em volta da fogueira, ainda mais ansiosos pelo dia seguinte.

Kurth e Alunys dormiam no chão, usando suas mochilas como travesseiros. Porém, alguém além de Colin continuava acordado.

Wiben era o único sentado na fogueira que se resumia a uma tímida brasa, esculpindo um cavalo com sua adaga. Além do som de grilos e corujas, ouvia-se o som quase sorrateiro da lâmina de Wiben talhando a madeira.

Ambos olhavam para o outro, vez ou outra, mas nenhum deles dirigiu a palavra.

A noite levou mais algumas horas embora, e, quando Colin estava começando a cochilar, ele ouviu um graveto se quebrar depois de um pisão. Mesmo longe, Wiben estava atento ao seu redor e rapidamente girou a adaga em sua mão, lançando-a em direção a origem do som.

Woosh! Ting!

Somente se viu as faíscas da adaga sendo repelida enquanto iluminava a escuridão.

Naquele instante, pôde se ver vários homens na escuridão segurando machados, espadas, cimitarras e o homem no meio segurava um Montante — Um tipo de espada de duas mãos — Enquanto exibia seu sorriso despreocupado.

Eles se vestiam como salteadores nômades. Usavam botas grossas, armaduras feitas de couro, brincos de argolas feitos de ouro e braceletes ornados. A grande maioria deles era tatuada e tinha a barba bastante volumosa.

Caminhando com o montante no ombro, o líder deixou a escuridão junto a seus homens. Havia um total de vinte deles.

— Bom reflexo, garoto! — O líder exibiu seu sorriso dourado — Mas não é o suficiente para me atingir. Vocês deixaram um rastro e tanto lá atrás — Ele apontou com o queixo para o acampamento — Rapazes, peguem os suprimentos, o ouro e as mulheres. O que sobrar vocês podem matar.

Usando a análise, Colin notou que não havia um pingo sequer de magia neles, mas sim em suas armas. Isso explicava o porquê de ele ter rebatido a adaga de Wiben com uma espada tão pesada quanto àquela em seu ombro. Mesmo assim, ele rebateu uma adaga como aquela no escuro, apesar de humanos, eles eram bem ágeis.

Os alunos começaram a acordar um a um, se deparando com aquele grupo de homens segurando lâminas frente a eles.

O líder dos salteadores retirou a espada do ombro e a enfiou no chão.

Clang!

Uma barreira começou a cercar o acampamento, impedindo todos eles de fugirem. Um dos bandidos se aproximou sorridente em direção a um dos estudantes. O estudante ergueu as mãos e tentou conjurar alguma magia, mas não conseguiu, era como se ele não possuísse um pingo de mana. O bandido, de expressão grosseira e olhos sinistros, degolou o garoto em um só movimento.

Vush!

Observar a cabeça daquele garoto rolar pela relva foi uma visão bastante aterrorizante para um bando de novatos acostumados a treinos leves.

A confusão e gritaria acordaram todo o acampamento e, em instantes, se iniciou a matança.

Colin nunca havia ouvido falar em algo que conseguisse bloquear magia, então ele prestou mais atenção, e a arma do líder tinha uma pedra em seu punhal, uma pedra que se destacava do resto da espada.

“Aquela deve ser a fonte!”

Sem a magia, a maioria dos estudantes se tornava presa fácil. Colin havia lido recentemente que a árvore da pujança lhe dava atributos físicos passivos, ou seja, não dependiam da magia para funcionar, então, ele decidiu testar tal teoria enfrentando o líder de frente.

Na caravana, Liena acordava lentamente enquanto ouvia gritos, se perguntando o que estava acontecendo. Ela olhou pela janela e viu uma cena de terror. Bandidos matavam as pessoas, arrastavam sacos de comida e arrastavam também as garotas para o escuro. Ela não era estúpida, sabia muito bem o que aconteceria com ela se fosse pega.

— Loaus! — disse ela sacudindo o irmão — Acorda! Estamos sendo atacados!

Ainda letárgico, Loaus se levantou, tentando entender tudo que estava acontecendo. Ele se abaixou e arrastou sua irmã junto. Erguendo a mão, ele trancou a porta da carruagem e os dois ficaram abaixados, enquanto ouviam carne sendo rasgada e os gritos de desespero.

Colin observava tudo aquilo de mãos atadas. Ele logo se lembrou de Alunys e Kurth, que eram habilidosos em suas árvores, mas sem magia eles se tornavam um peso morto.

— Wiben! — berrou Colin — Tem outra adaga sobrando?

Ele tinha, mas não queria entregar para Colin.

— E se eu tiver?

— Me entregue, eu posso lutar contra eles!

Um dos homens se aproximou de Wiben com uma estocada. Ele se abaixou retirando uma adaga escondida no calcanhar de sua bota e a enfiou na virilha de seu oponente que arregalou os olhos surpreso com aquele movimento, mas ele não teve tempo de ter outra reação. Wiben subiu bem rápido, rasgando-o da virilha até a garganta.

O bandido cambaleou com a mão no pescoço e Wiben apanhou a cimitarra de suas mãos molengas antes de ele desabar.

— Aqui! Toma! — Wiben lançou a cimitarra na mão de Colin.

O mais surpreendente de tudo aquilo era sem dúvidas Wiben. Colin não acreditou que ele fosse grande coisa, mas ele se mostrou bastante útil naquele momento.

— Wiben! — berrou Colin — Consegue dar conta dos bandidos?

Outro bandido se aproximou de Wiben por trás. Girando sobre o calcanhar, ele cortou a garganta do bandido e o empurrou com o pé no que sobrou da fogueira.

— O que acha?

“Ele é rápido!”

— Ótimo, o grandão é meu!

Do outro lado do acampamento, Alunys e Kurth estavam cercados por um grupo de três homens. Os bandidos encaravam os dois com aqueles olhos sinistros.

Alunys sentiu um arrepio na espinha ao encará-los diretamente.

Um dos bandidos girou a corrente e antes que pudesse atingir Kurth no pescoço, ele conseguiu se antecipar colocando o braço na frente. O bandido o puxou para perto com um repelão e socou Kurth no estômago. Sem magia, ele se tornava só um garoto comum.

— Kurth! — Alunys se desesperou.
O garoto tentou se recompor, mas fora nocauteado com um brutal pontapé no rosto.

Girando a corrente, o bandido conseguiu agarrar a Elfa pelo pescoço e a arrastou até ele, a socando com toda a força bem no abdômen.

Bam!

De joelhos, Alunys caiu e golfou tudo que comeu no jantar.

Erguendo-a pelo cabelo, um dos bandidos cerrou o punho e golpeou a Elfa com tudo no rosto, deixando-a desacordada, quebrando até mesmo seus óculos redondos no meio.

— Matem o garoto! — disse o bandido que nocauteou Alunys, colocando-a no ombro.

Outro bandido, um pouco mais baixo que os outros, ficou por cima de Kurth e ergueu a espada no alto se preparando para uma estocada.

Antes que pudesse se dar conta, um objeto veio zunindo da escuridão, atravessando o pescoço do bandido. Desnorteado e tentando entender o que havia acontecido, o bandido tentou tirar a lança de seu pescoço, mas a vida se esvaiu de seus olhos antes que realizasse o ato.

Pasmos com aquele movimento, os dois bandidos olharam para trás, vendo uma mulher loura caminhar para próximo do bandido morto, arrancando a lança de seu corpo falecido.

— Quem é você? — perguntou o bandido com fúria, jogando o corpo de Alunys de lado e desembainhando seu alfange.

— Apenas uma estudante! — Ela fez uma pausa os encarando com o cenho franzido — Saiam de perto do garoto, ou sofram as consequências!

Os bandidos começaram a cercar enquanto ela estava parada, encarando-os a rodearem com o canto de olho.

— Vamos deixá-la viva, quero ver essa marra toda depois que estiver amarrada e nua no quarto do meu pessoal hehehe!

Com uma adaga em mãos, o bandido tentou atingi-la no flanco direito, mas ela se defendeu com a ponta da lança.

Ting!

Pulando para trás, o bandido retirou outra adaga escondida dentro de seu paletó e a lançou em direção de Samantha, que já havia lido aquele golpe antes de seu oponente realizá-lo. Inclinando o pescoço para o lado, ela se desviou da adaga e a apanhou pelo cabo enquanto ainda estava em movimento. Com um giro, ela dobrou a velocidade e força do lançamento do projétil, cravando-o no crânio do outro bandido que se aproximava por trás dela.

Crash!

— O quê? Como? — perguntou o bandido descrente com o que acabou de presenciar. Aqueles não eram movimentos comuns. Ele entenderia se ela estivesse usando magia, mas não estava.

— Eu disse que haveriam consequências!

Samantha apoiou a lança debaixo do braço e a girou sobre o eixo do ombro e com um giro completo sobre o calcanhar lançou a lança diretamente no abdômen de um bandido, que havia se perdido em meio a tantos movimentos.

Pruft!

Com os joelhos tocando o chão, o bandido tentava entender o que havia acontecido, mas morreu momentos depois, engasgado com o próprio sangue.

Correndo até Kurth, Samantha se agachou, conferindo a pulsação dele.

Ainda estava vivo.

Logo depois, foi a vez de Alunys. A Elfa estava com o nariz sangrando em demasia, e após tossir, ela despertou, assustando-se com Samantha em cima dela.

Sem os óculos, ela não enxergava tão bem, então tentou se desvencilhar rapidamente de sua salvadora dando-lhe tapas e socos.

— Ei! Garota! Se acalme! Sou eu, Samantha, sua companheira de viagem!

Alunys forçou as vistas e conseguiu reconhecê-la. Sua mente se lembrou de Kurth e logo depois Colin veio em sua mente.

— Kurth, Colin, eles estão bem? Você tem que ajudá-los!

Samantha segurou a mão de Alunys para tranquilizá-la.

— Kurth vai ficar bem e seu amigo Colin está lutando contra o líder deles agora. Não se preocupa, Wiben tá com ele, eles vão dar um jeito nisso.

Alunys ergueu a cabeça, fitando todos os três bandidos mortos no chão. Era meio difícil de acreditar que alguém como Samantha havia feito aquilo sozinha, mas Alunys não duvidou, afinal, Samantha era filha do comandante Leerstrom, braço direito do próprio imperador.

Olá, eu sou o Stuart Graciano!

Olá, eu sou o Stuart Graciano!

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