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Aquela imensidão azul, conhecida como oceano, era o túmulo de inúmeros piratas que tiveram suas vidas ceifadas pelos perigos que espreitavam o gigante azul. Os perigos do mar não eram somente as feras marinhas colossais que viravam embarcações inteiras ou doenças que atingiam a tripulação em suas viagens.

Havia uma lenda bastante famosa entre os piratas, uma lenda que contavam aos novatos para evitar a ilha conhecida como “O lamento do Rei”. Muitos especulavam que aquela era uma ilha cheia de tesouros inestimáveis e espécimes raros que poderiam ser vendidos a preços exorbitantes, outros diziam ser uma ilha assombrada por fantasmas e monstros que nunca poderiam ser vencidos.

Mas para aquela tripulação, a ilha era bem real.

Conforme aquele imenso navio navegava iluminados pelas estrelas, eles ouviam lamentos e os barulhos dos estalos da madeira do navio.

— Ali capitão! — gritou um dos piratas em cima do mastro.

O capitão, de barba traçada e dentes podres, pegou uma luneta de dentro do casaco grosso e olhou para o norte. Ele viu uma névoa esverdeada se espreitando bem no meio do oceano, mas ele já havia a visto outras dezenas de vezes.

Aquela névoa não era nada convidativa, parecia até mesmo uma brecha de ruptura no espaço-tempo, mas o capitão não se importou. Enfim ele havia chegado a seu destino.

Se olhassem com atenção, veriam espectros irem e virem em uma valsa assombrosa que faziam questão de dançar frente aos piratas. Os piratas mais novos ficaram apavorados, já os mais antigos se divertiam com o medo de seus companheiros.

— Mantenham o curso! — berrou o capitão guardando a luneta no interior do casaco.

Andando apressadamente, o capitão desceu até o compartimento de cargas e pegou uma lamparina que estava na parede.

Ele caminhou entre jaulas observando as pessoas acorrentadas tremendo de frio. Algumas estavam tão magras que suas situações eram desumanas. Caminhando para mais ao fundo, ele ergueu a lamparina e iluminou uma gaiola pequena coberta por um pano escuro. Assim que a puxou, viu uma fada de cabelo preto longo usando um vestido surrado. A luz da lamparina machucava seus olhos, então ela virou-se de costas.

O capitão, exibindo seu sorriso de dentes podres, deu dois murros na gaiola e ela balançou de um lado para o outro.

— Ei, fada! É melhor que não morra, você vai me proporcionar um bom dinheiro hehe!

Erguendo a mão, o capitão apanhou a gaiola e a cobriu com um pano, subindo com ela até o convés. Aquele miasma já havia chegado até eles, tornando a visibilidade bastante difícil.

— Peguem os escravos!

Apressados, alguns piratas desceram e retornaram com os escravos que estavam presos uns aos outros por grilhões nos pés.

Não demorou muito para que eles vissem terra firme, mas mesmo assim eles estavam a 100 metros da terra. Rapidamente, os piratas armaram uma prancha para que os prisioneiros andassem.

O capitão, com a gaiola em mãos, foi até um bote erguido por cordas que ficava na lateral do navio. Pouco a pouco, os piratas giraram o mecanismo que baixava o bote de madeira. O pirata que o acompanhava pegou os remos e remou lentamente até a margem da ilha.

Splash! Splash! Splash!

Os escravos foram obrigados a caminharem sobre a prancha com seus braços e pernas presos. Eles tentaram nadar, mas nenhum deles sobreviveu, afogando naquele mar que já não era mais azul e sim verde.

Conforme chegavam à margem, eles puderam ver um homem de pé, coberto da cabeça aos pés, segurando um cajado.

O bote chegou à margem, e assim que o pirata arrastou o bote para mais próximo à areia, os espectros dos escravos mortos a pouco saiam de dentro da água, andando como se fossem zumbis. Seus olhos eram de um verde fantasmagórico assim como seus corpos que agora se encontravam em forma etérea.

Se aproximando para perto do homem com o cajado, o capitão sacudiu a jaula e levantou o pano, mostrando uma fada bastante abatida e cheia de ferimentos.

— Eu trouxe um presente para seu rei, acredito que ele vá me agradecer dessa vez. Podemos ir agora, senhor pastor?

O pastou de almas se virou e as almas dos escravos começaram a segui-lo.

Iniciaram a caminhada através de um campo em ruínas coberto por aquela névoa verde que cercava toda a ilha. A grande ilha havia sido uma próspera cidadela antes da queda do véu. Uma cidadela que se parecia bastante com o reino dos Elfos, porém suas construções eram mais belas. Seus vales, que antes eram tão verdes quanto o miasma que os cerca, agora se encontravam em um completo lamento. Tudo parecia apodrecer.

Às vezes, o céu daquela ilha rachava em um silêncio sepulcral, e das brechas das rachaduras era possível ver o infinito do cosmos. A sensação que tinham era que aquela era outra dimensão.

Mesmo sendo um lugar vazio e cheio de ruínas, estava longe de ser um lugar silencioso. Se ouvia lamentos e lamúrias a cada esquina, sem falar nos grunhidos fantasmagóricos que ecoavam por todo lugar.

Não tardou até que chegassem ao palácio que deu origem a ilha. O lamento do rei era enorme, mas isso não era tudo. As paredes estavam podres, o chão cheio de ervas daninhas e o teto era coberto por trepadeiras, pois eram as únicas plantas que cresciam naquele lugar esquecido pelos deuses.

Logo a frente, depois do tapete de ervas daninhas, se encontrava o rei. Sua pele era tão pálida que chegava a ser acinzentada. Seus olhos eram verdes e espectrais, seu cabelo longo e branco. Trajava uma armadura preta bastante intimidadora com uma enorme espada feita de mana esverdeada cravada bem ao seu lado. Na sua cabeça, pairava uma coroa com o mesmo tom verde predominante da ilha.

Ele estava cercado por outros três seres, dois do seu lado esquerdo e um do direito.

O capitão e seu subordinado se abaixaram.

— Oh! Grande rei Drez’gan, eu lhe trouxe almas para seu exército e também lhe trouxe um presente, espero que o senhor goste.

— Se aproxime. — disse Drez’gan em um tom de voz gutural e intimidador.

Fazendo como lhe foi ordenado, o capitão se aproximou, ficando frente a escada do trono e se prostrou diante do rei.

Drez’gan fez sinal com a cabeça e um de seus subordinados espectrais pegou a gaiola coberta por um pano e o entregou a seu rei.  Movendo a mão, Drez’gan retirou o pano que a cobria e se deparou com uma fada encolhida no canto.

— Uma fada… — ele deixou escapar por seus lábios.

Movendo o indicador, Drez’gan abriu a porta da jaula.

— Pode sair, coisinha.

A fada permaneceu imóvel.

— Pode me dizer ao menos o seu nome?

— … Brighid…

— É um nome bem forte para uma coisinha tão frágil. — Drez’gan se virou para um dos guardas — Dê a eles seu pagamento para partirem.

Um dos soldados espectro deu um passo à frente e jogou um saco de ouro na frente do capitão do navio.

— Teach! — disse o rei — Traga uma leva maior de escravos da próxima vez, ou você irá se juntar aos miseráveis que trouxe, estamos entendidos?

— S-Sim, meu rei!

— Certo. Vá em paz.

Fazendo uma reverência, Teach deixou o palácio.

— O humano trouxe algo precioso desta vez! — disse uma mulher sentada em cima de uma estátua gigante que ficava ao lado do trono. Seu cabelo era esverdeado assim como seus olhos fantasmagóricos. A pele dela era acinzentada e ela estava vestida com a mesma armadura negra imponente de Drez’gan.

O rei ergueu a cabeça a encarando.

— Pensei estar importunando os espectros, Thaz’geth…

Ela deu de ombros.

— Eu senti algo puro de longe e decidi ver o que era. E olha só, uma fada, o ser mais puro da natureza, mais puro que as dríades ou as ninfas, mais puro que os Ents e mais puro do que nós.

— O que está sugerindo? — disse Og’tharoz, um homem de cabelo curto esverdeado, pele acinzentada e olhos esmeralda que trajava a mesma armadura que Drez’gan e Thaz’geth.

— Você sabe o que estou sugerindo. Ela é um ser puro, se vossa majestade a fazer uma de nós, então poderemos usá-la para deixar essa ilha e varrer os impuros como é a nossa vontade há séculos.

O rei estendeu a mão e Brighid relutou em se aproximar, mas o fez após instantes.

— Não a machucarei — disse o rei — Não ferimos seres puros aqui.

Uma aura verde circundou Brighid e seus ferimentos se fecharam. Ela bateu suas asas de borboleta e começou a voar frente ao rei.

Drez’gan não parecia ser uma pessoa perversa, mas sua aura e a aura que circundava aquele lugar diziam outra coisa. Sua magia excedia a de anciões ou Arquimagos com quem ela já se deparou. O rei frente a ela era um ponto que saía em muito da curva, assim como as pessoas de armadura negra que estavam ao seu lado.

Por um momento ela pensou que fossem caídos, mas logo descartou essa ideia. Não havia registros de caídos que conseguiam controlar os mortos, e ela analisou o miasma que os cercava. A ilha funcionava como um tipo de prisão profana.

— Sabe, Brighid, esse lugar não é nada bonito como você pode ver.

Aproveitando o temperamento amigável do rei, ela decidiu construir uma conversa amigável.

— Por que aqui é assim… vossa majestade?

— Quando o véu caiu, essa ilha foi a primeira a ser atingida pelo cataclisma e de alguma forma, uma energia perversa permeou esse lugar. Sobraram poucas pessoas depois do evento e os que sobraram foram reduzidos a isso. Eu não era um rei antes, era somente um apógrafo. Meu trabalho era copiar e traduzir manuscritos antigos que anciões de diversas partes do continente me mandavam. Depois de um tempo, as pessoas começaram a chegar na ilha e ficaram apavoradas com o que viram. Tudo estava morto, inclusive nós. Então fomos deixados ao relento, vítimas do tempo e de pragas que marinheiros assustados lançavam contra nós.

Brighid fez que sim com a cabeça.

— O que são aquelas pessoas que aquele pirata traz ao senhor?

— São soldados leais para o meu exército. Já tentamos, mas é impossível deixar esse lugar. Essa névoa nos limita, mas conforme o tempo passa, nós ficamos mais fortes e a névoa se esgueira pelo mar. — Drez’gan abriu um sorriso — O tempo não nos atinge como atinge os outros seres. Pode demorar um milênio, mas sairemos daqui e consumir qualquer alma corrompida desse mundo.

— Por quê?

— Eu estava no centro da cidade carregando uma pilha de papiros para transcrever. — O semblante de Drez’gan ficou sério — Uma fenda se abriu, logo depois uma explosão arcana derrubou construções em instantes. E no céu, eu vi um homem. Tenho certeza que quem derrubou o véu foi ele. Nossa ilha era bem pacífica, tínhamos poucos soldados e fomos massacrados quando aquela raça que chamam de ogros e goblins nos atacaram. — Drez’gan relaxou na cadeira — A fenda continuou aberta por dias e o miasma começou a deixá-la. Muita gente morreu, inclusive os ogros e goblins, mas por algum milagre nós sobrevivemos.

Drez’gan apontou para Og’tharoz.

— Ele era um dos poucos guerreiros da ilha, assim como Thaz’geth, que era uma especialista em armas. — O rei apontou para um homem coberto por túnicas negras segurando um cajado com uma pedra mágica que brilhava em um verde intenso. Seu cabelo era longo e esverdeado, o verde também era bem vívido em seus olhos — Braz’gallaan era um homem da ciência, um erudito que se dedicou a entender o cosmos e as estrelas.

Por fim, ele apontou para uma mulher vestindo as mesmas túnicas que Braz’gallaan. Seu cabelo era verde e ia até um pouco acima dos ombros, mas seus olhos eram brancos como a neve. Em sua mão esquerda segurava um cajado de madeira com uma bola branca brilhante no centro, mas o diferencial era que sua mão direita era totalmente etérea.

— Essa é Sor’uth — disse o rei apontando o indicador — Ela era uma maga aprendiz antes do cataclisma. Não tem mais nada aqui, somos tudo o que restou um pro outro. Diferentes dos meus generais ao meu lado, os soldados obedecem somente a mim, não tem vontade própria, são só lacaios sem graça. Ensinamos tudo o que sabemos uns aos outros, já aprendemos com todo tipo de gente que acabou nessa ilha, seja porque a maré trouxe ou porque estavam fugindo da guerra. Aprendemos com mestres de guerra, artesãos, líderes de estado, mestres da esgrima, magos, guerreiros e reis. Somos a síntese da evolução, mas não significa que aprendemos tudo que existe.

Drez’gan olhou no fundo dos olhos de Brighid.

— Não somos os vilões, fada, mas não podemos deixar o mundo como está agora. Guerras entre humanos, massacre de pobres almas inocentes, genocídio de raças inteiras. O mundo precisa de alguém para assumir as rédeas da situação, guiá-los para o justo. Por isso seremos o júri, os juízes e os executores, seremos a nova ordem!

Drez’gan ofereceu a mão para Brighid.

— Se junte a nós! Você é um ser puro, a corrupção desse lugar não te afetará como nos afetou. Você poderá aproveitar o melhor dos dois mundos enquanto se fortalece. O miasma nos impede de deixar esse lugar, mas você será livre. O que me diz, pequenina?

Brighid era pacifista por natureza, ela dificilmente aceitaria uma oferta como aquela, e Drez’gan conhecia bem a pureza e benevolência das fadas.

— Aquele pirata, Teach, me traz notícias sobre o mundo vez ou outra. Eu soube da guerra do ocidente, soube daqueles errantes, soube dos caídos, vampiros e soube do genocídio das fadas. Sua casa foi tomada, não foi?

Brighid franziu os lábios e olhou para o lado. Ela sabia o que Drez’gan estava tentando fazer.

— Não vou obrigá-la a me seguir, pequenina, mas se me seguir, eu posso libertar sua ilha quando sairmos daqui. Inocentes não precisam sofrer, somente os culpados. O mundo é cruel, pequena, se aqueles com força para fazer alguma coisa continuarem parados, então isso nunca mudará.

— Isso aí! — disse Thaz’geth — Não se conquista a paz com discursos bonitos, diplomacia ou flores. Se conquista com violência e sangue!

Os outros três bateram suas armas no chão em concordância.

Drez’gan apoiou o indicador no queixo de Brighid e ergueu sua cabeça.

— Se restar somente você para fazer alguma coisa, o que fará? Continuará de mãos abanando? Deixará aqueles que se importam com você encontrarem a morte, ou lutará como uma guerreira? — Drez’gan franziu o cenho — Ouvi história sobre o amor das fadas, se um dia se apaixonar, deixará o homem que ama morrer porque não quer lutar?

Brighid engoliu o seco e olhou para o lado. Drez’gan continuou.

— Se tivesse forças para lutar contra o genocida, teria o feito?

— É claro que teria… amigos meus foram…

— Por isso torne-se uma de nós. Você será uma das minhas generais, terá poder sobre essa ilha e sobre o meu exército, um exército que não pode morrer.

O teto do palácio se desfez como poeira e revelou um céu coberto por nuvens carregadas. Trovões atravessaram o céu e Brighid viu dragões espectrais cruzarem o firmamento.

Drez’gan se ergueu e moveu-se para os fundos com seus generais o seguindo. Passaram por um corredor enfestado por trepadeiras e chegaram até uma sacada.

Os olhos de Brighid arregalaram ao verem um enorme exército não só de soldados espectrais. Havia ogros enormes e até alguns colossos de pedra, sem falar nas bestas mágicas e um mar de soldados de armaduras negras e olhos esmeralda.

Aquele exército poderia varrer o continente sem problemas e isso deixou Brighid apavorada, mas, ao mesmo tempo, ela ponderou as opções que Drez’gan lhe deu. Fazer parte daquilo era melhor que continuar se escondendo. Ela poderia libertar a ilha das fadas se estivesse com eles.

Não havia muitas opções a se ponderar, então ela decidiu.

— Senhor Drez’gan, eu aceito…

Ele deu um sorriso.

— Seja bem-vinda, pequena!

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Olá, eu sou o Stuart Graciano!

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