Em um recanto sereno, escondido entre colinas suaves e campos vastos, jaz um vilarejo de tranquilidade intocável. As casas, feitas de madeira e pedra, dispõem-se harmoniosamente, cercadas por jardins floridos e caminhos de terra que entrelaçam o lugar como veias cheias de vida.
Ao longe, o som melódico de um riacho complementava a paz que permeava o ar.
Os habitantes do vilarejo, um povo simples e trabalhador, dedicavam-se às tarefas do dia a dia com uma rotina quase cerimonial. Homens e mulheres, de rostos marcados pelo sol e mãos calejadas pelo trabalho, lavravam a terra com cuidado, plantando as sementes que garantiriam sua subsistência.
Crianças corriam pelos campos, rindo e brincando, alheias às preocupações do mundo adulto.
Nas ruas estreitas, mulheres conversavam animadamente enquanto estendiam roupas coloridas nos varais, as peças balançando suavemente com a brisa.
Outros moradores caminhavam calmamente, cumprimentando-se com sorrisos e acenos, numa demonstração de uma comunidade unida e pacífica.
Subitamente, a harmonia foi quebrada por um som estrondoso, uma explosão que ecoou vindoura do coração da floresta próxima.
Boom!
Um silêncio abafado caiu sobre o vilarejo, enquanto todos voltaram seus olhares na direção do barulho.
— Mamãe, o que foi isso? — indagou um garoto.
— Eu não sei, vamos entrar, rápido!
Da densa névoa de fumaça no meio da floresta, surgiam figuras sinistras: Elfos Negros, com peles de tons escuros e olhares carregados de malícia e sede de destruição.
Vestidos em armaduras negras que pareciam absorver a luz ao redor, avançaram, suas armas brilhando com a promessa de carnificina.
— São Elfos Negros!
O pânico se instalou no vilarejo.
Pessoas começaram a correr em todas as direções, tentando desesperadamente encontrar refúgio ou uma saída para escapar do perigo.
Gritos de medo e confusão preenchem o ar, rompendo a paz que antes reinava.
Os Elfos Negros, impiedosos, avançam sobre o vilarejo, suas espadas e feitiços deixando um rastro de destruição e morte.
Era uma vila pacata, portanto, cada confronto foi breve, cada resistência, inútil.
Eles moviam-se com propósito, ceifando a vida de qualquer um que ousasse se colocar em seu caminho, nem mesmo as crianças estavam imunes à sua violência.
No âmago do caos, em meio à devastação forjada por seus guerreiros, Ghindrion, o comandante da ofensiva, se mantinha firme, sua presença destacando-se contra o horizonte de chamas.
Seus olhos varriam a cena diante de si: corpos espalhados sem ordem, vidas apagadas sem hesitação no solo outrora pacífico do vilarejo. Mulheres e crianças estavam entre os mortos, vítimas de uma causa que apenas ele compreendia inteiramente.
Um turbilhão de memórias tomou conta de sua mente ao observar o cenário de desolação. Lembranças de massacres antigos, cometidos por sua raça em séculos passados, voltaram à tona, e o déjà vu o assaltava com uma dor amarga.
As cenas do presente e do passado se misturavam em sua consciência, revisitando uma parte esquecida e oculta de si: a culpa.
— Sinto muito… — murmurou.
Por mais que essas palavras ressoassem em seu íntimo, Ghindrion sabia que não podia permitir que dúvidas ou arrependimentos tomassem conta de seu coração.
A segurança de Morwyna justificava, em sua mente, qualquer ato, por mais cruel que fosse.
Ele havia assumido a missão e cumpriria seu propósito, independentemente do preço a ser pago.
Enquanto observava a carnificina, Miogve, um de seus mais leais soldados, emergiu das sombras, ajustando sua calça de maneira descuidada.
O Elfo Negro, com a cabeça calva e pele azulada, era conhecido por sua lealdade feroz, um guerreiro cujo poder sustentava a ascensão de Milveg ao trono séculos antes. Atrás dele, uma jovem sobrevivente, assustada e tremendo, permanecia encolhida num canto, os trapos que vestia mal ocultando sua figura vulnerável.
— Eu disse ao seu tio, há séculos, que devíamos conquistar todo o continente — disse Miogve com um sorriso sinistro. — Mas seu pai escolheu a neutralidade. Agora, um mestiço está prestes a dominar o Leste e o continente. Esse deveria ter sido o nosso destino.
— …
— Por que não experimenta uma humana, garoto? — Ele lambeu os beiços. — Continuam deliciosas, mesmo sendo de uma raça inferior.
— Diga para os outros que vamos partir.
Antes que Ghidrion desse as costas, Miogve o parou apoiando a mão em seu ombro. — Ei, garoto, não provoque os rapazes, deixe que eles aproveitem.
Ghidrion afastou a mão de Miogve.
— Meu pai me nomeou o líder da invasão.
— Hehe! Você não é o seu pai, todos sabem que ele odeia você e sua irmã. Se tem o desprezo de Milveg, então tem o nosso. — O semblante dele ficou sério. — Vamos aonde você quiser, mas no nosso tempo, pirralho.
Outros Elfos negros estavam próximos, encarando o príncipe com desprezo.
— Sabe o que seu pai me prometeu? — zombou Miogve. — A bela Morwyna. Ele disse que eu poderia ser o primeiro.
Os punhos do príncipe cerraram de raiva.
— Muito bem, quando os rapazes quiserem ir, eu aviso.
— Miogve! — chamou outro Elfo próximo a um grupo de mulheres e crianças. — Olha só o que achei!
Sorrindo, ele foi até os civis, que ficaram ainda mais assustados ao vê-lo.
— Parece que o líder dessa vila as escondeu, mas não tão bem. — Os Elfos gargalharam. — Aquela ali — apontou para uma mulher abraçando uma criança. — É a mulher do chefe da vila.
Miogve alisou o queixo.
— E onde ele está?
— Provavelmente morto. — Eles gargalharam ainda mais alto.
— Muito bem, podem aproveitar. Vamos levar as mulheres conosco caso os rapazes precisem desestressar, e matem as crianças, não precisamos delas.
A multidão ficou em pânico quando um dos Elfos puxou a mulher pelos cabelos e a jogou no chão. O garoto tentou ir até a mãe, mas foi golpeado com um pontapé, desmaiando.
— Meu filho! O meu filho!
Bam!
Ela recebeu um brutal soco no estômago, golfando.
— Calada! — disse um dos Elfos enquanto rasgava as roupas dela.
Swin!
Poucos deles notaram a mão do Elfo seu decepada, nem o próprio Elfo percebeu.
— Miogve! — a voz de Ghidrion cortou o ar com uma autoridade que surpreendeu até os próprios elfos que o subestimavam.
O príncipe dos elfos negros avançou, impondo-se entre Miogve e a humanas. Seu olhar era um desafio direto aos seus subordinados.
— O que pensa que está fazendo? — Miogve rosnou, sua expressão de divertimento desaparecendo, substituída por uma fúria surpresa.
— Liderando. — Ghidrion respondeu, sem vacilar. — Não me importo se nenhum de vocês me respeita, ainda sou o líder dessa invasão. E enquanto eu liderar, não vamos desonrar-nos com atos de crueldade desnecessária.
Houve um momento de silêncio chocado entre os elfos negros, enquanto avaliavam a determinação no rosto jovem do príncipe.
Até mesmo Miogve pareceu temporariamente sem palavras.
— E o que propõe então, oh, grande líder? — Miogve finalmente cuspiu, a zombaria pingando de cada palavra.
— Nos matamos o líder deles, já chega. — Ghidrion olhou para os humanos assustados, depois de volta para seus elfos. Não somos selvagens. E não tolerarei desobediência.
A sugestão foi recebida com murmúrios entre os elfos. Miogve olhou em volta, vendo a raiva crescente em seus companheiros elfos, e então de volta para Ghidrion, com uma nova avaliação.
— Muito bem, príncipe — disse ele. — Vamos ver como sua liderança se desenrola. Mas lembre-se, as consequências também serão suas para suportar.
— Vamos mesmo seguir as ordens dele? — cuspiu o Elfo com a mão decepada, que lentamente era reconstituída. — O que foi? Todos sabem que ele preferia pintar do que usar uma espada.
— O pirralho não passa de uma menininha — zombou outro Elfo. — Deve ter se deitado com mais homens que a vadia da mãe!
Boom!
Ouviu-se uma grande explosão com a arrancada do príncipe, e aos poucos, a poeira começou a desfazer-se.
Ghidrion sacando a espada, a banhou com mana e avançou em uma velocidade que nenhum dos Elfos conseguiu acompanhar, mirando na garganta do Elfo que zombou de sua mãe.
— Você é rápido, garoto.
Miogve, com a espada do príncipe em mãos e o sangue escorrendo pelo seu punho fechado, olhava diretamente nos olhos inflamados de Ghidrion.
Ele havia se colocado entre o Elfo e o príncipe.
Havia um silêncio tenso, quebrado apenas pelo som do vento entre as árvores e o murmúrio dos humanos apreensivos ao fundo.
— Controle-se, Ghidrion. — A voz de Miogve era dura, mas carregava um respeito relutante. — Sua raiva é justa, mas sua liderança requer mais do que força bruta.
Os olhos de Ghidrion, ainda queimando, começaram lentamente a se acalmar.
— Homens insubordinados serão mortos. — A declaração de Ghidrion era firme, uma promessa tanto para si quanto para seus homens. — Que isso sirva de aviso para todos vocês. Não quero que me sigam por medo, mas se esse é o único jeito, então que assim seja.
Miogve soltou um sorriso sutil, quase imperceptível, e soltou a espada, reconhecendo a decisão do príncipe.
Ele sabia que Ghidrion tinha razão. Por mais que odiasse admitir, o jovem príncipe estava mostrando qualidades de um verdadeiro líder.
— Cinco minutos para juntar suas coisas e partir. — Ghidrion reiterou, guardando sua espada banhada em mana. Sua voz ecoou com autoridade entre os elfos negros. — Estão proibidos de tocar em qualquer mulher, criança ou homem que não seja um soldado. Aquele que desobedecer enfrentará a minha ira.
Os elfos negros, até mesmo aqueles que haviam zombado de Ghidrion momentos antes, agora o olhavam com uma nova luz.
Eles haviam testemunhado o poder do príncipe, sua velocidade sobre-humana e sua capacidade de manipular tão bem a mana. Mais importante, eles viram a determinação em seus olhos, a firmeza de suas palavras e a justiça em suas ações.
Sem mais insultos ou murmúrios de descontentamento, os elfos começaram a se mover, recolhendo seus pertences com uma eficiência silenciosa.
— Esse desgraçado — reclamou o Elfo para Miogve. — Ele queria me matar, devíamos dar um jeito nele.
— Hehe! — zombou Miogve. — Você o provocou. Por enquanto, faremos como ele disse. Estou curioso para ver até onde esse garoto vai.
— Tsc! Se continuar assim, o mestiço de Runyra o matará. Que se dane! — Ele afastou-se.
Miogve aproximou-se de Ghidrion, o olhar ainda sério, mas com um grão de respeito que não estava lá antes.
— Talvez haja mais em você do que eu esperava, príncipe Ghidrion. — Admitiu, antes de se juntar aos outros elfos.
Ghidrion observou seus soldados por um momento, permitindo-se um breve suspiro de alívio.
Ele sabia que os desafios à sua liderança estavam longe de terminar, mas aquele momento havia sido crucial.
Virando-se para os humanos, ele ofereceu uma mão em gesto de paz e proteção, prometendo a eles segurança e a oportunidade de um novo começo.
— Não vamos mais… machucar ninguém.
Havia ódio no olhar daquelas pessoas, afinal, eles haviam tirado tudo deles. Não era por um gesto solidário que as coisas acabariam bem.
Ele abaixou a mão e virou-se de costas, afastando-se da multidão.
Obs: Miogve referência abaixo.