Quarta-feira — 27 de fevereiro de 1957
Preparando-se para ir à emissora, João estava inquieto devido a situação da noite anterior. A sensação era a de ter falhado e que, a qualquer momento, não estaria vivo para contar história, fora o desespero.
Pensava que não deveria ir para lá naquele dia, mas além do trabalho ter ficado pesado nos últimos dias, deixaria mais escancarado que algo aconteceu no encontro.
Olhando-se no espelho, tentava impor mais confiança para si mesmo. Encarando-se no espelho, refletia::
“Está tudo bem, não posso deixar o que aconteceu ontem me afetar… Não posso fazer nada que me comprometa. Mais um deslize e estarei morto.”
Após lavar seu rosto, suspirou e saiu de seu apartamento.
Chegando no trabalho, entrou e avistou todos os seus colegas reunidos tomando café.
— B-bom dia, pessoal…
— Bom dia, João, você se atrasou um pouco — exclamou Caio após tomar um gole de café.
— Aparentemente, o encontro de ontem foi “cansativo”, não? — questionou Gabriel olhando depravadamente para Sarah que não deu nenhuma resposta.
— Meu deus, Gabriel, até de manhã faz essas piadinhas?! — Ana esbravejou batendo na mesa.
— Calma, Ana. Não precisamos falar disso no momento, vamos discutir sobre após a transmissão — respondeu Willian colocando a mão no ombro da loira.
João tirou seu sobretudo e colocou no balcão. Ao olhar para Sarah, notou-a desviar a visão rapidamente para o chão. Toda a situação foi percebido pelos outros, que decidiram questioná-los:
— Ei, o que aconteceu entre vocês ontem? — indagou Ana preocupada.
— O-o quê?
— Desde a chegada de Sarah, não falou nem comeu nada — completou Willian.
— Sabemos que Sarah é tímida, mas não ao ponto de ficar assim…
— Não vejo motivos para se preocuparem, aposto que o João… — Gabriel foi interrompido.
— Não ouse completar essa frase, Gabriel!
— Você nem sabe o que iria falar, Ana!
— Provavelmente alguma besteira — disse Willian.
— O que foi, Willian? Decidiu voltar a encher meu saco? Se quer brigar, vem para cima!
— Parem com essa discussão idiota! — gritou o chefe. — Estamos prestes a começar a transmissão e vocês decidem brigar agora?! Deixem esse assunto para depois. João, venha comer conosco e não iremos falar mais nisso!
— E-está tudo bem, Caio. Já comi antes de vir.
— Hm, espero que não esteja mentindo, não quero que desmaie no meio do trabalho.
— O-ok…
— Sarah, deveria comer. Você faz parte de quem apresenta a transmissão e seria muito ruim se acontecesse algo contigo.
— E-eu não…
— Coma agora! — o chefe falou firmemente entregando um sanduíche para garota que ficou espantada. Ela apenas aceitou e passou a comer.
— Ok, temos alguns minutos antes de começarmos as preparações, deveríamos descansar um pouco. — Willian abriu seu livro.
— Vai descansar lendo livro? Grande coisa!
— Fica quieto, Gabriel. Estou lendo.
— Meninos, não vão começar a brigar de novo, né?
— Pelo jeito, sim! — Gabriel se levantou, mas antes de avançar no homem de óculos, foi impedido por Caio.
— Gabriel, sente-se agora.
— Aff, chato!
— Você que é chato querendo arranjar briga ago… — Antes que Ana completasse sua frase, todos ouviram algo estranho. Ao virarem para Sarah, notaram-a vomitando a pouca comida que havia ingerido antes.
— S-Sarah??!! — Ana correu para ajudá-la.
Rapidamente, todos correram até a jovem para saber o que estava acontecendo. Quando João se aproximou, ela estendeu o braço impedindo-o de se aproximar.
Os outros notaram, mas devido ao contexto, ignoraram e apenas ajudaram-na a se levantar.
Ana tentou levá-la ao banheiro, porém, no primeiro passo da jovem, Sarah gemeu de dor, deixando todos mais preocupados ainda. Mesmo com isso, as duas conseguiram chegar ao destino.
Gabriel saiu da rádio em busca de remédio e Caio foi pegar um copo de água. Enquanto isso, Willian subiu as escadas para pegar mudas de roupas limpas para a jovem de cabelo tingido.
João, perplexo com os acontecimentos, não acreditava que isso tudo ocorria por sua causa. Na sua cabeça, pensava que sua vida estava condenada, e tudo ficou pior quando olhou para o de suspensório, que encarava-o suspeitosamente.
Alguns minutos se passaram depois do incidente. Agora, os funcionários estavam se arrumando para a transmissão. Pouco tempo antes, Caio perguntou se Sarah não queria descansar, visto que parecia doente, mas ela negou.
Enquanto João se arrumava, buscava uma solução para o problema em que se inseriu. Naquele momento, tinha noção de que os outros suspeitavam dele, e que a única forma de não ter a situação piorada, era pedindo desculpas para Sarah.
Todos terminaram de se arrumar, Gabriel e Sarah entraram na sala de gravação em meio a baixos gemidos da moça, enquanto os outros se sentaram.
Antes de começar a transmissão, Caio se aproximou silenciosamente de João e cochichou em seu ouvido:
— Nós teremos uma conversa mais tarde sobre o que aconteceu.
O rapaz apenas consentiu com a cabeça, pois sabia que não estava em posição de negar. Após isso, o chefe deu permissão para começarem os trabalhos.
À noite, os membros se reuniram no primeiro andar, sentados em volta da mesa para uma reunião. João, que estava com eles, já tinha aceitado que seu fim estava próximo.
“Não… não consegui…”
⁂
Flashback
Sarah havia pedido uma pausa da transmissão, e com a permissão de Caio, saiu da sala de gravação sem falar com ninguém.
Repentinamente, João se levantou e foi atrás da garota.
— João, o que está pretendendo fazer?! — gritou a loira..
— Acredito que foi falar com a Sarah sobre o que aconteceu ontem. — Willian disse pegando o seu livro.
— Mas ele tem trabalho a fazer!
— Está tudo bem, Ana, posso fazer algo no lugar dele — exclamou o chefe, sentando-se sorridentemente no assento do jovem.
— Mas… e se ele fizer algo com a…
— Não seria capaz de fazer isso na nossa frente.
— …
— Então, vai me ensinar?
— Sai dai, idiota…
Nesse meio-tempo, João correu atrás de Sarah que caminhava para o banheiro. SE aproximando da jovem, esticou a mão para pará-la, mas a moça deu um forte tapa que afastou o rapaz.
— S-Sarah… desculpe-me por ontem. Eu… eu…
— …
— Eu estava assustado… Por favor…
— …
Sarah continuou sua caminhada até o banheiro. João tentou impedi-la entrando na sua frente, mas ao intervir, notou algo. A jovem de cabelo tingido segurava o seu choro, tentando ao máximo não chamar a atenção de seus colegas, que estavam no outro andar.
Notando isso, o rapaz saiu de sua frente. Antes que Sarah entrasse no banheiro, ouviu:
— Eu… me odeio pelo que aconteceu ontem.
— …
— Vou subir, adeus.
Caminhou lentamente até o segundo andar, pensando que não tinha mais o que fazer. Ao chegar no estúdio, viu os outros olharem-no friamente. Não podendo fazer nada além de se sentar e esperar a transmissão continuar.
⁂
“Não consegui o perdão dela, acho que não tem mais o que fazer… Falhei com essa cidade… Falhei com Rosa…”
Caio arrumou seus óculos e suspensório, e pôs-se a falar:
— João, como gerente dessa emissora, devo dizer que seu trabalho aqui é exemplar. Você o faz com maestria e é gentil com todos.
— … — o homem não fez nada além de olhar ao seu redor, notando todos, exceto Sarah, encarando-o com um olhar matador.
— Porém, desde o encontro de ontem que teve com Sarah, o clima da rádio ficou estranho, e como deve saber, prezo pela cooperação de todos aqui.
— Sim…
— Todos já sabemos que algo aconteceu no encontro entre vocês que acarretou nesse dia turbulento. Resta a ti explicar o que fez com Sarah que deixou-a tão mal assim.
— E-eu…
— Diga logo! — gritou Ana batendo fortemente na mesa outra vez.
— Calma, Ana, ele já vai se explicar, não se estresse à toa. — Willian tentou acalmá-la, mas sem sucesso.
— Mas… João fez algo com Sarah!
— …
— Nós não temos certeza ainda, Ana! — Caio exclamou.
— Não temos?! Ele provavelmente bateu nela!
— O-o quê?
— Ana, João não seria capaz de bater em alguém, é um graveto!
— C-cala a boca, Gabriel! Essa não é a hora de fazer piadas!
— A-Ana, s-se a-acal… — Sarah tentou contê-la, mas sua voz saiu fraca demais para ser escutada.
— João, é melhor se explicar direito, senão…
— Ana, você está muito exaltada. Ele não falou nada até agora, deixe-o se explicar! — o chefe exclamou.
— Não quero saber da explicação dele, olhem como Sarah está! Vomitou a única coisa que comeu, e quando fui levá-la ao banheiro,ficou gemendo de dor! Vocês ouviram is…
Caio imediatamente se aproximou de Ana e cochichou num tom firme.
— Recomponha-se.
A loira ficou estática por alguns segundos, e com um olhar assustado, sentou-se.
— D-desculpem-me.
— João, sua situação está ficando complicada. Acho melhor começar a dizer o que aconteceu ontem. — Gabriel falou.
— Eu… — João olhou para Sarah, que novamente desviou o olhar. – Aconteceu um acidente ontem.
— Que tipo de acidente? — Caio perguntou.
— P-pessoal… — murmurou Sarah.
— Sarah, quer dizer algo?
— N-não acho que… d-deveríamos… c-continuar com isso…
— O quê? — Ana perguntou abismada.
— N-não aconteceu nada demais ontem… A-acho que… a c-comida de ontem me fez mal… apenas isso…
— Sarah, tem ideia do que está falando? — Caio questionou assustado.
— Acho que os remédios que comprei para ela tiveram o efeito errado…
— Se não tem o que dizer, fique quieto, Gabriel! — Willian exclamou irritado.
— Nossa, para que tanta agressividade?
— Sarah, o João fez alguma coisa contigo?! Diga agora! — Caio se levantou nervoso..
— N-não, e-ele…
— Sarah, precisa dizer agora antes que as coisas piorem. — Willian completou.
— Eu juro… E-el…
Antes que Sarah pudesse dar sua resposta, Ana se levantou rapidamente e avançou em João. segundos depois, o rapaz apareceu no chão com a loira em seu colo.
— SEU MALDITO!!! — Ana gritou e logo após deu um soco no rosto do rapaz.
— A-ANA!!! — gritou Sarah assustada correndo para puxá-la.
— Mas o quê?! — Willian se aproximou para agarrá-la também.
— Agora as coisas ficaram boas, haha!
— Gabriel, venha nos ajudar!
Ana continuava atacando João, que não fazia nada além de receber socos.
— VOCÊ SE… APROVEITOU DELA… NÃO É… SEU DESGRAÇADO??!!! — Ana esperneava em meio aos golpes que dava. — DIGA… O QUE… FEZ COM ELA???!!!
— A-Ana, pare! — Willian exclamou tentando afastá-la para longe junto com Sarah.
— FINGE AGIR… COMO ALGUÉM BOM… MAS VOCÊ… É UM LIXO!!!
— P-PARAN ANA!!! — Sarah chorava.
— SEU… SEU… O QUE VOCÊ… SEU MALDITO!!!
Enquanto apanhava, João olhou para Caio, que não fazia nada além de encarar a situação com um pequeno sorriso no rosto. Era como se estivesse aproveitando aquilo.
Depois de alguns segundos, Willian, Sarah e Gabriel — que chegou mais tarde — finalmente tiraram a loira de cima do rapaz, que ficou com o rosto extremamente roxo, seu nariz sangrando e sua boca inchada.
— Ana, olha o que fez! Você não é assim, acalme-se! — Willian exclamou abraçando a loira por trás, que tentava voltar até João.
— A-Ana, p-pare com isso, j-já estou bem! — Sarah disse em meio a soluços e lágrimas.
João viu toda a situação e lentamente se levantou, logo depois, Gabriel se aproximou do mesmo com uma garrafa gelada.
— Apanhou feio, hein? Hahaha! Toma, coloque no rosto.
O ex-novato apenas ignorou o loiro e encarou todos com um olhar de decepção. Gabriel, que estava ao seu lado, aproximou-se e cochichou:
— Deveria aproveitar e sair agora, hehe.
— …
— Aqui, leve isso, o Caio não vai querer que as pessoas pensem que os membros da emissora brigam entre si, por mais que tenha acontecido isso, hahaha!
João pegou a garrafa da mão de Gabriel, pegou seu sobretudo e caminhou para fora da emissora. Antes de sair, virou-se para todos novamente e, após alguns segundos, disse:
— Desculpem-me.
O rapaz se retirou e foi para casa.
No apartamento, estava deitado no sofá olhando para o teto. Em sua mente, passava vários pensamentos:
“Caio estava sorrindo… provavelmente deixaria eu morrer lá… O mais importante é que talvez não tenham percebido que descobri o segredo deles. Independente disso, não hesitariam em me matar caso seja necessário… E aquela frase do Gabriel… parecia saber que eu precisava sair de lá o mais rápido possível, senão estaria morto agora… isso é estranho, de alguma forma. No final de tudo, acho que Ana me salvou me batendo daquele jeito, haha… Que droga.”
João continuou lá encarando o nada, até que, de repente, ouviu algumas batidas em sua porta. Se levantou um pouco preocupado, visto que não recebia muitas visitas, mas como já estava tarde, não deveria ser ninguém suspeito.
Mesmo com essa expectativa, ainda relutou antes de abrir a porta, dado tudo o que aconteceu anteriormente. Algo em seu subconsciente dizia que o jovem estava em perigo. No fim, ignorou tudo e apenas destrancou a porta..
Com ela aberta, João viu algo que instintivamente ativou o seu estado alerta: Sarah Cambra, sua colega de profissão, estava na entrada de seu apartamento.