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Segunda-feira 11 de fevereiro de 1957 São Paulo Brasil 

João acordou mais cedo que de costume, e para isso havia um motivo: na noite anterior, ele foi convidado a fazer uma entrevista de emprego numa emissora de rádio novata localizada a poucos quilômetros de distância do edifício onde morava. 

Sentado na cama de seu quarto, o jovem passava e repassava respostas prontas que havia pensado para algumas questões-chaves que poderiam perguntar na entrevista, e enquanto treinava, vinha em sua cabeça tudo o que teve que enfrentar até chegar naquele momento. 

Toda a adaptação, os trabalhos de meio período, a dificuldade para achar uma moradia… Enfim, todo esse esforço passado tinha dado frutos e João tinha certeza de que iria colhê-los e aproveitá-los bem. 

Às 6h ele finalmente decidiu parar de treinar e foi para cozinha preparar uma boa xícara de café, pois mesmo que estivesse animado, o baque de acordar de madrugada também era grande. 

Após preparar a bebida, João tomou um gole rapidamente, o que causou uma leve queimadura em sua língua. Mesmo que estivesse irritado no momento, o jovem pensou que a pressa era inimiga da perfeição. Então, suspirou longamente e bebeu um copo de água para amenizar a dor. 

Passou um tempo até que finalmente chegou a hora de sair de seu apartamento. João trajava um sobretudo preto, herdado de seu avô, sobre uma camisa branca abotoada, e uma calça social bege, além de um par de sapatos de couro preto. 

O homem tinha cabelos curtos e pretos, e olhos castanhos, escondidos por suas olheiras profundas, o que o deixava com uma aparência envelhecida, por mais que fosse jovem. 

Desceu as escadas até a recepção do prédio, onde encontrou uma senhora com aproximadamente 65 anos, que era a proprietária e recepcionista do prédio. 

— Bom dia, João, o que faz acordado tão cedo novamente? Vai ficar velho rápido desse jeito, hein! 

— Que nada Dona Maria, eu ainda sou jovem e saudável! 

— É assim que tem que pensar, garoto. Mas, para onde vai vestido desse jeito? 

— Bem, eu consegui uma entrevista de emprego numa emissora nova aqui perto, e tenho que chegar lá o mais rápido possível! 

— Oh, pelo jeito está dando tudo certo para você né? 

— Sim senhora. Depois de tanto esforço, finalmente consegui me candidatar a uma vaga de emprego decente! 

— Ainda não garoto, você tem muito o que fazer antes de comemorar, e se eu fosse você, não perderia tempo conversando comigo, hehe! 

— Opa, é verdade! Melhor me apressar. Até mais tarde Dona Maria! 

— Vá com Deus, garoto! 

O jovem acenou para a velhota, deixando-a irritada ao passar pelo portão e deixá-lo aberto. 

Enquanto corria, olhava no bolso de seu sobretudo procurando dinheiro para pagar a passagem do ônibus. Assustou-se ao perceber que não havia nada, e que teria que seguir a pé. 

Sem ter noção de onde a emissora ficava, entrou em desespero. Já havia passado alguns minutos desde que saiu de casa e o jovem estava com a impressão de que iria se atrasar. 

Naquele momento ele estava em uma praça com poucas pessoas, a maioria, senhores de meia-idade lendo jornal ou jogando damas, e o que sobrou para João foi perguntar onde ficava a emissora. 

Logo descobriu o caminho, quase no horário da entrevista. 

Antes mesmo de deixar a praça, João foi puxado firmemente pelo sobretudo. Virou-se já pronto para dar um sermão em quem o estivesse impedindo de correr, e se deparou com uma pequena garota ruiva vestida com uniforme de escoteira. 

Seus cabelos eram longos, presos em duas lindas tranças, enquanto a roupa, em tons de bege, tinha uma faixa verde com poucos broches. A menina, bem assustada, trazia uma sacola com diversas caixas de biscoitos de chocolate. 

João analisou a situação que se encontrava e perguntou grosseiramente: 

— O que você quer garotinha? 

— B-bom d-dia senhor. V-você se importaria de c-comprar algumas c-caixas de biscoitos? — perguntou recuando. 

— Olha, minha jovenzinha, infelizmente não poderei comprar essas coisas aí, estou MUITO atrasado e não posso perder nem mais um segundo! — João exclamou em tom ameaçador, já que entendia que aquela era uma oportunidade única que ele não podia desperdiçar. 

— M-mas… — A garota foi interrompida. 

— Eu também não tenho dinheiro, ok? Então eu não posso fazer nada por você, me desculpa! 

Virou-se rapidamente para continuar seu trajeto, mas antes de dar o primeiro passo, ouviu um baixo soluço, e ao dar meia volta, percebeu a escoteira chorando silenciosamente e limpando as lágrimas com as costas da mão. 

Com um grande peso na consciência, o homem aproximou-se da ruivinha e perguntou de forma calma: 

— Desculpe-me se te assustei… Qual é o seu nome? 

— M-meu n-nome é Rosa, s-senhor — respondeu. 

— Olha, eu não tenho dinheiro agora e estou muito ocupado, então não posso comprar seus biscoitos. — Ao dizer isso, viu a jovem cabisbaixa segurando o choro. — Mas amanhã prometo que irei comprar, ok? 

Após ouvir essa frase, Rosa levantou a cabeça rapidamente, e, mostrando um ar totalmente diferente, pareceu bem mais alegre e animada. 

— Sério?! Você promete?! 

— Claro que sim! E olha que quando prometo, cumpro, hein? 

João estendeu sua mão com o seu dedo mindinho levantado, propondo um acordo com a vendedora de biscoitos, que entrelaçou rapidamente o seu mindinho no do novo cliente. 

— Que horas você vai estar aqui amanhã? 

— Estarei aqui às seis e meia, senhor! 

— Certo. Nesse horário, aqui, amanhã, estarei pronto para comprar seus biscoitos! 

— Sim, senhor! — Rosa prestou continência e virou-se para ir embora. — Até mais, senhor! 

Antes que pudesse continuar o seu caminho, ele ouviu um grito vindo da garotinha: 

— Ei, qual é o seu nome?! 

— Meu nome? É João Simão! 

— Hahaha, que nome engraçado! Tchau, João! — Acenou com a mão, afastando-se com um grande e belo sorriso no rosto, o que deixou o rapaz feliz enquanto ia para a emissora. 

João finalmente chegou ao local, um recinto simples com dois andares. Sua pintura externa era completamente marrom e suas janelas eram pintadas de branco. No alto estava escrito “Essência de Chocolate” com alguns desenhos de cacau ao redor. 

Olhando para a janela do primeiro andar, João percebeu, logo de cara, que aquele lugar antigamente foi um bar, já que era possível ver algumas mesas rodeadas por banquetas, um balcão e uma adega. 

Tocando na porta, notou que já estava aberta, e apenas encostada. Ficou um tempo parado na frente da emissora pensando se entraria ou não até que, repentinamente, sentiu algo batendo fortemente nas suas costas, o que o assustou. 

Virou-se e viu um amontoado de caixas cheias de equipamentos, que ao caírem no chão, revelou uma linda jovem, com um estilo não tão atraente para época, mas que acabou o impressionando. 

Ela media por volta de 1,60 cm de altura, e usava um curto vestido marrom, acima dos joelhos, um par de sapatilhas pretas e diversos acessórios. Os mais perceptíveis eram um par de brincos pretos em forma de pentagrama e uma gargantilha preta com um coração no meio. 

Outra coisa que ficava bastante à mostra nela era o seu cabelo curto tingido de rosa, que junto com as vestimentas, passavam um ar “radical” e totalmente diferente do usual, como se ela estivesse à frente da moda. 

— Ah, os equipamentos! — a garota gritou, com uma voz fina, enquanto se abaixava para pegar as caixas. — Droga, droga, droga! Se eu quebrar isso, eu estarei acabada! 

João, percebendo a gravidade da situação, abaixou-se rapidamente para ajudá-la. 

— Desculpa moça! A culpa foi minha, eu que impedi a sua passagem e… — Ele foi interrompido. 

— Não senhor, fui eu que acabei esbarrando em você! Se eu fosse um pouco maior eu conseguia… — A jovem tomou noção da situação e encarou João. — Espera, você é o novo membro da emissora? 

— Ah… Na verdade, vim fazer a entrevista, hehe! 

— Hum, sim, entendo. Vamos pegar isso tudo que já irei te apresentar para equipe. 

— Apresentar? 

— Venha, ajude-me logo antes que alguém desça e veja a bagunça que eu fiz! 

— O-ok. 

Os dois recolheram silenciosamente os equipamentos do chão e colocaram nas caixas novamente, enquanto João encarava a mulher que, mesmo se mostrando desesperada e um pouco desajeitada, conseguia passar um ar meigo e apaixonante. Sem perceber, João já estava sentindo algo por ela, como se fosse um amor à primeira vista. 

Após terminarem, entraram no estabelecimento e, enquanto o candidato ao emprego colocava os equipamentos no balcão, a garota buscou uma garrafa de água. 

— Então, a gente se conheceu de um jeito meio… diferente, né? — João falou enquanto olhava para garota que estava bastante cansada. — Qual é o seu nome? 

— O meu nome? É Sarah Cambra, prazer, hehe! — ela disse enquanto estendia sua mão para João, que a apertou firmemente. — E o seu? 

— Ah, o meu nome é João Simão. Pensei que soubesse, já que… 

— Na verdade, eu tinha esquecido de checar a sua ficha… — Sarah respondeu um pouco constrangida. 

— Tudo bem… 

— Bem, que tal subirmos para que eu possa te apresentar aos outros da emissora? 

— Espera aí, eu não vou fazer uma entre… — Antes que pudesse completar a frase, foi puxado por Sarah, o que o deixou inesperadamente vermelho. 

Sem perceber, ele já estava no segundo andar. Ali era possível ver diversas pessoas: dois homens, um loiro e outro moreno, gritando entre eles perto de uma mesa de pebolim, outro homem – esse de etnia afro – lendo um livro sentado num pufe, e ao seu lado uma mulher loira tomando um café. 

— Pessoal, nosso novo membro chegou! — Sarah falou, mas ninguém deu ouvidos, o que a deixou um pouco desconfortável e nervosa. — Pessoal, tenham respeito na frente do nosso novo colega! 

Todos pararam o que estavam fazendo e encararam friamente Sarah, que deu um passo para trás com medo, e após um tempo de silêncio, o homem loiro começou a gargalhar, fazendo com que todos os outros o seguissem, exceto pela mulher loira. Enquanto isso, João não entendia nada. 

— Ai, Sarah, você dando chilique é tão fofo. 

— Essa é a Sarah, a nossa garota-propaganda — disse o homem moreno. 

Sarah ficou chateada e inconscientemente se escondeu atrás de João que percebeu o movimento. Enquanto isso, a loira, que usava um vestido azul da cor do céu e sandálias de salto-alto brancas, levantou-se e gritou num tom firme: 

— Parem de zombar da Sarah! Não estão vendo que ela é a única trabalhando aqui?! 

— O-obrigada, Ana… 

— Tudo bem, querida. Então, o que você queria dizer? 

— Bem, eu queria apresentá-los ao nosso novo funcionário! — respondeu, enquanto mostrava João com os braços exageradamente abertos. 

— Ah, então você é aquele cara para quem nós ligamos, né? – o moreno disse, enquanto se aproximava dos dois. Ele tinha os cabelos curtos e se vestia de forma parecida com a de João, mas no lugar do sobretudo, suspensórios marrons, uma calça social marrom e um par de óculos. — Prazer, meu caro, eu sou Caio. Caio Modessau. Você deve ser o João Simão, né? 

— João Simão? — perguntou o loiro enquanto segurava o riso. O jovem também tinha os cabelos curtos e estava vestindo uma camisa branca, um terno azul-claro, uma gravata amarela, calças bege e sapatos de couro marrom. — Que nome patético é esse! Hahahaha! 

João o encarou friamente, deixando-o numa situação desconfortável. Situação essa que piorou quando o loiro ficou encharcado do café que Ana jogou nele. 

— Você não tem respeito, né, Gabriel! Por isso que ninguém quer trabalhar conosco! 

— Ana, sua idiota!

O jovem de sobretudo viu todo esse caos acontecendo, percebeu a situação na qual ele se encontrava e rapidamente perguntou, voltando ao tema principal de tudo aquilo: 

— Desculpa atrapalhar, mas eu não deveria fazer uma entrevista de emprego? 

Todos ficaram calados e encararam João silenciosamente, até que Caio quebrou o silêncio: 

— Olha, acho que eu não deixei claro na ligação, mas como somos uma emissora de aspirantes, estamos aceitando qualquer um que esteja disposto a trabalhar conosco. Foi um erro meu, me desculpe. 

Após ouvir isso, João sentiu uma mistura de emoções. Sem se preocupar com o que os outros ao redor pensavam, começou a pular e gritar de contentamento. Depois de comemorar por um tempo, virou-se para seus novos colegas com uma expressão de vergonha e disse: 

— Desculpem-me, prossigam com as explicações… 

Todos estavam em silêncio novamente, até que a doce risada de Sarah dominou o local, levando todos a rirem juntos. João olhou tudo isso acontecer e, com um sorriso no rosto, pensou: 

“Vô, acho que estou no lugar certo.” 

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