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Ting!

Faíscas foram lançadas ao ar.

As unhas de Stedd cresceram a ponto de se parecerem com pequenas lâminas.

Eles haviam parado frente ao benfeitor Trunyson.

As unhas de Stedd estavam disputando força contra as lâminas de Colin.

De uma forma estranha, a multidão não parecia os enxergar em cima do palanque de mármore e, estranhamente, Colin enxergava tudo em preto e branco, como se estivesse em uma realidade alternativa.

— Ninguém está vendo essa estupidez que você está tentando fazer! — disse Stedd, que estava com as veias de suas mãos quase explodindo. — Usei minha habilidade da árvore do silêncio, então se controle!

Era a primeira vez que Colin se sentia tão sorrateiro daquela forma. Mesmo no meio da multidão e em cima de um palco, ninguém parecia os notar, nem mesmo a secretária que era um dos seres mais habilidosos daquele salão.

— Ninguém está me vendo, certo? Por que só não me deixa terminar o serviço? Tá com medo do imperador?

Stedd agarrou o pulso de Colin para que ele não fugisse, e atrás de Colin surgiu uma sombra que saiu debaixo dos pés do mesmo. A sombra assumiu a forma de Stedd, dando-lhe uma chave de braço por trás.

Aquele Stedd na frente de Colin se desmanchou como lama. Com a outra mão, Stedd encostou as unhas afiadas na jugular de Colin.

— Se controle, porra! — disse no ouvido de Colin. — Quer colocar suas amigas em perigo por ser idiota o bastante para tentar matar um oficial do império na frente de todo mundo?! Relaxa, você terá seu momento! Paciência e tempo sempre dão mais resultado que força e raiva!

Colin não se moveu.

Ele poderia tentar disputar força com Stedd, e até mesmo tentar lutar contra ele, mas Stedd era um assassino que conseguiu acompanhar sua velocidade. Sem contar que Stedd havia sido rápido demais para o tornar invisível e fazer com que nada disso estivesse acontecendo aos olhos da multidão.

No momento, ele não era páreo para Stedd.

— Eu entendi, não vou fazer nada. Agora me solta!

— Você dá sua palavra?

— Dou minha palavra, não farei nada, não aqui.

— É melhor mesmo, me ouviu? Não sou tão bonzinho quanto Anton ou Barone, se tentar me prejudicar, eu te mato!

Stedd tinha um ar brincalhão na maioria das vezes, mas ele estava falando sério. Ele soltou Colin e ele sentiu o braço. Massageou os ombros enquanto encarava Stedd.

Colin o observou bastante durante esse pequeno tempo que estiveram juntos. Barone era um usuário bastante habilidoso da árvore do silêncio, mas Colin sabia que Stedd estava vários níveis acima.

Eles se afastaram do palanque percebendo que a multidão se concentrava no homem lá em cima. Stedd desfez sua habilidade, saindo do meio da multidão.

Anton, Eilella, Loafe e Ardryk, o líder dos Elfos Negros, notaram que eles haviam desaparecido repentinamente e aparecido em outro lugar.

— Bem! — disse Trunyson exibindo um largo sorriso. Ele havia notado a pequena confusão que quase se iniciou lá em baixo — Quero dizer a vocês, meus caros alunos desta universidade, que este ano triplicarei os investimentos nos estudantes mais promissores. O imperador está a fim de formar mais guildas com gente talentosa!

Os alunos começaram a aplaudir e a se encarar mutualmente com olhares de felicidade, enquanto Colin e seu grupo continuaram neutros em relação a toda comoção.

Trunyson continuou.

— Como sabem, o império tem se expandido cada vez mais, e isso tem atraído mais terras, mais riqueza e mais pessoas em dedicar seu coração a pátria. Conversei com o diretor Hodrixey antes de sua viagem, e salientei que o evento das guildas que ocorrerá daqui a oito meses na capital, será o maior de todo continente, afinal, o povo de Ultan merece algo grandioso! Uma verdadeira festa de comemoração no maior evento universitário do país!

A comoção havia se iniciado mais uma vez.

Havia cochichos e conversas paralelas, todas enaltecendo Trunyson e principalmente o império de Ultan. Muitos deles vieram de famílias nobres e fingiam que não percebiam ao massacre de Ultan em relação a certas vilas, ao tráfico exacerbado de crianças órfãs que acontecia com o aval do império e aos estupros em massa das prisioneiras de guerra que ocorriam nas masmorras das prisões.

Isso não importava se Ultan estivesse crescendo e aqueles que estavam no topo eram os mais beneficiados disso.

Enquanto as engrenagens daquele império girassem conforme os grandes senhores quisessem, então nada seria feito para mudar a situação daqueles na base da pirâmide. Isso incluía trabalhadores comuns que não tinham títulos de nobreza ou algum status no império.

— Apenas aproveitem a festa, vocês são o futuro desta nação, o futuro deste império. Aproveitem! — Trunyson ergueu a taça para um brinde coletivo.

Furioso, Colin não aguentou ouvir tanta besteira e se retirou batendo os pés para fora do salão. Ele esbarrou em muitas pessoas e passou por um garçom apanhando uma garrafa de vinho. Deixou o salão indo para debaixo de uma árvore. Encostou nela e deu uma golada na garrafa.

No fim, estava furioso consigo mesmo, pois, ele não conseguia mudar absolutamente nada sozinho.

Ainda haviam inúmeros obstáculos pelo caminho.

Ele queria ficar mais forte, mas sentia que a diferença de poder entre ele e seus amigos no salão eram gritantes.

Colin deu mais uma golada no vinho e limpou a boca com as costas da mão. Olhou para a palma aberta de sua mão e cerrou seu punho. Arregaçou a manga do braço direito e encarou sua tatuagem. A tatuagem, branca como neve, ficava bastante evidente em sua pele morena. As marcas estavam diferentes, como se a tatuagem tivesse crescido.

“Que merda aquele velho colocou no meu braço?”.

Ele não tinha respostas para tais indagações no momento, então tapou sua tatuagem, descendo a manga e deu um gole na garrafa enquanto erguia um pouco a cabeça para observar a lua minguante que saía de trás das nuvens.

Diferente da terra, a Lua daquele mundo parecia bem próxima.

Ela era imensa, sem contar que outros planetas também estavam próximos. Eles não pareciam meras estrelas brilhando no horizonte, era possível vê-los a olho nu.

— Tudo bem? — perguntou Brighid encostando na árvore ao lado de Colin. — O que foi aquilo com Stedd?

Colin deu outra golada na garrafa de vinho.

— Não foi nada.

— Hum…

Ambos ficaram em silêncio, apenas observando a vastidão do infinito.

Brighid virou a cabeça encarando um Colin que mantinha seu olhar distante. Ela focou-se nos olhos dele e Colin a encarou de canto de olho.

— O que foi? Tem algo no meu rosto?

Brighid desviou o olhar e coçou a bochecha com o indicador.

— Não tem nada…

Dando outra golada na garrafa, Colin percebeu que Brighid estava estranha. Ela não estava tão brincalhona quanto costumava a ser, nem mesmo estava respondona ou tagarela como era de costume.

Diferente de antes, ela não conseguia o encarar nos olhos por muito tempo, nem ao menos o xingou uma única vez desde que ele voltou.

— Aconteceu algo? — perguntou ele dando outra golada na garrafa.

Brighid cruzou os braços e olhou para baixo.

— Sabe… — Ela fez uma pausa e Colin prestou atenção nela com o canto de olho. — Uma vez fiquei grande como agora, mas dessa vez é diferente… comecei a sentir coisas mais intensas quando fiquei maior, na verdade, começou antes disso… quando você me libertou daquela gaiola…

Esticando o braço, Colin ofereceu a garrafa de vinho.

— Bebe aí, vai te ajudar a se soltar.

Olhando para a garrafa, Brighid relutou um pouco, mas logo a apanhou, tomando um gole e fazendo cara feia, como se tivesse experimentado algo azedo.

— Minha nossa! Como consegue beber algo assim?

— Me acostumei, eu acho…, mas o que estava dizendo?

Brighid deu mais uma golada, mesmo odiando o gosto e voltou seu olhar para a relva baixa que cercava aquela árvore.

— Passei um tempo observando as relações humanas, apesar de já ter uma ideia de como elas funcionam. É um pouco difícil de explicar isso, mas… nem mesmo em todo tempo que passei com as fadas, ou com os… — Ela fez uma pausa. — Bem, nunca consegui sentir isso por nenhum deles…

Colin ergueu uma das sobrancelhas.

— Sentir o quê?

Brighid, dessa vez, bebeu por mais tempo e acabou com todo o vinho. Os olhos dela estavam marejados. Ela soluçou uma única vez e logo depois deu um arroto.

Engolindo em seco, Brighid tomou a iniciativa e avançou em direção a Colin, colocando-se diante dele e mergulhando profundamente em seus olhos.

Uma leve coloração ruborizada se espalhava por seu rosto, uma combinação da bebida consumida anteriormente e da tensão do momento.

Colin percebeu a proximidade entre eles, com apenas centímetros de distância separando seus corpos. Seus olhos percorreram cada detalhe do rosto de Brighid, fixando-se nos lábios que possuíam uma perfeição cativante.

Ele admirou seus olhos, capturando a beleza radiante que Brighid emanava naquele instante. No entanto, para surpresa de Brighid, Colin permaneceu impassível, sem proferir uma única palavra ou demonstrar qualquer reação visível.

Seu semblante continuava imperturbável, mantendo a mesma expressão séria e austera de sempre. Brighid, um tanto desapontada, abriu a boca na intenção de dizer algo, mas as palavras pareciam presas em sua garganta.

Em vez disso, ela desviou o olhar momentaneamente, apenas para retornar com uma intensidade ainda maior, fixando seus olhos nos olhos de Colin com determinação, buscando qualquer sinal de reciprocidade ou emoção que ele pudesse revelar.

— Eu… ia dormir pensando em você… suplicava para os deuses todas as noites para que você ficasse bem logo. Isso é um pouco louco, porque você é o primeiro ser que me fez sentir algo assim. Já vivi bastante tempo, conheci tantas pessoas e seres diferentes, mas quando penso que você não viverá tanto tempo quanto eu, sinto um aperto no peito e… fico um pouco desesperada sem saber o que fazer…

Brighid colocou uma mecha do cabelo para trás da orelha e se aproximou mais um pouco.

Ela desfez os braços cruzados, deixando a guarda totalmente aberta.

— Desculpa se eu estiver divagando demais, é que eu precisava te perguntar uma coisa… O que sente por mim?

Colin ficou em silêncio.

Ele colocou as mãos no bolso e tornou a encará-la.

A fada não deixava margem para dúvidas: sua beleza estava muito acima da média. Seu corpo era esculpido com perfeição, e sua personalidade gentil e cativante contrastava com sua tendência a falar incessantemente.

Colin sentia uma mistura de preocupação e atração por ela, e aos poucos a imagem de uma fadinha irritante que antes povoava sua mente começou a desvanecer.

Ao longo do tempo, Colin havia percebido os avanços constantes da fada em direção a ele, desde os tempos em que ela era apenas uma pequena fadinha.

Ele começou a suspeitar dos verdadeiros motivos por trás de sua pergunta, consciente de que suas expectativas poderiam não ser correspondidas da maneira que ela esperava.

Embora sentisse um certo receio em não atender às suas expectativas românticas, Colin sabia que precisava ser honesto consigo mesmo e não corresponder apenas por obrigação.

— Gosto de você, acredito que posso dizer só isso no momento… e você, o que sente por mim?

Brighid desviou o olhar.

— E-Eu… bem… eu…

Embora desejasse profundamente expressar seus sentimentos, ela se viu incapaz de proferir uma única palavra.

O rubor em suas bochechas tornou-se ainda mais intenso, revelando sua timidez e constrangimento.

Sentindo-se vulnerável, ela deu dois passos para trás, afastando-se dele, e cruzou os braços em um gesto de autodefesa.

A mistura de emoções — a vontade de se abrir e o medo da rejeição — criou um impasse dentro dela, deixando-a em silêncio e com a frustração estampada em seu rosto.

— A-Acho que vou pro dormitório, estou um pouco cansada…

— Se quiser, te acompanho…

Brighid observou Colin atentamente, seus olhos percorrendo cada centímetro do corpo dele. Estariam sozinhos no dormitório, sem ninguém por perto, o que despertou uma série de pensamentos e fantasias em sua mente.

As cenas das novelas que ela costumava ler vieram à tona, e ela se viu imaginando intensamente Colin a segurando pela cintura, beijando seus lábios e explorando seu pescoço.

Até mesmo pensamentos mais íntimos passaram por sua mente, algo completamente novo para ela.

Essas fantasias eram inéditas para Brighid, e ela ficou surpresa com sua própria imaginação. Por um instante, desejou que Colin estivesse a bordo com suas fantasias, queria que o que ela imaginara se tornasse realidade. No entanto, ela optou por rejeitar esses pensamentos por enquanto.

Sentia que ainda não estava pronta para explorar essas intimidades com ele, acreditando que precisavam se conhecer melhor antes de avançar para algo tão íntimo.

Brighid estava determinada a enfrentar essa situação, mas tinha uma condição: ela só estaria disposta a passar por isso se Colin concordasse em passar o resto de sua vida com ela, seguindo a tradição e cultura das fadas.

— Na-Não precisa! — Ela entregou a garrafa vazia para Colin.

Segurando a borda do vestido, Brighid se afastou ligeiramente, deixando Colin sozinho debaixo da árvore segurando uma garrafa vazia.

— O que deu nela?

Colin caminhou de volta para dentro da festa.

Encontrou um ambiente um pouco vazio. Os alunos estavam começando a ficar bêbados e a maioria dos casais se retirou após tomar uma taça ou duas.

O grupo de Stedd continuava lá, com o próprio Stedd os entretendo enquanto gargalhava alto. Colin se sentou na mesa e prestou atenção no que Stedd falava.

Ele parecia um pouco bêbado.

Entre meias verdades, Stedd contava dos assassinatos que cometeu quando tinha por volta dos seus 4 anos. Ele era um aprendiz, então houve alguns assassinatos que deram errado. Seu pai era bem rígido com ele em relação a falhas, mas isso o ajudou a ser excelente no que ele faz hoje.

Safira havia notado que Colin havia retornado sozinho, ela viu Brighid indo atrás dele logo depois que saiu.

— Brighid não veio com você?

— Não. Ela disse estar cansada e foi pro dormitório.

Safira apenas assentiu, mas achou estranha a reação da amiga. Brighid passou muitas noites e claro pensando em Colin, talvez com ele vivo e bem, Brighid pudesse finalmente descansar, ao menos era isso que Safira pensava.

— Quero te pedir desculpas… O cara que ordenou o massacre do seu vilarejo… não consegui fazê-lo pagar…

Safira exibiu um sorriso simpático.

— Não precisa se preocupar com isso agora. Matá-lo na frente de todo mundo não seria uma boa decisão…

“Quando foi que ela ficou tão madura?”

— É, você tem razão.

Deixando Brighid um pouco de lado, Colin começou a observar sua turma que prestava atenção nas histórias hilárias de Stedd, e logo seus pensamentos o levaram para o grande torneio de Guilda mencionado mais cedo.

Stedd havia anunciado como se eles já fossem um grupo, mas aquilo não era verdade. Eles não passavam de um bando de, no máximo, conhecidos.

— Ei! — Colin interrompeu a história de Stedd na melhor parte. — Querem fundar uma guilda?

Todos ficaram em silêncio por um instante. Eles já flertavam com a ideia minutos atrás, mas ouvir isso da boca de Colin não deixava de ser uma surpresa.

— Tá! — disse Elhad. — E quem diabos será o líder, você?

— Acredito que Stedd daria um líder melhor do que eu.

— Nada disso! — disse Stedd apoiando os pés na mesa enquanto gangorreava na cadeira. — Ninguém aqui é bom o suficiente para liderar, mas ninguém nasce sabendo, não é mesmo? Safira e Brighid seguem o que você diz, certo? Uma monarca ouve o que você diz, então, quem melhor para liderar do que você?

Sashri pigarreou.

— Caso não saiba, Stedd, precisa ser nível 5 na árvore primária para que se junte a uma guilda, e os únicos aqui que são isso no momento, somos eu, Elhad, a Monarca e você. Com um pouco de treino, a quatro-olhos, o pivete e a garota de chifres conseguem alcançar isso bem rápido, mas o Colin… ele é só nível dois, e você sabe que usuários dessa árvore podem levar anos para alcançar o nível 5. Colin não pode ser o líder. Não agora.

Embora não quisesse concordar, o que Sashri disse foi verdade.

No momento, Stedd era sem dúvidas a pessoa mais capaz de liderar. Apesar de ser alguém tão imprudente quanto Colin, suas decisões e escolhas eram bem mais pensadas. Stedd não tinha dúvidas de que Colin tinha, sim, as habilidades necessárias para liderar, mas lhe faltava alto controle.

— Certo! — disse Stedd, soando bastante confiante — Faremos o seguinte, então, enquanto Colin não puder exercer sua função, eu estarei em seu lugar, mas será algo temporário. Administrar uma guilda não é nada fácil, mas se formos bem sucedidos, então nossas vidas estarão feitas bem rápido.

O salão começou a se esvaziar rapidamente, deixando somente aqueles bêbados demais ou casais que começaram a aproveitar o espaço vazio para se pegarem ainda mais intensamente.

— Safira! — Stedd apontou-lhe o indicador. — Você vai treinar com Elhad. Ele é um elfo que conhece bem a arte da espada e ele é um melhor professor que eu. Colin, Alunys e Kurth, vocês precisarão de uma mãozinha a mais. Existem algumas excursões que o próprio imperador autoriza para fora da capital. Dura no máximo uma quinzena e dá para aprender bastante atuando diretamente em campo. Se me lembro bem, a próxima excursão é daqui a uma semana. Dá para inscrever vocês nela se quiserem.

Alunys foi pega totalmente de surpresa.

Ela não era uma guerreira, apesar de ser nível 4 em sua árvore primaria. Suas habilidades se concentravam mais em línguas antigas e magia básica.

Sua surpresa e espanto era devido à excursão.

Havia relatos que essas caravanas eram atacadas regularmente por bandidos, mesmo que carregassem as bandeiras do império. Eram raros, mas havia casos onde os estudantes dessas excursões eram assassinados quando pegos em emboscada.

As excursões não tinham muita segurança, pois os próprios estudantes costumavam realizar a segurança já que tudo servia como um grande treino de campo. Stedd e os outros nem ao menos perguntaram-na se ela queria fazer parte da guilda, mas isso não foi algo que a preocupou. No fundo, ela estava feliz de ser incluída em algo assim, de estar perto de pessoas tão fortes e notórias.

— Por mim tudo bem! — disse Kurth. — Estou precisando mesmo treinar um pouco. E quanto a você, Alunys?

Todos da mesa olharam para ela. Envergonhada, ela encolheu os ombros e apenas fez que sim com a cabeça.

— Tem certeza? — perguntou Colin percebendo o desconforto — Não precisa se não quiser.

Alunys abanou uma das mãos e abriu um sorriso.

— Tá tudo bem, eu quero…

— Então tá tudo certo, né? — Stedd bateu palmas e depois apanhou a garrafa de vinho. — Vou cadastrar vocês na próxima excursão e desejo-lhes boa sorte. Agora descansarei um pouco. Vocês deviam fazer o mesmo.

— Eu também tenho que ir — disse Elhad erguendo-se. — Safira, né?! Esteja acordada uma hora antes das aulas iniciarem. Nosso treino começa cedo.

— Mas já? — perguntou ela com certa insatisfação.

— Quer ficar forte?

— Sim…

— Então encerramos nossa conversa por aqui.

Stedd, Sashri e Elhad se retiraram, todos simultaneamente.

— Também vou nessa — disse Kurth se erguendo da cadeira. — Amanhã temos aula, Senhor Colin, não se esqueça disso.

— Não esquecerei, boa noite, garoto.

Kurth assentiu. Encarou Alunys e depois encarou Safira com um sorriso. 

Ela retribuiu. 

Foi algo discreto, mas Colin percebeu.

Safira, Alunys e Colin continuaram ali por mais um tempo, comendo e jogando conversa fora. Safira contava das suas aulas que teve enquanto Colin estava em coma, e em algum momento a conversa se concentrou em Alunys. Ela acabou falando um pouco de casa. Falou da família e em como ela sentia saudade de sua terra longínqua.

Sua vila natal ficava na fronteira de dois reinos élficos. Era um lugar bastante pacífico se considerassem a guerra que incendiava todo o continente ininterruptamente.

Sua família era agricultora, viviam do que à terra podia prover e nunca haviam sequer aprendido a pegar em uma espada. O pai de Alunys sempre quis o bem para sua filha mais velha de cinco irmãs. Então, arcou com a despesa alta da universidade para que ela pudesse ter um futuro próspero em alguma corte imperial ou se casasse com algum senhor rico que se interessasse por ela mesmo com suas deficiências.

Após sentir que todos a tratavam diferente, Safira e aquele grupo estranho de desajustados não a olharam feio nem a julgaram, pelo contrário, a trataram tão bem que ela se sentiu em casa novamente.

— Garotas, o papo tá bom, mas é melhor a gente ir dormir.

— Concordo! — disse Alunys — Amanhã temos aula cedo e Safira precisa treinar, né?

— Humpf! Nem me lembre…

— Vamos! — Colin se ergueu. — Acompanho vocês.

Na volta, os três continuaram rindo alto enquanto passavam ao lado de jardins e casais apaixonados trocando carinho em bancos.

Colin não estava com o rosto tão sério como de costume. Ele ria bastante das histórias que Safira continuou contando na volta, e até mesmo Alunys, que antes estava mais acuada, havia se conectado mais com os dois.

Enfim, haviam chegado no prédio semelhante ao dormitório masculino.

— Bom, vou indo agora, se cuidem, as duas. — Colin se virou de costas e sacudiu uma das mãos dando tchau.

Apesar de ter encontrado com o principal homem de ter feito seus primeiros dias nesse mundo um verdadeiro inferno, ele estava satisfeito. Seus pensamentos se remetiam muito ao que Stedd havia lhe dito: “Paciência e tempo sempre dão mais resultado que força e raiva”.

Colin não estava mais sozinho, suas ações respingariam em todos os membros de seu grupo. Ele tentaria ser menos impulsivo, afinal, ele agora tinha bem mais coisas que se importava.


No quarto, gêmeos, um garoto e uma garota, liam livros antigos debaixo de uma coberta, iluminados por um pequeno orbe de luz.

O livro: Para lá das fronteiras de Ultan, instigavam sua imaginação da mesma forma que um copo d’água instiga alguém com sede a dias a tomá-lo.

O garoto, com os olhos brilhando, observava as gravuras desenhadas a mão com um capricho rico em detalhes. Eram imagens de cidades, pessoas, monstros e todo tipo de fauna e flora que ele não fazia ideia que existia.

A garota, por outro lado, estava bastante cética em relação a tudo aquilo escrito no livro. Com uma visão mais pragmática, ela só acreditava naquilo que via em sua frente.

— Não é incrível, Liena? Existem todos esses monstros quase no quintal de casa.

A garota virou a página, observando uma gigantesca serpente branca devorando um cavalo.

— É sério que você acredita que coisas assim existam?

O garoto, de cabelo preto timidamente cacheado, encarou a irmã.

— E você não? Lumur me disse que os livros nunca mentem!

— Você sabe que o próprio Lumur é um mentiroso, por isso papai ainda não fez dele o próximo imperador, mesmo ele sendo nosso irmão mais velho.

— Não devia falar assim do nosso irmão, ele nos ama, sabia?

— Também o amo, mas isso não esconde que ele é um mentiroso.

O garoto deu de ombros.

— É, você tem razão. — Ele fechou o livro e o colocou de lado, encarando a irmã de cabelo longo preto, no fundo dos olhos azuis. — Vai dizer que você não tem vontade de comprovar tudo que a gente lê?! Sair por aí conhecendo gente nova, raças diferentes, monstros diferentes… não tem vontade disso?

Liena encolheu os ombros e seu semblante se entristeceu por um instante.

— Você sabe que tenho vontade, mas o papai nunca deixaria a gente sair do castelo. Se colocarmos os pés para fora, todos os guardas irão nos trazer de volta para casa.

O garoto jogou a coberta de lado e se levantou da cama, indo para uma estante de livros que o orbe mal conseguia iluminar.

— Acho que guardei aqui em algum lugar…

Ele passou os olhos pelos livros e apanhou um livro tão velho que as páginas estavam bastante desgastadas. Retornou para a cama jogando o livro para a irmã que o apanhou e o abriu devagar, retirando alguns documentos de dentro dele.

Atenta, Liena passou página por página, lendo cada palavra com uma calma divina enquanto seu irmão a observava com seu semblante ansioso de sempre.

— Isso são registros de excursões?

— Isso! — disse o garoto em tom comemorativo.

Liena olhou para os registros novamente e depois olhou para o irmão.

— Espera… você não está ponderando sair escondido em uma dessas caravanas, está? A gente sequer pisou fora do palácio antes, os livros dizem que este mundo é bem hostil e consegue ser brutal de várias formas, principalmente com garotas bonitas como eu.

Em um safanão, o garoto apanhou os papeis da mão dela e os guardou novamente no livro.

— E o que aconteceu com a história do, “Não acredito no que os livros dizem?”

— Não é que eu não acredite, eu só… qual o seu plano? A gente sairá por aí e simplesmente isso? Sabe que o papai daria uma bronca na gente, não sabe?

— Pelos Deuses, Liena, já temos 16 anos, papai não pode nos manter presos aqui para sempre. A próxima caravana partirá do castelo daqui a alguns dias. O trajeto será ida e volta. Ela passará próxima às masmorras de Elbumur, se a gente for esperto, dá para ver algum animal interessante.

Em comparação ao irmão, Liena continuava relutante, porém, intrigada com a possibilidade de ver algo que não fossem muros ou soldados que eram obrigados a tratá-los bem, caso contrário, teriam um encontro nada agradável com o machado do carrasco.

— Temos quanto tempo até papai se dar conta do sumiço? — perguntou ela.

— Algumas horas, depois ele vai emitir um chamado ou algo do tipo, deixarei uma carta escrita dizendo os nossos motivos, ele entenderá. Devemos voltar em alguns dias junto a caravana. Ninguém além dos poucos guardas que fazem nossa segurança tem ciência de nossa aparência, então não será difícil se camuflar entre as pessoas.

— Então a gente vai mesmo fazer isso? — ela indagou. — Continuo julgando ser uma péssima ideia, mas quero tanto ir que estou começando a ficar ansiosa. Loaus, estou contigo nessa!

— Como sempre?

— Sim, como sempre! Mas como despistaremos os guardas?

— Ah! Isso você pode deixar comigo.

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Olá, eu sou o Stuart Graciano!

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