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Na cidade-prisão, um bastião de desolação cravado no coração do inverno, as sentinelas marchavam, suas armaduras de pedra anti-magia desafiando a mordida do frio.

A neve, caindo em um silêncio quase sagrado, tecia um véu alvo sobre as muralhas imponentes e os telhados que se escondiam sob a sombra da opressão.

Nos corredores estreitos e sinuosos, figuras encapuzadas vagavam, os prisioneiros em trapos esfarrapados, cada sopro de vento gelado uma lâmina cortante contra a pele. Eles tremiam, não apenas pelo frio, mas pelo medo, enquanto os mais fortes impunham sua vontade, transformando o lugar em um calabouço de desespero e violência.

Neste caldeirão de caos, homens e mulheres compartilhavam igualmente o fardo do cativeiro. As prisioneiras, vulneráveis e desprotegidas, enfrentavam horrores que iam além do físico, suportando a crueldade de seus algozes com uma força que desafiava a própria natureza daquele lugar maldito.

Em uma cela esquecida, onde a luz hesitava em tocar, Morgana jazia acorrentada.

As correntes enferrujadas mordiam sua carne, e as lanças cravadas em suas costas eram testemunhas mudas da brutalidade sofrida. Uma focinheira de ferro selava seus lábios, sufocando seus lamentos.

A vampira, outrora uma visão de poder e orgulho, agora era uma sombra de si mesma. Seu corpo, definido pela fome e pelo cansaço, e seus cabelos, uma vez símbolo de sua beleza, agora pendiam em desalinho, ocultando os olhos que ainda ardiam com o fogo de uma dignidade inquebrantável.

Na penumbra, um homem atarracado, de aparência horrenda, estava absorto em sua mesa, onde um arsenal de ferramentas de tortura estava disposto de maneira sinistra.

Seu rosto, marcado por cicatrizes e uma expressão cruel, parecia iluminar-se com uma satisfação mórbida ao contemplar os instrumentos. Gotas de saliva escorriam pelos cantos da sua boca, dando a ele uma aparência ainda mais repugnante.

O homem atarracado pegou um alicate com as mãos ásperas, enquanto um sorriso sádico se formava em seus lábios.

 Antes que pudesse mergulhar na sua cruel arte, a porta rangeu em protesto antes de ceder, revelando a figura imponente do diretor Yenerack. Seus passos ressoavam com autoridade enquanto ele adentrava a câmara sombria.

O carrasco, surpreendido pela súbita aparição, deixou cair o alicate com um clangor metálico e curvou-se num arco exagerado. O sorriso cruel que antes deformava seu rosto agora dava lugar a uma máscara de obediência servil.

Yenerack lançou um olhar desdenhoso sobre o torturador, sua atenção rapidamente capturada pela figura acorrentada no centro da sala. Morgana, a vampira de orgulho feroz, estava imóvel, mas seus olhos ardiam com uma chama indomável.

— Ela ainda não falou? — inquiriu Yenerack, sua voz tão fria quanto o aço de sua espada.

— Não, senhor… — gaguejou o carrasco, suas mãos trêmulas enquanto removia a focinheira que silenciava a prisioneira.

Com um estalo seco, Morgana foi libertada da mordaça, e seus olhos se abriram com a força do impacto. Yenerack se inclinou para frente, a proximidade forçada entre predador e presa.

— Onde está Brighid? — exigiu ele. — Poderíamos terminar com este jogo agora mesmo.

Um sorriso selvagem e desafiador se desenhou nos lábios dela. — Com meus dentes posso fazer você implorar por misericórdia, homenzinho.

Yenerack recuou um passo, seu olhar avaliador circulando a figura da vampira. — Os rumores sobre sua espécie não mentiam. Resilientes, obstinados… — Ele fez uma pausa, o desdém tingindo suas palavras. — O tolo que te trouxe aqui tinha uma missão simples: capturar Brighid. E, no entanto, trouxe você…

Morgana soltou uma risada abafada, seu tom zombeteiro ecoando nas paredes de pedra. — Parece que alguém foi enganado.

Yenerack franziu o cenho, a irritação clara em sua expressão. — Sim… até uma criatura como você percebeu. Confiei em uma serpente, e agora ele rastejou de volta para sabe-se lá onde.

Com um estalo seco, a porta se escancarou, e um novo personagem entrou em cena, quebrando a tensão da câmara de tormentos.

Era um mensageiro, sua respiração ofegante denunciando a urgência de sua missiva.

— Senhor, as novas sobre Brighid… — começou ele, interrompido pela impaciência de Yenerack.

— Fale logo, homem! — ordenou o diretor, sua voz um trovão em meio ao silêncio.

O mensageiro engoliu em seco, a gravidade da informação pesando em sua língua. — Ela foi vista em Runyra, acompanhada de Ayla… e os rumores são de que Colin retornou.

Um silêncio sepulcral tomou conta do ambiente, quebrado apenas pela risada descontrolada de Morgana. Sua voz, tingida de loucura e triunfo, ressoou pelas paredes de pedra.

— Ah, homenzinho, parece que o jogo virou contra você. Se Colin está com Brighid, suas chances de colocar as mãos nela são nulas… — zombou ela, um sorriso cruel distorcendo seus lábios pálidos.

Yenerack, contudo, permaneceu impassível, sua decisão já tomada.

— Levem-na para a cidade. A partir de amanhã, ela será mais uma entre os miseráveis. — Sua voz era fria, desprovida de qualquer traço de humanidade enquanto se aproximava da vampira acorrentada. — Nesse seu estado você será presa fácil para os monstros que habitam aquele lugar.

Os soldados, como uma maré de ferro, invadiram a sala, suas mãos firmes enquanto prendiam Morgana com novas correntes.

O torturador, com uma coleira de cristais anti-magia em mãos, aproximou-se com cautela. Mas Morgana, em um ato de fúria selvagem, lançou-se contra ele, seus dentes afiados encontrando carne e sangue, um grito de dor e horror invadindo o ar.

— Meu rosto, meu rosto! — gritou o homem, enquanto caía ao chão, sua agonia ecoando pelo espaço confinado.

Os soldados agiram rapidamente, imobilizando a vampira e forçando a coleira em seu pescoço, arrastando-a para fora enquanto ela ainda saboreava o gosto do sangue.

— Lembre-se, vampira, quando estiver nas ruas, à mercê dos depravados, foi minha mão que selou seu destino. — Yenerack lançou-lhe um sorriso cruel, mas Morgana devolveu-o com igual veneno.

— Senhor… — começou o mensageiro, hesitante.

— Coen me traiu! — Yenerack explodiu, a fúria ardendo em seus olhos. — Aquele verme me fez perder tempo!

— E quanto a Ayla, senhor? Ela controla o Norte… Será uma questão de tempo até nos encontrar?

Yenerack, contudo, manteve-se confiante, um sorriso desdenhoso surgindo em seus lábios. — E o que ela poderá fazer? Estamos no extremo norte, onde o frio é o menor dos problemas. Ela terá que atravessar terras onde a mana é inútil, enfrentar criaturas que nem mesmo os pesadelos ousam conjurar. Não, não se preocupe. Estaremos seguros aqui.


Envolta em farrapos, Morgana foi arrastada pelos corredores sombrios da instalação, longe da opulência da sala do diretor, no edifício mais suntuoso daquela metrópole decadente.

Com tesouras, os guardas retalharam seus cabelos outrora longos, deixando-a com uma cabeleira espetada e irregular, quase à pele.

Descendo pelo elevador que rangia a cada movimento, eles emergiram em um mundo coberto por um manto de neve implacável. Botas robustas pisoteavam o gelo, enquanto Morgana, descalça, deixava pegadas rubras na alvura imaculada.

A multidão se afastava, formando um corredor para a procissão macabra.

Olhares de pena e desdém acompanhavam a figura esquálida e ensanguentada da vampira. Entre os prisioneiros, uns salivavam com um desejo predatório, enquanto outros murmuravam apostas sórdidas, conjecturando a qual dos três temíveis senhores da prisão ela seria cadela.

Arrastada até um bairro marginal, onde as moradias eram montagens precárias de alumínio e chapas de ferro, ela foi lançada para dentro de uma cabana que mal se sustentava. Um soldado, com um gesto brusco, arremessou um feixe de roupas surradas em seu rosto.

— Escute bem, desgraçada — rosnou ele, com um olhar que varria o interior desolado da cabana. — As regras aqui são simples. Você vai despertar ao toque da sexta hora, marchar para as minas e lá suar até o retorno da sexta hora vespertina. Terá direito a um breve repouso ao meio-dia. Em troca, receberá cartões que poderá trocar por bebida, alimento, vestimenta e quinquilharias para adornar esta espelunca.

Seus olhos frios fixaram-se em Morgana.

— Se cogitar romper sua coleira, seremos alertados. Uma descarga elétrica vai te subjugar, e acredite em mim, não desejará que saibamos que tentou. O sol jamais beija este solo; que sorte a sua. Acomode-se, esta é a sua nova realidade.

O Soldado deu uma piscadela para Morgana e saiu da residência, batendo a porta de ferro.

Bam!

A vampira jazia no chão frio, um suspiro escapando de seus lábios enquanto ela se contorcia, tossindo. Levantou o olhar e notou as estantes de metal, repletas de tomos encadernados em couro e pergaminhos amarelados pelo tempo.

Algumas prateleiras exibiam peças de máquinas antigas, engrenagens e objetos industriais que se transformaram em curiosas obras de arte.

Um lustre enferrujado pendia do teto, emitindo uma luz tênue que criava sombras intrigantes nas superfícies metálicas ao redor.

No centro da sala, encontrava-se um sofá precário, sua estrutura de metal visivelmente desgastada, e uma tapeçaria gasta e puída cobrindo os assentos.

A área de jantar consistia em uma mesa de metal reaproveitado, cercada por cadeiras desparelhadas, cada uma com sua própria história e aparência singular. Talheres antigos e pratos de estanho completavam a mesa.

Uma voz trêmula rompeu o silêncio. — Você… está bem? — perguntou uma figura escondida nas sombras.

Morgana ergueu uma sobrancelha, seu olhar carregado de sarcasmo. — O que acha?

Emergindo das sombras, uma jovem de pele negra e cachos selvagens aproximou-se, envolvendo Morgana em um cobertor grosso. — Você está congelando!

Morgana esboçou um sorriso torto. — Prefiro o frio ao calor…

A jovem estendeu a mão, ajudando-a a se levantar. — Há um caldo no fogo. Aceita?

— Comida… humana? — Morgana hesitou, mas a fome falou mais alto. — Sim, aceito.

A garota desapareceu por um momento e retornou com um prato rústico cheio de um caldo fumegante, que entregou à vampira.

— Desculpe, é o melhor que posso oferecer com os cartões que tenho…

Morgana sorveu a sopa em um único gole, deixando a jovem boquiaberta. — Já acabou?

— Mais! — exigiu Morgana, estendendo o prato vazio.


A panela de sopa foi esvaziada em questão de minutos, um feito que deixou a garota boquiaberta. Nunca antes ela testemunhara tal voracidade.

— Você tem um apetite feroz, não é? — comentou, uma sobrancelha arqueada em curiosidade.

Morgana limpou a boca com o dorso da mão, um sorriso satisfeito nos lábios. — Normalmente prefiro carne crua, mas eu não comia há dias, estava ótimo, obrigada!

A garota coçou a nuca, desconcertada com a formalidade inesperada. — Ah, não foi nada…

Houve um breve silêncio antes que Morgana o quebrasse. — Como te chamam?

— Eriphre — respondeu ela, com um leve aceno. — E você, qual é seu nome?

— Morgana! Você é uma Elfa negra? Pensei que fossem mais altos.

Eriphre agitou as mãos, negando. — Não, sou de Caliman. As terras altas são meu lar.

— Entendi… está um pouco longe de casa.

— É uma longa história… — disse coçando a nuca. — E você, veio de qual distrito?

— Distrito?

— É… do jeito que chegou aqui, pensei que tivesse irritado alguém de lá…

Morgana fez que não com a cabeça e apoiou o indicador nos lábios, pensativa.

— Acho que eu estava em uma torre, aquele velho, Yenerack, ele vinha me fazer algumas perguntas às vezes.

Os olhos dela quase saltaram.

— Se-sério? O diretor? Puxa… você deve ser importante mesmo… Eles jogam normalmente os novatos em alojamentos aleatórios, se você tivesse caído no alojamento de alguém do Somlec, eles poderiam ter feito mal a você… — ela desviou o olhar, como quem quisesse afastar memórias ruins.

— Somlec? — Morgana franziu o cenho.

— O rei desse distrito… existem outros grupos, mas o dele é o maior… se não quiser problemas, devia pagar a eles algumas taxas para te deixarem em paz.

Morgana cruzou os braços e assentiu. — Essas taxas são os cartões, né? É isso que você faz?

Eriphre desviou o olhar, um vislumbre de pesar em seus olhos.

— Não sou forte… é isso que a maioria de nós faz… os guardas não ligam se outros internos te agredirem ou abusarem de você… eles só querem os cristais minerados, apenas isso… então é mais fácil assim para evitar problemas…

Sorridente, ela estendeu o polegar para a garota.

— Amanhã a gente vai atrás desse Somlec e daremos uma surra nele!

— … Quê?! Tem milhares de pessoas trabalhando para ele, além disso, ele é um Monarca da pujança… mesmo os cristais inibindo a mana, ele ainda é bem forte…

Ela abriu um sorriso, empolgada.

— Sério?! — Então Morgana olhou para suas mãos magricelas… — Talvez eu precise de tempo… não importa, acho que a gente vai se dar bem!

“Essa mulher é estranha…”, pensou Eriphre.

— Não faz muito tempo, eu tive uma irmã. A gente não era irmã de verdade, mas cuidávamos uma da outra. Ela era bonita, inteligente e muito forte. — Um sorriso desenhou os lábios dela. — Ela estava grávida, sabia? E sabe o mais engraçado, a gente ama o mesmo homem…

— …

— Só quero dizer que vou te considerar como uma irmãzinha por ter me dado sopa. — A vampira abriu um sorriso genuíno. — Será minha forma de agradecer.

“Ela é mesmo estranha, mas de um jeito bom…”

— Tá! — disse a Calimaniana empolgada.

— Agora vai, me conta tudo sobre esse lugar!

— Certo!

Nota autor: Artezinha da Morgana pra vocês feita pelo: https://www.instagram.com/h4rt.z/

morgana
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