Segunda-feira — 18 de fevereiro de 1957 — Flashback
João acordou cedo e se arrumou para ir à emissora, saindo de seu apartamento o mais rápido possível. Chegando lá, encontrou Willian e Ana sentados ao redor da mesa.
— Bom dia, pessoal! — cumprimentou enquanto tirava seu sobretudo e colocava no balcão. — Tudo bem?
— Bom dia, João! — Ana acenou enquanto tomava um gole de café.
— Oi. — Willian respondeu sem tirar os olhos de seu livro.
— Estão sozinhos de novo aqui embaixo?
— Como pode ver, sim.
— Bem, só estou fazendo companhia para o Willian, até porque, ficar aqui embaixo é melhor do que…
Todos se assustaram após ouvir um grito vindo do segundo andar.
— Então, o Caio e o Gabriel estão aqui também… — João falou limpando o suor do rosto devido ao susto que tomou.
— E estão fazendo o que sabem fazer de melhor, que é na… — Ana foi interrompida por outro grito vindo de cima.
— Só queria ler em paz… — Willian murmurou.
— Pelo jeito, todos estão aqui, né?
— Na verdade, a Sarah… — Ana foi novamente interrompida por mais um grito. Ela imediatamente se levantou furiosa e caminhou até lá para dar uma boa “bronca” em Caio e Gabriel.
— Isso não vai dar bom… — exclamou Willian fechando o livro.
— O que vai acontecer?
— Espere um momento e verá.
De repente, ambos começaram a ouvir um grande sermão de Ana, junto de vários barulhos de objetos caindo e sendo jogados. Não demorou muito até tudo ficar um tremendo silêncio e a loira descer as escadas, dessa vez, aparecendo com o cabelo desarrumado.
— A-Ana?! O que aconteceu contigo?! — João correu até a loira preocupado.
— Só coloquei os garotos para dormir, hehe!
— Está tudo bem, João, ela se submete a isso às vezes para manter a paz daqui.
— P-paz?!
— Não estou ouvindo nenhum barulho, isso para mim é paz. — Willian disse voltando a ler.
— Ana, não me diga que você os matou…
— Calma, bobinho! Não faria uma coisa dessas, hahaha! — respondeu Ana com um grande sorriso no rosto.
— …
— Ah, você tinha perguntado se a Sarah estava aqui, não? Ela foi para o Mercado Municipal comprar algumas coisas para o nosso café da manhã.
— Mercado Municipal? E por que ninguém foi com ela?
— O Gabriel até se ofereceu para ajudá-la, mas preferiu ir sozinha. — Willian respondeu.
— Entendi. A gente não tem nada para fazer no momento, né?
— No momento, não, por quê?
— Vou lá ajudar a Sarah, carregar um café da manhã para seis pessoas não deve ser leve, haha!
— Então quer dizer que é verdade, hehe! — murmurou Ana esfregando as mãos.
— O quê?
— Parece que os boatos estavam certos, Ana. — Willian fechou seu livro e arrumou seus óculos.
— D-do que vocês estão falando?
— Você e Sarah estão namorando?! — os dois perguntaram para João que se assustou com o grito.
— Ó-óbvio que não! Só vou ajudá-la a carregar as compras!
— Ata… — Ambos se decepcionaram.
— P-por que vocês pensaram isso?
— A Sarah está agindo tão diferente ultimamente, achamos que era por sua causa.
— Sim, desde que você chegou, ela está estranha… para o bom sentido.
— A-ah… Acho que estão fantasiando demais, haha!
— Talvez, sim, talvez, não. O que me diz, Willian?
— Não tenho certeza de nada ainda, mas já tenho uma opinião formada…
— V-vocês são estranhos…
— Ah, João, não é todo dia que presenciamos uma história de amor na nossa frente! Deixa de ser chato!
João suspirou, vestiu seu sobretudo e caminhou para a saída da emissora.
— Vou deixar vocês teorizando aí, até mais tarde.
— Tchau, João! Vá e volte em segurança!
— Você quis dizer “traga a Sarah em segurança”, não é, Willian? Hahaha!
“Esse pessoal…”
Passaram-se alguns minutos até o rapaz chegar no Mercado Municipal. Após entrar, João começou a procurar pela garota de cabelo tingido, mas não a encontrava. Passou por quase todas as lojas, sendo até parado pelos diversos vendedores que tentavam fazê-lo comprar seus produtos, mas o rapaz rapidamente recusava.
Quase desistindo, decidiu perguntar para as pessoas se eles tinham avistado uma pequena mulher com cabelo rosa, mas todos estavam tão preocupados em fazer compras que ninguém havia a notado.
Por fim, João voltou para a entrada para esperá-la, mas antes que se desse conta, viu Sarah sendo rodeada por alguns homens lá mesmo. Ela estava nitidamente desconfortável e recuava em busca de uma saída, porém, os homens não cediam brechas e estavam prestes a deixá-la contra a parede.
— Sério que você não precisa de ajuda, docinho? — perguntou um homem baixo com cabelo raspado e uma cicatriz no olho. — Nós podemos te levar até a sua casa, hehe!
— N-n-não p-precisa, é sério! T-tenho outro destino!
— Ah, não venha com desculpas, garota! — disse outro homem do grupo, um muito mais alto, parrudo e careca. — Estamos nos oferecendo para te ajudar, você sequer consegue andar com essas sacolas pesadas.
— É-é que…
— Vamos, nós três te ajudamos a levar as suas compras, e em troca… — completou o terceiro homem, este sendo magro e alto, enquanto usava óculos escuros.
— O-o quê?! Não preciso da ajuda de vocês, com licença!
Sarah tentou passar entre eles, mas os homens não permitiram.
— Acha que nós vamos ter medo de você só porque é estranha assim? Vamos logo, deixe-nos te levarmos até a sua casa! — o baixinho exclamou enquanto o de cabelo raspado segurou fortemente o pulso da jovem.
— A-ai!
— Esse gemido foi bom, hehe! Espero ouví-lo mais tar…
— Bom dia, senhores, está tudo bem aqui? — João apareceu segurando no ombro do homem que segurava o pulso de Sarah.
— J-João?!
— Q-quem é você, seu magrelo? Não está vendo que estamos ocupados? — O homem se virou para João e logo voltou para Sarah. — Então, o conhece, né?
— Na verdade, sim. — João interveio. — Ela é minha…
— E-ele é meu namorado!
— Namorado, é? Poderia ter arranjado algo melhor, moça! — O homem olhou novamente para o jovem de sobretudo. — Acha que tenho medo só porque é alto?
— Nada disso, não quero colocar medo em vocês ou algo do tipo! Apenas vim ajudá-la a levar as mercadorias, não precisam se preocupar.
— Está brincando com a nossa cara?! — o homem perguntou segurando João pela gola de seu sobretudo, enquanto os outros dois o rodeavam.
— Calma rapazes, não têm para que essa violência toda, haha!
— Se rir de novo, vou… — o homem murmurou puxando um canivete do bolso de sua bermuda.
— Bem, o policial está olhando para nós nesse exato momento, não seria inteligente esfaquear alguém em público, né? — disse João apontando para a rua. Quando os homens olharam, viram alguns policiais conversando em seus rádios e se aproximando.
— Hunf, seu maldito… — o homem disse soltando o rapaz. — Vamos embora, pessoal, eles não valem a nossa liberdade.
— Obrigado por entenderem, rapazes! — João respondeu.
Antes de irem embora, o baixinho virou para os dois jovens e gritou:
— Não deveria deixar a sua namorada sair igual uma prostituta pelas ruas. Mostre quem é que manda, seu frouxo!
— O-o quê?! — gritou Sarah espantada.
— Ignore, Sarah, não gaste sua energia com esse tipo de gente… Vamos voltar para a emissora.
— O-ok…
João pegou as sacolas da mão da jovem e ambos começaram a caminhar até a rádio.
— M-muito obrigada, João, não sabia o que fazer naquele momento e…
— Está tudo bem, Sarah, não foi culpa sua.
— T-tudo bem…
— Esse tipo de pessoa estar solta por aí é um desserviço para a sociedade… Espero que aqueles policiais os prendam.
— E-espero que sim…
— …
— …
— Ainda está afetada com tudo isso, né?
Sarah confirmou com a cabeça.
— Infelizmente, as coisas são assim… Pelo menos tudo deu certo e você está bem.
— Sim, haha…
— A Ana disse que o Gabriel se ofereceu para te ajudar com as compras, por que não aceitou?
— N-não queria… incomodar…
— Lembra do nosso encontro da semana passada? Te disse que poderia contar comigo para essas coisas.
— É-é que…
— Relaxa, Sarah, não pretendo te dar uma bronca, tudo bem querer fazer as coisas sozinha.
— …
— Na verdade, acho isso uma ótima característica sua, sabe?
— Sério? — Sarah olhou para João com o rosto vermelho.
— Sim, mas pode acabar te afetando negativamente.
—Ah… É…
— Não fique assim, sei que vai se tornar uma pessoa forte. Tenho quase certeza de que você será igual a Ana!
— João…
— Aliás, o que foi aquilo de namorado? Confesso que me pegou desprevenido.
— Ah… B-bem, foi a primeira coisa que pensei, haha!
— Nessas horas, tudo vale mesmo.
Os dois se mantiveram em silêncio por um período.
— Sarah, quando precisar de algo, conte comigo, independente do que seja, ok?
Sarah desviou o olhar.
— O-ok…
— Certo… Aliás, o que comprou?
— A-ah, eu… comprei algumas coisas para o café da manhã, a Ana não te disse?
— Sim, sim. Pelo que estou vendo, comprou bastante frutas, tem alguém que come tudo isso lá?
Sarah começou a encarar o jovem com um olhar sério.
— Ah, lembrei.
A moça rapidamente mudou sua expressão e começou a rir.
— Pelo jeito, entendeu, hahaha! Ana come tudo o que vê pela frente, se for comestível, no caso.
— Sim… Olha, você comprou até aquelas caixas de biscoitos de chocolate, que legal!
— O pessoal lá da emissora gostou muito desses biscoitos, então quis fazer essa surpresa para eles!
— Você realmente vai surpreendê-los, hein?
— Espero que sim, hihi!
— Acabou de me surpreender, então, já ganhou um ponto, haha!
— Hahaha!
Sarah estava bem mais contente do que antes, como se tivesse esquecido os acontecimentos anteriores.
— Obrigada, João…
— Por que sempre me agradece? Nós não somos colegas? É meu dever te ajudar.
— Mesmo assim… Saber que posso contar com você me deixa… feliz.
— Fico feliz que você pense assim, Sarah.
— …
— …
— João…
— Está tudo bem?
— E-eu gostaria de…
— Olha, chegamos!
Eles se encontravam na frente da emissora, Ana notou os dois lá fora e correu para abrir a porta.
— Eba, comida! Quer dizer, bem-vindos de volta!
— Vocês demoraram, hein? — exclamou Willian enquanto ajudava o João com as sacolas.
— Gabriel e Caio ainda estão jogando pebolim?
— Eles estão dormindo, Sarah.
— Como assim, Ana?
— Digamos que a Ana deu um “calmante” para eles. — Willian respondeu, deixando Sarah curiosa e João assustado.
Enquanto a loira e o de óculos mexiam nas sacolas, os dois jovens se sentaram nas banquetas próximas à mesa.
— Caramba, quanta coisa!! Um milhão de obrigadas para você, Sarah!
— Olha, ela comprou até aqueles biscoitos de chocola… — Ana pegou a sacola de biscoitos da mão de Willian e correu para o banheiro. — Ei, Ana! Isso é para todos, devolva!
— Hahahaha! — Sarah começou a rir alegremente.
Enquanto isso acontecia, João tocou no ombro de Sarah e cochichou:
— Ei, Sarah, vai contar para eles sobre o ocorrido?
— João… — A moça virou lentamente para ele com um sorriso no rosto. — Está tudo bem, eles não precisam saber, hehe!
— Saber o quê? — Willian perguntou. — Parem de conversar e me ajudem a tirar essa maluca do banheiro!
— O-ok, estamos indo! — Sarah se levantou e correu para o banheiro, enquanto João a olhava com um sorriso no rosto.
“No final, deu tudo certo…”
De repente, João ouviu alguns passos vindo das escadas, eram Caio e Gabriel completamente desarrumados e sonolentos.
— Que barulho todo é esse aqui embaixo? — Gabriel indagou.
— Vocês não sabem respeitar o sono das pessoas? — Caio completou.
À noite, todos os membros se arrumaram para ir embora, João e Sarah acenaram para seus colegas que saíram da emissora, deixando os dois sozinhos.
— Hoje foi um dia difícil, né?
— Sim, mas passar com você deixa os dias mais divertidos.
— O que disse?
— Q-quer dizer, foi difícil mesmo, hehe!
— Hahaha! Não precisa ter vergonha!
— Hehe…
— …
— Você é o meu herói, João.
— Sério? Isso é um tanto estranho para mim, haha!
— M-mas estou falando sério!
— Não acho que mereço receber um cargo desses.
— Então… que tal cavalheiro?
— Cavalheiro, né? Acho que esse está bom, haha!
— Você é o meu cavalheiro, então, hihi!
— O seu cavalheiro…
— …
— Bem… estou indo, tenha uma boa noite, Sarah.
João estava prestes a sair da emissora quando sentiu um puxão em seu sobretudo.
— J-João… antes de sair… eu…
— Precisa de alguma coisa?
— V-você se importaria em sair comigo para mais um… encontro?
— Ah…
Segunda-feira — 25 de fevereiro de 1957 — Tempo atual
“Desde então eu tenho saído com ela para alguns encontros. O pessoal acha que estamos nos relacionando, o que num certo ponto de vista, é positivo, já que não vão desconfiar de mim… O que interessa agora é tirar o máximo de informações possíveis da Sarah, ela será a chave para derrotá-los, tenho certeza disso!”
João se manteve deitado e, antes que pegasse no sono, recebeu uma ligação. Ele atendeu o telefone e ouviu a doce voz de Sarah do outro lado:
— Oi João, acabei de chegar em casa, o que acha de sairmos amanhã?