Terça-feira — 26 de fevereiro de 1957
Após acordar e concluir suas necessidades básicas, João deslocou-se até a emissora. Chegando lá, cumprimentou seus colegas e todos se prepararam para a transmissão.
À noite, todos os membros reuniram-se para beber e conversar após o cansativo dia de trabalho. Depois do momento de descontração, João e Sarah se despediram de seus colegas, pegando seus pertences e saindo da rádio.
Com a recorrência dos encontros, a seriedade e o visual de ambos surgiam. Neste momento, Sarah usava um vestido longo preto e brilhante, e João trajava uma camiseta branca, terno, gravata, calça e um par de sapatos sociais pretos. Era como se estivessem preparados para participar de uma festa de gala.
Enquanto caminhavam, trocavam poucos diálogos. Se mantinham próximos apertando suas mãos apaixonadamente. Sarah apoiava sua cabeça no braço do rapaz que andava vagarosamente para não deixá-la incomodada.
Posteriormente, os dois finalmente chegaram em seu destino: o restaurante italiano “Carlino”, conhecido como um dos melhores estabelecimentos gastronômicos do centro de São Paulo.
Ao entrarem, notaram uma mesa disponível próxima à cozinha do chef, e rapidamente partiram até lá.
Minutos depois, um garçom aproximou-se e entregou-os dois cardápios.
— Boa noite, sejam bem-vindos ao restaurante. Irei atendê-los e servi-los. Caso precisem de algo, podem me chamar!
— Muito obrigado, senhor. Já iremos fazer o pedido! — exclamou João acenando com a cabeça.
Com a saída do funcionário, os jovens se encararam por alguns segundos, e inesperadamente, deixaram escapar um pequeno sorriso.
— Nunca imaginei que estaria agindo tão elegantemente na minha vida, hihi!
— Digo o mesmo. Não é do meu feitio agir com a seriedade do Willian, haha!
— Sim, esse seria o lugar ideal para ele, hehe!
— E para Ana. Talvez devêssemos recomendá-los esse restaurante, é muito chique.
— Quis dizer “deveras chique”, não, milorde?
— Vossa mercê está corretíssima, madame!
— Hihihi!
— Ok, é melhor agirmos naturalmente, senão seremos expulsos — disse o rapaz pegando o cardápio e abrindo-o. — Vamos ver as opções de comida que temos para…
— Verdade, afinal, viemos para co…
— …
— …
— Puxa vida…
— Aqui é carinho, né…
— Sim… Sorte que nossos colegas nos ajudaram com o dinheiro, então vamos aproveitar!
— Não acho correto gastar todo o dinheiro deles aqui….
— Está tudo bem, Sarah, eles que ofereceram o dinheiro para nós. Aliás, se não fosse por isso, nem estaríamos aqui.
— Mas será que é certo?
— Sarah, você merece tudo isso… — disse João agarrando as mãos finas da jovem, que ficou envergonhada.
— B-bobo…
— Mas não quer dizer que vamos esbanjar, haha! — O rapaz voltou sua atenção ao cardápio, visualizando os pratos de entrada. — Bem, tem o “Vitello Tonnato”. Gosta de atum e pernil?
— Sim, mas… não vai ficar muito caro?
— Vai, mas é melhor do que comer pão com molho, né?
— Mas… é a entrada, João!
— Ok, então decida o que vamos comer na entrada.
— Ah, ok… Eu quero…
— O que foi?
— Não sei o que escolher…
— Ai, ai… Vamos no pernil mesmo.
— Certo…
— Não foque no preço das coisas, Sarah, foque no passeio. Estamos saindo juntos, isso é o que importa. O preço é só um obstáculo.
— Tudo bem.
— …
— …
— Você é tão fofa, sabe?
— O-o quê?
— Seu jeito tímido, hehe… Acho que me conquistou com isso, hehe!
— E-ei… foi você que me conquistou…
— Sério?
— Penso assim, pelo menos, hehe!
— Não, definitivamente fui eu o conquistado.
— Seu bobo!
— Sim, sou o seu bobo, hehe!
— D-droga… — Sarah desviou o olhar de João buscando esconder seu rosto avermelhado como um tomate.
— Garçom, com licença! — o homem levantou a mão chamando-o. O garçom rapidamente se aproximou. — Vamos querer o Vitello Tonnato, por favor.
— Ok, senhor, em breve traremos a sua entrada.
— Aliás, gostaria de saber o suco natural do dia.
— O suco do dia é um cítrico feito com laranja-natal com um toque de limão siciliano.
— Que tal, Sarah?
— Amo suco de laranja!
— Ótimo! Vamos querer dois!
— Claro! Em alguns minutos, estarei aqui!
— Muito obrigado!
O garçom saiu e encaminhou-se para a cozinha do chef.
— Será que estou me saindo bem?
— Tenho quase certeza de que sim, hihi!
— Ei, do jeito que falou, me fez parecer idiota!
— Mas estou falando sério! Você nem parece do interior!
— Isso foi ofensivo de sua parte…
— M-me desculpa!
— Haha! Estou brincando!
Enquanto João e Sarah jogavam conversa fora sobre seus colegas de trabalho, o garçom se aproximou com a entrada e os sucos. Após servi-los, perguntou:
— O que desejam para o prato principal?
— Nossa, tinha esquecido disso! — bradou João assustado, chamando a atenção de todos no local. Tímida e rapidamente, pegou o cardápio e começou a ler.
— N-nos desculpe, senhor!
— Não se preocupem, está tudo bem! Deve ser a primeira vez de vocês aqui, não?
— Sim…
— Entendo, não é fácil frequentar um lugar novo pela primeira vez. No meu primeiro dia, também foi muito complicado, hehe!
— Sério?
— Bem, por pouco não fui demitido, mas agora estou aqui servindo-lhes, haha!
— O-o que acha desse daqui, Sarah? — O rapaz mostrou o cardápio para jovem e o garçom.
— Pappardelle al ragù di ossobuco? É uma ótima escolha!
— Então vamos querer esse, senhor… Qual é o seu nome?
— Marco Cecchini. Prazer!
— Ok, muito obrigado, Marco. Queremos esse prato mesmo!
— Ótimo! Em breve trarei o pedido de vocês!
Marco voltou rapidamente para a cozinha.
— Até que ele é gentil!
— Sim. Achei que riria da gente por sermos novos aqui!
— Sorte nossa ser atendido por um garçom tão bom!
— Sim… É melhor escolhermos a sobremesa para não passarmos um papelão de novo.
— Está certa. O que vai querer?
— Hum… Olha, tem tiramisú! Sempre quis provar!
— Parece uma boa escolha! Não vou querer nada, já estou cheio da entrada. E ser encarado por todos embrulhou minha barriga…
— Pelo jeito, não é de comer bastante.
— Acho que dá para perceber olhando para o meu corpo, hehe!
— Se quiser, posso te dar uma colherada do meu. Apenas uma, hein!
— Você gosta muito de doce, haha! Não precisa se preocupar comigo.
— Se tem uma coisa que amo nesse mundo é doce, hehe… E você, claro!
— Ah… Haha!
Marco se aproximou com os pratos e serviu os jovens. João aproveitou e pediu o tiramisú para sua acompanhante, Marco acenou e rapidamente caminhou até a cozinha.
— Nossa, essa comida é deliciosa! — exclamou Sarah alegremente.
— Uau, a pessoa que fez isso tem mãos divinas!
— Não é à toa que aqui é tão caro para comer.
— Coitado do Willian. Caso venha com Ana, vai pagar uma fortuna, hahaha!
— Ana tornaria esse restaurante num rodízio, não posso nem imaginar…
— Parando para pensar, isso é um pouco medonho…
— Aqui está o seu tiramisù, madame! — Marco apareceu servindo a garota, que virou para trás tomando um susto.
— Meu deus, você me assustou!
— D-desculpa, é que o restaurante está cheio e estou bem apressado!
— Ah, me desculpe!
— É um pouco tarde, mas tenha uma boa refeição!
— Obrigada!
Sarah pegou sua colher e provou um pequeno pedaço do doce. Segundos depois, fez uma expressão nunca antes vista, capaz até de assustar João.
— Caramba, deve ser bom mesmo…
— Tire os olhos do meu tiramisú!
— Ok, haha!
Sarah terminou de comer a sobremesa enquanto conversava com João, e logo Marco apareceu com a conta.
— …
— …
— Caro, né? Haha! — perguntou o funcionário esfregando sua cabeça.
— Marco, teria como lavarmos a louça do dia?
— S-sério?
— Não, é apenas uma brincadeira, mas isso daqui assusta qualquer um.
— Normalmente, esse restaurante é frequentado por executivos e empresários, então…
— Falando assim, me faz pensar que trabalhar na rádio é ruim… — murmurou João limpando uma lágrima do rosto.
— Rádio? Trabalham em qual?
— Somos da Rádio EC. É uma que abriu recentemente e…
— Nossa! A 66.6? Nós gostamos muito das suas transmissões!
— Nós…?
— Sim! Nós escutamos enquanto trabalhamos. Vocês são muito engraçados!
— Bem, não faço parte das transmissões, então deve estar falando dela e do Gabriel.
— Espera, é a Sarah?! Sou muito seu fã, me dê um autógrafo, por favor!
— S-sério? Ok…
— Ei, se conhecem a gente, poderiam nos dar um des…
— Não podemos dar desconto.
— Ah…
— Aqui, Marco, o seu autógrafo… — disse Sarah entregando a caneta do rapaz e um guardanapo. — Minha assinatura não é das melhores, mas..
— Tudo bem, está perfeito!
— Aqui está o dinheiro…
— Muito obrigado, Sarah! Estarei ansioso para ouvir você amanhã! Vou mostrar para os outros isso daqui, hehehe!
— Ok, né… — João olhou para Sarah que apenas ria da situação toda. — Obrigado por nos atender, Marco. Tenha uma boa noite!
— Eu que agradeço! Boa noite, casal da Rádio EC!
— C-casal?
— É melhor irmos, João!
— Certo…
Ambos voltavam do restaurante para a emissora. Aproveitando a caminhada, conversavam sobre o encontro:
— Esse encontro foi incrível!
— Sim, mas confesso que fiquei com um pouco de ciúmes daquele Marco…
— Só porque não pediu um autógrafo para você?
— Talvez…
— Então… Ficou com ciúmes de mim? Hehehe!
— Hum… Talvez…
Os dois chegaram na emissora que, como esperado, estava vazia, visto que os outros membros já tinham ido embora. Ao entrarem, subiram para o segundo andar.
João foi para o seu armário pegar suas coisas, deixando Sarah um pouco curiosa.
— Por que não deixa as coisas aqui? É melhor ir para casa já que pode ficar preso do lado de fora, haha!
— Prefiro levar para lavar, até porque eu sempre uso esse sobretudo, por exemplo.
— Não acho que dará para lavar essas horas…
— Dou meu jeito, hehe! — Os jovens desceram. — Vou para casa, Sarah. Boa noite!
— João!
— O que foi? Já quer planejar o próximo encontro?
— Na verdade, é um assunto sério, agora…
João caminhou para fora da rádio, se virando para Sarah logo depois.
— Se for rápido, pode falar!
— João… Marco nos chamou de casal antes de irmos embora de lá, lembra?
— Hum… sim, lembro. O que tem?
— Quero saber se… ele estava certo sobre isso.
— C-como assim?
Sarah saiu da emissora e se aproximou do rapaz, que se mostrava preocupado.
— João, você não me deu a sua resposta sobre o meu pedido de namoro… Eu… preciso saber agora!
— R-resposta? E-eu…
— Sempre que tocamos no assunto “casal”, você tenta se desviar dele. É assim com os outros membros, foi assim no encontro de ontem, foi assim hoje… Eu… estou apaixonada por você, João!
— …
— Preciso de uma resposta definitiva agora! Senão… Não quero me decepcionar… Me diga, João… quer namorar comigo?!
— Sarah… eu…
João desviou o olhar de Sarah com uma expressão chateada, e se manteve calado, sem dar uma resposta para a jovem de cabelo tingido. Vendo essa situação, Sarah inesperadamente avançou em João com a intenção de beijá-lo e entender seus reais sentimentos.
— S-Sarah!
Dito e feito, ela beijou-o. O rapaz não sabia como reagir e tentou afastá-la, porém Sarah abraçava-o forte o suficiente para manter o beijo, como se quisesse ficar lá para sempre.
Num ato desesperado, João empurrou Sarah, se separando dela, mas ocasionando na queda da jovem no chão, fazendo-a gritar de dor. Caída, a moça encarou o homem com os olhos cobertos de lágrimas.
— S-Sarah, me desculpe! Não queria…
Ela se levantou enquanto dava baixos gemidos, como se tivesse torcido o pé. O jovem aproximou-se para ajudá-la, mas foi ignorado.
— M-me perdoe, Sa…
Sarah inesperadamente deu um tapa na cara do rapaz que ficou espantado com a atitude.
— Seu… seu…
Ao voltar seu olhar para Sarah, João viu algo que lhe deixou assustado: seu rosto, que era belo e fofo, agora estava borrado e vermelho devido à maquiagem e as lágrimas da jovem. Seu cabelo encontrava-se bagunçado e sua expressão era como a de uma criança perdida de seus pais.
Antes de completar sua frase, a jovem apenas se virou e saiu correndo mancando, graças ao machucado causado por João. A única coisa que podia ouvir-se era seu choro, afastando-se mais e mais pelo horizonte.
Após toda a situação, João não fez nada. Com uma expressão desolada e um sentimento de decepção, se virou e foi para casa.