Segunda-feira — 25 de fevereiro de 1957
Eram 7h30min, quando João e seus colegas da Essência de Chocolate estavam reunidos em torno de uma mesa com um semblante muito mais sério que o comum.
Todos pareciam focados, pois, depois de tantos dias, finalmente começariam as transmissões da rádio para todo o centro de São Paulo.
O fiscalizador havia passado na emissora na semana anterior e, graças ao carisma do grupo e o recinto preparado para as iniciações dos trabalhos, conseguiram a permissão para se tornarem uma emissora oficial.
Mesmo conquistando essa vitória, os membros continuavam ansiosos. Seria a partir de agora que eles mostrariam suas habilidades.
Sarah, que estava colada ao corpo de João, demonstrava maior preocupação entre os outros, que continuavam em silêncio esperando os trabalhos começarem.
Ana, uma mulher alegre e enérgica, se mantinha completamente calada, suando frio, e sua expressão mostrava o quão pensativa e assustada a loira estava.
Gabriel era o único aparentemente despreocupado, sentado de forma qualquer tentando ficar na posição mais confortável possível, mas também se mantinha quieto.
Até Willian e Caio, que costumavam passar uma sensação de calma e descaso das coisas, estavam silenciosos, sem esbanjar nada.
João também não dizia nada, apenas acariciava o cabelo tingido da jovem ao seu lado.
O tempo passava e nada era dito ao redor da mesa, só era possível ouvir respirações um pouco ofegantes de Sarah que contaminavam o primeiro andar.
Se passou mais um tempo, quando o céu estava tão claro quanto um véu branco, que o homem de suspensório decidiu falar:
— Pessoal, daqui a trinta minutos, nós iniciaremos nossa primeira transmissão.
— Sim… — disse Ana olhando para o nada.
— Hoje é o dia de mostrarmos para essa cidade quem é a Essência de Chocolate, então deem o seu melhor.
Todos continuaram calados, deixando o chefe um pouco irritado.
— Já passamos uma hora sem falar nada, não tem como vocês estarem tão ansiosos assim!
— Não estou muito preocupado. Na verdade, só estava respeitando o silêncio de vocês. — Gabriel respondeu se levantando.
— Como você consegue, Gabriel? — Ana perguntou.
— É o que Caio disse, é nossa primeira transmissão, não há motivos para ficar tão preocupado.
— Gabriel, é exatamente por esse motivo que estamos preocupados — exclamou Willian.
— O homem mais frio do mundo está preocupado, haha, Você desceu o seu nível, hein?
— Você realmente vai tirar com a minha cara agora?
— Calma, calma. Não precisamos fazer um alarde.
— O que estava querendo dizer, Gabriel? — indagou o chefe do grupo.
— Vocês estão muito preocupados com tudo dar certo hoje. Apenas façam o que sabem fazer.
— M-mas, Gabriel, se formos mal, nós… — Ana foi interrompida.
— Essa é a questão, nós não iremos mal.
— O-o quê? — Sarah perguntou assustada.
— Não acho que iremos bem também, haha!
— Nós não estamos te entendendo, Gabriel… — afirmou João.
— Que droga, não entenderam ainda?! Só sejam vocês mesmos!
— Vai começar com esse papo motivacional agora? — Willian perguntou.
— Olha, nós confiamos no trabalho uns dos outros, não? Sabemos que não vamos ir tão mal quanto estão imaginando.
— Bem…
— Só precisamos relaxar e trabalhar como trabalhamos nos outros dias. É o famoso “arroz com feijão”, não tem erro!
— Mas, e se decidirem cancelar as nossas transmissões?! O que vamos fazer? — a loira questionou aterrorizada.
— Acha mesmo que vão cancelar nossas transmissões logo depois da primeira? Se fosse para ser assim, o fiscalizador nem viria e pouparia o seu tempo.
— É… faz sentido.
— E, vamos lá, pessoal! Se o fiscalizador gostou da gente, por que os outros não gostariam? Fiscalizadores são conhecidos por serem… igual o Willian.
— Ei!
Depois dessa frase, todos deram uma singela gargalhada. Gabriel conseguiu melhorar o clima, deixando-o ameno e sem mais preocupações. Willian ficou dando bronca na Ana que não parava de rir da piada do louro, Caio voltou a se manter quieto, mas demonstrando um pequeno sorriso, e Sarah continuava rindo junto com João enquanto abraçava seu braço.
Faltando poucos minutos para a transmissão, todos se reuniram dentro do estúdio. Gabriel e Sarah estavam juntos na sala de gravação, enquanto Ana, Willian, Caio e João ficaram do lado de fora com os aparelhos.
— Lembrem-se, sejam vocês mesmos! — Caio gritou do lado de fora.
— Pode deixar! — Ambos responderam.
Ana iniciou a transmissão, a primeira transmissão da emissora. João não conseguia se segurar de tanta alegria e esbanjava sua felicidade com seu grande sorriso no rosto, que, junto com as palavras de Gabriel, contagiaram todos os membros com positividade.
Gabriel, o locutor da rádio, abriu a transmissão dizendo:
— Bom dia, meus caros ouvintes de São Paulo, esta é a nova emissora da região central da cidade, “Rádio EC”, a emissora que adoçará o seu dia a dia! Sejam muito bem-vindos e aproveitem o dia aqui, na rádio 66.6!
Às 21h30min, os membros estavam brindando uma taça de vinho no primeiro andar. Depois de tanta espera, eles completaram sua primeira transmissão na rádio.
— Cara! Esse primeiro dia foi incrível! — João afirmou animado.
— Eu disse, era só a gente fazer o que sabe que daria certo! — respondeu Gabriel que logo depois deu um gole em sua taça de vinho.
— Honestamente, não sabia que você tinha uma voz tão bonita, Gabriel! – Sarah exclamou.
— Ah, se minha voz não fosse bonita, não estaria aqui né, haha!
— Acreditava que o Caio havia te encontrado num cesto de lixo, estou impressionado — afirmou Willian também tomando um gole de vinho.
— O que disse?! Literalmente salvei esse primeiro dia e você está caçoando de mim?! — Gabriel gritou de raiva.
— Calma, Gabriel, foi só uma piada. E você podia ser mais educado, né, Willian? — Ana perguntou enquanto encarava Willian.
— Tá bom, não irei repetir… eu acho.
— Bom mesmo! Agora que começamos a trabalhar de verdade, nós precisamos ter uma relação amistosa e… — Ana sentiu o braço de Willian em volta de seu pescoço e ficou vermelha. — O-o-o que é isso?!
— Não gostou? — o afro questionou com um sorriso de canto.
— Que casal fofo, haha! — Sarah exclamou enquanto ria.
— O-o quê! Ei, Sarah! — Ana olhou para a jovem com uma expressão envergonhada. — Aposto que o Caio não aceita isso, não é, chefe?
— Ei, não passe essa bomba para mim! – O de suspensório afirmou. — Não me importo que vocês se relacionem, só não prejudiquem o trabalho de ambos.
— Viu, Ana, o Caio aprovou. — Willian terminou mexendo no cabelo loiro da mulher, que demonstrava mais vergonha ainda.
— W-Willian…
— Já podemos marcar o casamento de vocês? — João perguntou num tom de deboche.
— Primeiro, precisamos juntar dinheiro dos patrocínios, João — respondeu Caio.
— D-DO QUE VOCÊS ESTÃO FALANDO??!!
— Serei o padrinho de vocês, né, Ana? — Gabriel indagou colocando sua taça sobre a mesa.
— Nem brincando, você mataria nossos filhos. — Willian respondeu debochadamente.
— WILLIAN!!!
— Calma, Ana, é brincadeira, haha!
— Acho que o vinho está batendo em todo mundo, hehe! — Sarah cochichou para João.
— Se tivesse, você já estaria caída no chão — o rapaz respondeu enquanto girava a taça.
— Não bebo tanto assim, ok?!
— Sei, sei. Mas pode aproveitar que estamos comemorando e beber até dizer chega!
— E se eu desmaiar? Nem sei o que aconteceria comigo…
— Na verdade, você já desmaiou! — Ana respondeu.
— Ana!!
— Está tudo bem, Sarah, se você desmaiar, te levo para casa, haha! — João exclamou em meio a risadas, deixando a jovem constrangida.
— Então é isso! Todo mundo está liberado para beber! — a loira gritou enquanto se servia de mais vinho.
— Era eu que deveria liberar, Ana… — exclamou Caio após um suspiro.
— Deixa, Caio. Quando se trata de bebida, ninguém para ela… — Willian pega a garrafa de vinho da mão de Ana que faz cara de choro.
Todos estavam rindo e se divertindo naquela noite, nem parecia que tiveram que trabalhar por mais de dez horas antes. João analisava aquela cena com um pequeno sorriso no rosto, demonstrando alegria por estar lá, junto com eles.
De repente, o jovem sentiu um toque em seu ombro e, ao olhar para trás, viu Sarah com um sorriso alegre passando seu cabelo para trás. Particularmente naquele momento, a garota trajava um vestido mais longo e estava sem os seus acessórios, como se estivesse preparada para um encontro.
Imediatamente, ele se levantou e pegou seu sobretudo no balcão. Enquanto se vestia, Gabriel percebeu e perguntou:
— Aliás, parece que temos outro casal de pombinhos na emissora, né?
— Percebi — disse Willian. — Aparentemente, não é só nós que estamos aproveitando o amor, não é, Ana?
— O-o que você está querendo dizer, seu idiota?!
— Não se faça de desentendida, hehe! — Willian sorriu para a loira que desviou o olhar envergonhada.
— Eca, parece que vocês só sabem namorar…
— Pelo jeito, seremos sozinhos para sempre, Gabriel… — Caio murmurou enquanto terminava seu vinho.
— Ah, deixem disso, todo mundo tem sua alma gêmea e vai encontrá-la um dia — afirmou Sarah enquanto pegava sua bolsa. — Acontece que eu já encontrei a minha!
— Você me superestima muito, Sarah — João disse passando a mão no cabelo de Sarah.
— Você que se subestima. — Sarah deu um selinho em João.
— Ui, que indecentes! Poderiam fazer isso sem estar na nossa frente? — o loiro perguntou.
— Vão acabar deixando algumas pessoas com inveja — Caio completou encarando Willian e Ana que ficaram envergonhados.
— Bem, nós vamos sair mesmo, boa noite pessoal! — Sarah acenou enquanto saia da emissora junto com João.
— Boa noite, pessoal. Até amanhã! — João também acenou para todos.
— Até! – Todos responderam o gesto.
João saiu da emissora avistando Sarah o esperando, ela ajeitou o sobretudo do jovem e rapidamente o puxou para mais um selinho, deixando-o vermelho.
A moça deu sua mão para o de sobretudo que a segurou firmemente, e ambos saíram da emissora caminhando pelas frias ruas de São Paulo.
