Na noite seguinte, os treinamentos continuaram. Por ser uma cópia feminina fofa de Colin, Leona fez sucesso entre os amigos daquele com ela dividia a alma. As garotas a acharam uma graça, e os rapazes ficaram incrédulos de como ela era fofa e, ao mesmo tempo, se parecia com Colin. De diferente, só cabelo, que era longo e bagunçado.
Apesar de pequena, ela já se movia bem rápido e sua força era de um usuário da pujança de nível dois.
Ela e Safira treinavam em um combate frenético com rápidos golpes de espada. Não era usado magia, somente a habilidade em combate.
Colin estava sentado ao longe observando as duas, até que Brighid apareceu e sentou-se a seu lado. Ela parecia diferente, mais viva. Até mesmo seu semblante estava mais meigo e Colin a enxergou mais bela que o normal.
— Aquela é sua pandoriana? — indagou — É sua cara.
— Onde foi ontem à noite?
— Fui para as ruínas do castelo com Graff.
Colin franziu as sobrancelhas.
— Foi fazer o que lá?
— Ele retirou minha maldição de não ferir humanos.
Colin ergueu as sobrancelhas.
— Sério?
Ela fez que sim.
— Nunca me senti tão bem. Acho que eu lutaria com um exército se pudesse.
Brighid se ergueu.
— Vou meditar com Lei Song e os gêmeos, te vejo depois.
Ela deu dois tapinhas no ombro de Colin e se afastou. Toda sua guilda estava espalhada conversando e treinando com membros da terceira geração. Carmilla estava se dando bem com Alunys, a treinando de maneira adequada, adaptando os movimentos descritos no pergaminho que ganhou de Colin. Até mesmo o olhar abatido de Alunys pareceu ter desaparecido.
Orlok parecia ter feito uma grande amizade com os outros elfos da equipe, Elhad e Sashri. Orlok ensinava técnicas de esgrima que eles ainda não sabiam. Já Samantha, Kurth e Wiben treinavam com Lestat técnicas de combate corpo a corpo além de meditação aplicada.
Colin era o único de bobeira no momento.
— Cooooolin!
Ele olhou para o lado, vendo Morgana sentada como um cachorro estampando um sorriso assustadoramente alegre a centímetros de seu rosto.
— Morgana…
— Por que não vamos treinar? Você tá aí quieto, parece que morreu alguém… — Ela pegou no pulso de Colin — Vamos! Eu, você, Leona e a chifruda, que tal?
— Treinar todos nós juntos?
— Sim! Todos vocês contra mim! Claro que não é justo, vocês ainda estarão em desvantagem, mas vamos lá, vem! — Ela deu uma piscadinha — Posso pegar leve se quiser hihi.
— Não, valeu pela oferta.
— Vamos, deixa de ser fresco!
Mesmo contra sua vontade, Morgana arrastou Colin e ela berrou, chamando por Safira e Leona. Seguiram para dentro do castelo, atravessaram alguns corredores e chegaram a um espaço bastante amplo.
— Lembro que eu treinava aqui quando era criança. — disse Morgana olhando para os lados — Não precisam se preocupar em ir com tudo. Sou bem forte, então será mais difícil para vocês do que para mim. As paredes ao redor deste cômodo são enfeitiçadas, então não se preocupem, elas restauram sozinhas depois de um tempo.
Morgana tirou a camisa ficando com um topper de alça preto bem justo e tirou as calças ficando de shorts da mesma cor. Seus músculos pareciam mais rígidos que o normal e seu abdômen trincado intimidou Leona por um momento.
Safira já estava com sua roupa de treino, regata e shorts. Leona se vestia da mesma forma e Colin ficou de camisa e shorts. Ele não se recordava de ter lutado junto de Safira alguma vez desde que se conheceram. Todas suas batalhas eram separadas e individuais. Ele não fazia ideia do quanto ela evoluiu, e nem ela fazia ideia do quanto ele evoluiu. Colin tinha a ensinado a lutar de maneira estratégica e Safira adaptou isso em seu estilo ofensivo. Se tratando de combate, os dois eram bem-parecidos, porém, Colin era melhor no mano a mano e Safira era melhor com uma espada em mãos.
Morgana começou a se aquecer fazendo alongamento.
— Lutei com ela uma vez… — sussurrou Colin.
— Sério? — perguntou Safira incrédula — Lutou contra essa gorila?
Colin fez que sim.
— Lutei, mas fui derrotado. Ela não é tão rápida quanto eu se tratando de movimento, mas ela consegue ler bem os movimentos e interceptá-los a tempo. — Ele olhou para a pequena Leona — Consegue usar quanto de sua árvore primária?
— Dois níveis, e dois da pujança também.
— Deve ser o suficiente para pressioná-la. Vamos tentar estabelecer um nível do nosso oponente. Leona e eu atacaremos juntos. Safira, você fica por conta de ficar e observá-la. Tente encontrar outra fraqueza enquanto eu e Leona a pressionamos.
— Certo!
Colin e Leona deram um passo à frente. A pandoriana engoliu o seco ao ver o sorriso sinistro desabrochar no rosto de Morgana.
— Mestre… essa mulher me dá medo…
— Ela também me deu na primeira vez que a vi, mas depois que você a conhece percebe que ela é bem gentil. Se concentre, no mano a mano, ela é a melhor lutadora que já vi.
Aquelas palavras não a acalmaram, só a deixou ainda mais tensa.
Morgana alongava o braço e terminou com um agachamento. Prendeu o cabelo em um rabo de cavalo e apoiou as mãos na cintura.
— Então os mais rapidinhos vem primeiro?
Ambos conjuraram adagas elétricas e se prepararam para avançar.
Vush!
Sem perder tempo, eles avançaram ao lado do outro em uma velocidade surpreendente, passando por Morgana.
Crack!
Como eles imaginavam, a adaga se quebrou ao tentar perfurar a pele dela. Morgana se virou tentando alcançá-los, mas eles se esquivaram sem muito problema.
Thing, Thing!
Reforçando as adagas de mana, eles conseguiram ricochetear na pele de Morgana desta vez, mas não pararam por aí. Continuaram tentando cortar Morgana, parecendo dois vultos azulados cruzando de um lado para o outro incessantemente.
Com os braços cruzados frente ao rosto, Morgana apenas se manteve na defensiva. Os olhos da vampira tentavam acompanhar os dois e, em meio ao vai e vem, notou que Leona era mais lenta que Colin. Mas não era algo perceptível para qualquer pessoa. Morgana, que estava acostumada com batalhas desse tipo, notou a diferença mínima na fração de milésimos de segundos.
[Agarra!]
Ela esticou o braço como o bote de uma cobra e pegou o pulso de Leona. A pandoriana concentrou toda mana de seu corpo no abdômen.
[Pancada!]
Mesmo sendo nível baixo na pujança e concentrando sua mana para amenizar danos, Leona sentiu aquele golpe para valer. Ela foi lançada na parede, passando bem ao lado de Safira, que nem sequer a viu chegando. Mesmo se movendo rapidamente, os olhos de Morgana começaram a seguir Colin, que ia ligeiramente de um lado para o outro.
Foi a vez dela de tentar alcançá-lo. Concentrando mana nas pernas, Morgana disparou e, o lugar onde ela estava explodiu.
A rajada de vento foi tão forte que trouxe uma nuvem de poeira e o som foi semelhante ao disparo de um poderoso canhão.
Safira arregalou os olhos e olhou vagarosamente para trás, vendo Morgana segurar o pescoço de Colin enquanto sorria.
Mesmo que sua análise tenha evoluído bastante nas últimas semanas, ela ainda não conseguia acompanhar aquilo. Morgana poderia ter aprendido um pouco da árvore-do-céu se quisesse, mas ela preferia o velho combate com os punhos, se tornando extremamente boa em ler e interceptar seus inimigos, já que a mesma recusava a usar magia de combate.
— Solta ele!
Safira saltou para trás e se preparou para atacar, mas antes dos seus pés tocarem o chão, ela avistou a mão enorme de Morgana em seu rosto.
[Pancada!]
Morgana a pressionou contra o chão enquanto exibia aquele sorriso de dentes pontiagudos.
— Você ainda é muito lenta, chifruda!
Com a visão periférica, Morgana viu Colin se preparando para socá-la no rosto. Ela iria se defender, mas Safira passou os pés pelo busto e pescoço dela, aplicando uma chave de braço.
Morgana apertou o pescoço de Safira e a ergueu, colocando a cabeça dela na trajetória do soco de Colin. Safira viu aquela mão enorme parar em frente a seu rosto e olhou para os olhos arregalados de Colin. Se aquele golpe continuasse, ela poderia se machucar para valer.
Aproveitando que seus oponentes estavam atônitos, Morgana concentrou mana nos pés e disparou mais uma vez, batendo com Safira em Colin, pressionando os dois contra a parede.
Assim que ela soltou Safira, os dois caíram destrambelhados em cima do outro.
Com as duas mãos na anca, Morgana olhou aquela cena que ela julgou hilária.
— Foi um ótimo aquecimento háháhá!
Eles se levantaram ajudando mutualmente.
— Vamos continuar! — disse Morgana empolgada — está ficando divertido!
Alunys e Carmilla estavam dentro de uma estufa. A luz da lua que transpassava o vidro servia como companheira, sem falar no cheiro harmonioso que estava aquele ambiente. As duas, vestindo roupas de treino, faziam movimentos leves e graciosos em meio a grama esponjosa.
— Você está indo bem. — disse Carmilla — Deve conseguir dominar o mi chi chuan em alguns anos.
— Você acha?
Carmilla fez que sim com a cabeça.
— Nossa árvore funciona melhor durante a noite, pois nossa afinidade com a lua é bem alta. Mulheres conseguem aprender a árvore do pélago com mais afinidade do que os homens, pois somos como a lua. — Carmilla se sentou na grama e cruzou as pernas.
Alunys seguiu sua mestra e fez o mesmo.
— Está falando sobre as fases do ciclo menstrual?
Carmilla fez que sim.
— O mi chi chuan amplifica essa conexão. Se dominá-lo com perfeição como acho que vai, você conseguirá derrotar até mesmo um monarca.
Alunys ergueu as sobrancelhas.
— Sério?
— Sim. Sabe onde começou o mi chi chuan?
— Bem, li uma vez que veio do oriente.
— Isso. Não eram só movimentos lentos e graciosos antigamente, era uma religião-filosofia. Um monge escreveu uma série de poemas que refletem sobre o caminho para eliminar o sofrimento e o conflito interno, e os chamou de Ui tuy mhay. Na língua dos kinesis, “Ui” significa “caminho”, indicando que as criaturas pensantes em sua vida podem seguir vários caminhos. Em meio a tal variedade de escolhas, você deve optar por viver em harmonia com a natureza por meio deste mesmo Ui, um conceito de uma grande harmonia cósmica, de onde se acredita que uma força natural liga todas as coisas em nosso mundo.
— Eu não sabia disso.
Carmilla fez que sim e ergueu o indicador.
— Foi então, que a partir deste entendimento, surgiu a conclusão popular entre os seguidores do mi chi chuan de que o desejo das criaturas “prende” o espírito, impedindo-o de seguir livremente o verdadeiro caminho. Para isso, então, o ser pensante deve gradualmente aprender a se libertar de seus próprios desejos terrenos a fim de conhecer a si próprio e obter paz e serenidade em seu espírito, e em um plano maior, a imortalidade.
Sendo fascinada com o conhecimento, os olhos de Alunys brilharam com tal informação. Carmilla tinha uma personalidade bem diferente do restante dos vampiros. Ela era calma, sua maneira de falar era agradável e ela tinha uma didática suave e lenta. Chegava a ser terapêutico.
Ela mexeu os braços de maneira graciosa.
— Nossos movimentos se baseiam em uma análise atenta e minuciosa da natureza, não só dos animais, mas de tudo aquilo que a compõe. Assim, pode-se dizer que a fonte de energia explorada pelo mi chi chuan se encontra dentro de cada ser, em um local conhecido pelos kinesis como Boran Médio. — Carmilla apontou para o abdômen — Fica aqui, localizado no abdômen, aproximadamente 5 cm abaixo e 5 cm para dentro, tendo como referência o umbigo.
Erguendo-se, Carmilla apontou com o indicador para uma planta e lentamente a planta começou a florescer. Ela concentrou-se na água na planta e mudou seu processo vital, fazendo-a florescer.
Não era nada fácil fazer algo como aquilo, por sorte, Carmilla era provavelmente a usuária do pélago mais experiente do continente desde a rainha Juvia III.
Alunys encarou aquilo maravilhada. Se questionou se ela poderia fazer algo assim no futuro.
— O poder de um usuário do pélago vem da energia vital interna, chi. Por causa disso, o poder de um usuário do pélago está conectado ao seu estado emocional presente. — Carmilla desceu o indicador abruptamente e a flor murchou.
— Caramba… então é verdade? — perguntou a Elfa.
— O quê?
— Usuários do pélago podem controlar a água das coisas vivas?
— Claro que podem. Podemos até mesmo controlar seres pensantes.
Alunys engoliu o seco. Ela sabia exatamente do que Carmilla estava falando.
— O ventríloquo de sangue? — perguntou Alunys num sussurro, como se estivesse indagando sobre algo proibido.
Carmilla fez que sim.
— A senhora sabe?
Cruzando os braços, Carmilla empinou o nariz e abriu um sorriso.
— Sei, mas você está longe de aprender. Até mesmo monarcas tem dificuldade, mas nada que muito treino não resolva.
— Entendi… — Alunys abriu um sorriso e curvou a cabeça — Senhorita Carmilla, muito obrigada! Não existem muitos usuários do pélago por aí, e a senhora ainda é uma monarca disposta a ajudar alguém como eu…
— Ei, pirralha, levante a cabeça, não gosto desse tipo de formalidade.
— Ah, desculpe.
Carmilla abanou as mãos.
— Só deve tomar cuidado com dois tipos de usuários, os do céu e os da flama.
Alunys engoliu o seco.
— Por quê?
— Os usuários da flama são a nossa antítese. Enquanto nossos movimentos são lentos e se concentram no interno, o movimento deles são rápidos e usam o externo a seu favor, assim como os usuários do céu. Porém, nossa desvantagem é ainda maior contra usuários do céu. Algumas de nossas técnicas mantém contato direto com a água, e isso é um prato cheio para usuários dessa árvore.
Apoiando a mão no queixo, Alunys fez que sim com a cabeça. As pessoas que ela mais admirava eram destas árvores, Safira e Colin. Pela primeira vez ficou empolgada ao se imaginar os enfrentando. Foi só assim que ela se recordou do que Colin havia lhe dito, “Seu momento vai chegar”. Alunys não precisava ser tão forte quanto Colin ou tão brutal quanto Safira. Seu estilo de lutar diferia, um estilo que combinava com ela.
Ficou ansiosa para partir direto para o combate, mas sabia que as coisas tinham que fluir lentamente como as águas de um rio. Ela não lutaria contra a correnteza, nem tentaria ser mais rápida que ela. Alunys apenas seguiria o fluxo.
