Selecione o tipo de erro abaixo

Capítulo 9: Contrato

Depois de mais um dia cavalgando, seguiram o mapa e encontraram o vilarejo minúsculo que ficava bem no meio do caminho para a estrada.

Apesar de ser um vilarejo com porte mediano, as paredes das casas eram feitas de madeira e o telhado de palha.

A primeira impressão que passavam era de ser um lugar penurioso.

Crianças avistaram Colin chegando a cavalo e de prontidão já ficaram impressionados.

Era a primeira vez que eles viam uma Fada e um ser que se parecesse com um Elfo Negro.

Os olhos deles brilhavam e suas emoções pareciam embarcadas em uma montanha-russa de excitação. Quase em sincronia, elas correram para dentro de suas casas e chamaram seus pais, que ligeiramente saíram para ver o que estava acontecendo.

Os aldeões não sentiram a admiração pelo novo das crianças, muito pelo contrário, eles sentiram o mais absoluto pavor, como se os demônios rastejantes saíssem do inferno de fogo e ganhassem vida, parando bem ali, a alguns metros deles.

A maioria dos moradores eram magros e usavam trapos.

Mesmo para um lugar tão cheio de vida, a situação deles era lastimável.

Brighid se encolheu no ombro de Safira. Aqueles olhares não eram os de boas-vindas.

— Colin… — murmurou Brighid.

— Eu sei, deixa que cuido disso.

Sem pressa, Colin entregou as rédeas para Safira e desceu do cavalo. Foi quando os aldeões começaram um burburinho.

— Vim até aqui para vender uma coisa a vocês — disse Colin desamarrando a cabeça do mercenário do cavalo.

Os aldeões ficaram em silêncio e, simultaneamente, vislumbrados pelo dito Elfo Negro conseguir se pronunciar tão bem na língua deles.

O líder do vilarejo, um velho corcunda de barba longa grisalha, aproximou-se a passos lentos apoiado em sua bengala.

Ele se vestia como um sacerdote ortodoxo, túnicas longas e soltas de cor preta.

Ficou a metros de Colin e aquilo deixou os aldeões tensos. Alguns tremelicavam de medo, outros, começaram a bater os dentes, mas as crianças continuavam ali paradas, admiradas com o novo.

— Faz tempo que não vejo um de vocês — disse o velho, tão próximo de Colin que conseguiria tocá-lo se quisesse.

— Você não parece com medo de mim. — Colin segurou a cabeça pelo cabelo a mostrando para o velho. — Vim vender essa cabeça.

O velho olhou para a cabeça e alisou a barba.

— Você cuidou de Guitor… isso, sim, é impressionante. Ele já nos atormentava a algum tempo, mas como pode ver entorno, essa não é uma vila de mercenários… a cabeça que quer vender não tem valor aqui…

— É! Velho, estou vendo que vocês estão passando por um momento ruim.

— É a guerra… no passado, este vilarejo já foi maior, éramos uma boa rota de passagem. Centenas de pessoas passavam por aqui todos os dias.

Colin virou-se de costas.

— Não estou interessado nas suas histórias, vovô. Se não podem me ajudar, então não temos nada para fazer aqui.

— Claro, você quer dinheiro, não é?

Parando ante ao cavalo, Colin olhou para o velho por cima dos ombros.

— Pensei que sua raça não se importasse tanto assim com o dinheiro — disse o velho com um sorriso debochado no rosto.

— Você não me conhece, velho.

Um ronco alto veio do estômago de Colin.

“Merda!”

— Temos um pouco de comida… — disse o velho com um sorriso.

Um grito alto veio de um dos aldeões.

— Ancião! Não podemos dividir a nossa comida com eles, mal temos para nós!

O velho sorriu para Colin.

— Se fizerem um trabalho para nós, garanto que serão bem alimentados.

— Que trabalho? — perguntou Colin, virando-se para encarar o velho nos olhos.

— Está falando sério, ancião? — indagou um dos aldeões. — Olhe bem para eles, não passam de bestas selvagens!

A cólera dos aldeões ficou mais forte.

Apesar de todos transbordarem em fúria, Colin não se sentiu intimidado pela recepção. Aquilo seria algo que teria que se acostumar caso quisesse seguir com sua jornada.

Erguendo a mão trêmula, o ancião fez todos se calarem.

— O que melhor que alguns demônios… para caçar um demônio maior?

Os aldeões engoliram o seco e cruzaram olhares uns com os outros.

Eles não queriam a ajuda deles, mas o ancião tinha razão.

A melhor maneira de se convencerem, era aceitar que a melhor forma de sua situação vil se resolver, seria se Colin e seu grupo acabasse lutando com o tal — demônio — e ambos, por sorte, acabassem mortos.

Dando as costas, o velho caminhou para dentro de uma casa a passos vagarosos, tão lentos que um relógio dando uma volta inteira parecia mais ligeiro.

Relutantes, os aldeões abriram caminho e Colin passou por eles puxando as rédeas do cavalo com Safira e Brighid ainda em cima. Safira cerrou os punhos e engoliu em seco, mantendo seu olhar fixo na sela do cavalo.

Alcançando a soleira, o velho se virou para uma das mulheres na multidão.

— Prepare uma saborosa refeição para nossos convidados.

— Mas senhor, eles são-

— Não importa quem eles são, apenas faça.

Ela e mais duas mulheres fizeram que sim com a cabeça e se retiraram a passos rápidos.

— Venham! — disse o velho entrando na residência.

Safira e Brighid encararam Colin e ele fez que sim com a cabeça.

Colin ergueu os braços e ajudou Safira a descer.

Ela continuou olhando para o chão enquanto suava frio. Estava apavorada, com o medo de que uma lâmina qualquer viesse do nada e cravasse em suas costas.

Puxando o cavalo até um palanque improvisado, Colin amarrou ali o seu buçal e o acariciou.

— A gente já volta, amiguinho. — O cavalo relinchou.

Sabendo estar em território inimigo, Colin decidiu manter o seu cenho franzido e sua postura séria. Mesmo que não pudesse lutar com todos, ele iria continuar com sua pose intimidadora.

Subiu as escadas da soleira e passou pela porta se deparando com um interior bem humilde. As paredes de madeira estavam comidas por cupins, com alguns outros móveis de decoração.

Aquele lugar todo fedia a mofo.

Era uma casa de um cômodo apenas.

Do lado esquerdo estavam duas camas de palha e mais a frente havia um fogão a lenha. Ao centro, estava uma mesa com quatro lugares.

O velho, mais parecendo um bicho preguiça, sentou-se sem pressa na cadeira do meio, enquanto Colin o aguardou pacientemente.

Assustados, mas, ao mesmo tempo, curiosos, os aldeões se apertavam na pequena casa, se reunindo em volta da mesa para avistar o Elfo Negro, a menina com chifres e principalmente a Fada.

— Você disse ter um trabalho para nós… — Colin cruzou os braços enquanto relaxava na cadeira.

— Sim, o trabalho. Não acha melhor enchermos nossas barrigas antes de iniciarmos as negociações? — perguntou o velho.

Sim. Colin concordava, mas deu de ombros.

— Você quem sabe.

— Certo, certo…

O velho olhou para a Fada, depois olhou para Safira e seus pequenos chifres.

— Estou curioso para saber como o destino reuniu vocês três…

— Nós nos conhecemos na estrada — respondeu Colin de maneira sucinta.

O velho assentiu.

— Não deve ter sido fácil. Soube que os soldados varreram as terras pela redondeza. Vocês passaram por algumas vilas saqueadas?

Safira engoliu o seco e olhou para o lado com os lábios franzidos. Ela havia se lembrado de sua mãe e do massacre no vilarejo em que habitava. Aquelas ainda eram memórias dolorosas de se visitar.

Percebendo que a companheira estava incomodada, Colin decidiu mudar de assunto o mais rápido possível.

— Seu vilarejo, aqui é lugar tão verde e bonito, tem até um rio que corre no fundo, por que vocês são tão miseráveis?

Saindo da multidão, algumas mulheres trouxeram um pouco de pão e vinho. Não era um banquete, mas era o suficiente. Os três forasteiros estavam quase babando, doidos para atacarem a refeição com tudo.

Foi quando o velho fez sinal para que eles se servissem.

Colin apanhou o primeiro pedaço de pão e colocou tudo na boca de uma vez só. Safira pegou dois pães, mordeu a metade de um e depois a metade do outro. Brighid era miúda, mas sua fome era quase três vezes maior do que ela.

Os aldeões encaravam aquilo com aversão.

A visão que tinham era a de bestas selvagens se alimentando sem etiqueta alguma.

— Podemos falar do trabalho agora, sim? — perguntou o velho.

Colin grunhiu em concordância. Sua boca estava cheia demais para que dela saísse qualquer palavra.

— Você perguntou por que nosso vilarejo é miserável e irei lhe responder. Um monstro, não… um demônio… fez um acordo com o antigo ancião desta vila em troca de proteção contra a guerra.

Brighid mergulhou no copo de vinho de Colin e saiu de dentro dele completamente corada. Seus olhos pequenos estavam marejados. Ela limpou a boca com as costas das mãos e deitou-se na mesa, dando um longo arroto.

O ancião continuou.

— Fomos protegidos, mas a troco de uma coisa… O demônio afastou a guerra de nossas estradas, nos deu segurança em troca da nossa terra. Mesmo tudo aqui estando verde e belo, não passa de veneno.

Os três pararam de comer imediatamente após ouvir a palavra “veneno”, olhando sincronizadamente para o velho.

— Não se preocupem, essa comida não é do nosso vilarejo — eles voltaram a comer, ainda mais intensamente.

Era melhor se manter cauteloso em relação a estranhos, mas Colin não conseguiu. Sua fome era tamanha que ele se sentiu enfeitiçado.

— Temos que conseguir alimento em outras vilas, e com a guerra, as vilas tem ficado cada vez com menos suprimentos e nós mal temos dinheiro para comprar.

— Porque simplesmente não vão embora daqui? — perguntou Colin com a boca cheia.

— Nossos ancestrais se dedicaram tanto para proteger essa terra, não podemos simplesmente abandoná-la assim, entregando-a de bandeja para um demônio.

— Mas vocês a entregaram quando fizeram o acordo com ele. Isso tudo é culpa de vocês.

Alguns aldeões cerraram os dentes em ódio, outros olharam para o lado mantendo pensamentos reflexivos.

— Você não sabe nada sobre nós, nada! — esbravejou um dos aldeões.

Colin o encarou com o canto dos olhos.

— Chamando terceiros para resolver um problema que vocês mesmos causaram… Você tem razão, não sei nada sobre vocês, mas a impressão que me passam é que vocês são um bando de covardes.

— Seu…

— Já chega, Guily! — bradou o velho. — O senhor Elfo e seus companheiros estão aqui para nos ajudar, trate-os com respeito!

— Do que está falando, velho? Eu não disse que ajudaria vocês.

— Como? — perguntou o ancião franzindo o cenho.

— Não estabelecemos ainda o preço do nosso acordo. Você quer que matemos um ser que vocês chamam de “demônio”, e quer nos comprar com pão e vinho?

— Mas não temos mais nada a oferecer…

— Você disse que aqui era uma grande rota de comércio, certo? Quando vocês voltarem a operar e prosperar, a única coisa que quero é uma dívida eterna.

Um burburinho se iniciou.

Colin continuou.

— Sempre quando eu ou meus companheiros passarmos por aqui, vocês irão nos abastecer com provisões, arrumarão nossos equipamentos, nos fornecerão uma cama quente ou quem sabe nos ajudarão com remédios e tratamentos. Tudo isso sem custo nenhum para nós.

Os aldeões estavam confusos, muitos não queriam aceitar a proposta, mas estavam desesperados demais para recusar.

— Proponho realizarmos um contrato — Propôs o ancião.

O velho levantou o indicador e a ponta de seu dedo sangrou. Ele colocou uma gota de sangue em sua outra mão e esticou em direção de Colin para um aperto.

Relutante, Colin pensou se realmente queria mesmo aceitar este contrato. Este demônio parecia importante, e ele precisava de mais detalhes.

Sua forma era miserável, mas ele tinha Safira, seu pequeno trunfo e talvez a Fada pudesse curá-los enquanto ele enfrentasse o demônio e, além de tudo, ele estava cansado de fugir de seus problemas, de se esquivar de responsabilidades.

Ele queria começar de novo e agora em outro mundo, Colin poderia moldar a imagem que quisesse de si mesmo.

Ele desejava ser temido, mas também queria ser respeitado.

Este era outro mundo, ele teria que ser esperto e dançar conforme a música. A maioria dos aldeões o temia e temia sua companheira com chifres, mesmo ela sendo a mais inofensiva.

Por menor que fossem suas exigências, seriam provavelmente atendidas, já que o pessoal do vilarejo estava desesperado por ajuda.

— Aceitarei o contrato, mas precisarei de uma semana para me preparar. Vocês irão alimentar-nos até lá, nos fornecerão uma cama quente e irão satisfazer todas as nossas vontades, por menor que ela seja. Além de tudo, exijo respeito para comigo e minhas companheiras. Essa é minha condição.

Para os aldeões, as exigências de Colin soavam como zombaria, mas eles não tinham escolha. Ninguém era estúpido o suficiente para aceitar um trabalho dessa magnitude.

Eles temiam que ele não conseguisse vencer, mas trazer a cabeça do líder mercenário, andar com uma Fada, uma menina com chifres e se parecer com um Elfo Negro os convenceu.

No imaginário popular daquelas pessoas, Elfos Negros eram os maiores usuários de magia vivos, então, por que não confiar num grupo tão excêntrico como este?

O ancião concordou de imediato, mas se sentiu na obrigação de perguntar algo antes.

— Além de humanos… você já matou outras criaturas como goblins, certo?

Colin ergueu uma das sobrancelhas.

— Goblins? O demônio é um goblin?

Após matar lobos selvagens e mercenários, Colin julgou estar acima de um trabalho simples como matar goblins, já que julgou ser criaturas pequenas e fracas devido ao seu imaginário já concreto da criatura.

Colin aumentou a voz.

— Meia dúzia dos mortos de fome reunidos aqui conseguem matar goblins com enxadas e paus, este é o trabalho que tem para mim? Está brincando comigo, velho?

A multidão que os cercava se afastou um passo enquanto tremiam de medo.

— N-Não é isso, senhor Elfo — gaguejou o ancião. — Não são goblins, é realmente um demônio… e-eu só queria saber das suas experiências, a-apenas isso…

Colin cerrou o punho e golpeou a mesa de madeira, assustando ainda mais a multidão.

Paf!

— Você não precisa saber de merda nenhuma sobre mim ou minhas companheiras, quer a porcaria do demônio morto ou não?!

— C-Certo!

Assustado, o ancião estendeu sua mão trêmula o mais rápido que conseguiu. Seu dedo continuava a sangrar devido ao corte.

— Que os doze deuses da árvore-da-vida estejam cientes deste contrato, feito sobre sua bênção e meu sangue.

Colin apertou a mão do velho e raízes envolveram a mão de ambos enquanto runas pareciam engatinhar na pele de seus braços. Após brilhar intensamente, elas desapareceram. — Parece que fiz um trato com o diabo… — murmurou o velho.

Picture of Olá, eu sou Stuart Graciano!

Olá, eu sou Stuart Graciano!

Comentem e avaliem o capítulo! Se quiser me apoiar de alguma forma, entre em nosso Discord para conversarmos!

Clique aqui para entrar em nosso Discord ➥