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Quarta-feira — 06 de março de 1957 

Depois de toda a discussão e resolução do dia anterior, os colegas restantes iniciaram os trabalhos. 

Demorou algum tempo até Caio ter desenhado parte dos cartazes. Nesse período, João e Willian ajudavam os loiros na sala de gravação. Gabriel participava dentro do estúdio, iniciando a transmissão e falando sobre a jovem desaparecida, enquanto os outros ficavam por trás dos bastidores.

Após um tempo, os encarregados pelos cartazes deixaram os dois sozinhos para entregarem os papéis. Correram para as ruas em seguida, levando com eles alguns pregos e dois martelos para pendurar os cartazes nos postes e paredes.

No meio da caminhada, se depararam com várias pessoas reunidas perto de bares e botecos, que ainda apreciavam o último dia de carnaval. Mesmo que estivesse próximo de acabar, os outros não descansavam e continuavam partindo para os blocos, festas e qualquer estabelecimento público possível.

O rapaz de sobretudo, perdido entre os desconhecidos, chamou Willian que prontamente apareceu ao seu lado, assustando-o:

— O que foi, algum problema? 

— N-nada, você me assustou.

— Ah, me desculpe. Então, como acabou parando aqui?

— A multidão acabou me puxando. Acho melhor sairmos daqui.

— Por que não chamamos Sarah? Ela pode estar no meio desse pessoal.

— Acho difícil… Dias atrás, quando saímos com Ana e Gabriel, me disse que não se dava bem no meio de várias pessoas.

— Entendo.

— Mas… é melhor do que não fazermos nada, né?

— Sim, vamos aproveitar que estamos aqui e chamá-la.

— Certo.

Passaram um tempo gritando o nome da jovem de cabelo tingido, mas como era esperado, não conseguiram nenhuma resposta. Em compensação, chamaram muita atenção dos estranhos que encaravam-nos negativamente, alguns até reclamando que queriam ouvir as músicas, que já estavam deveras altas.

Decidiram então se distanciar do público para pregarem os papéis. Às vezes, passavam pelos recheados botecos, bares e restaurantes, e aproveitavam para perguntar aos atendentes se podiam usar a parede externa para fixar um cartaz, mas infelizmente, os pedidos eram negados. Pelo menos, a bondade lhes permitiram aceitar as folhas para ajudar na procura.

Andando pelo centro, João se lembrou de um dos estabelecimentos que foi com Sarah.

— Willian, tive uma ideia!

— Estou te ouvindo…

— Em um dos nossos passeios, fomos para o restaurante Carlino, que fica próximo da região.

— Esse foi o restaurante que Ana lhe recomendou, né?

— Sim. Além disso, os funcionários de lá são fãs da nossa emissora.

— Nós já temos fãs? Estou impressionado.

— É… Enfim, vamos para lá — completou o jovem de sobretudo caminhando apressadamente.

— Estou atrás de você.

Após alguns minutos, chegaram ao destino. Lá, antes que pudesse sequer entrar, notou Marco — um dos funcionários do restaurante — se aproximar rapidamente. 

— João! É verdade que Sarah desapareceu?! 

— Bom dia, Marco. Infelizmente, sim. Esse é o Willian, um colega meu. 

— Prazer, Willian. Sou um grande fã do trabalho de vocês — exclamou o garçom estendendo a mão para cumprimentá-lo.

— Caramba, realmente ouvem nossas transmissões. — O afro apertou a mão de Marco.

— Sim, e fiquei perplexo quando descobri que Sarah havia sumido! E saber que dias atrás ela estava comendo alegremente aqui… 

— É… Marco, preciso lhe pedir um favor importantíssimo. Seu restaurante é amplamente conhecido na região, poderia pendurar um cartaz de procura da Sarah aqui? 

— Preciso ver com o meu chefe, mas pelo que sei dele, provavelmente não vai permitir… 

— Droga. 

— Relaxe, João. “Provavelmente” não é “certeza”. Senhor, poderia perguntar para seu chefe? 

— Claro! Vou fazer o possível para que vocês pos… — Antes que completasse sua frase, Marco sentiu um forte aperto em seu ombro. Ao virar-se, notou um homem parrudo, grisalho e com um belo bigode, mas com uma feição assustadora. 

— O que está fazendo conversando aqui ao invés de servir a clientela?! 

— C-chefe, m-me desculpe, eu… 

— Acha que só porque é filho do antigo dono, pode ficar descansando no meio do trabalho?! 

— Espera, você é filho do dono do restaurante?! — indagou João impressionado. 

— ANTIGO dono. Sou Marcello, o novo chefe desse estabelecimento. O que querem aqui no restaurante? Se não forem comer, podem ir embora!

— Chefe, eles são funcionários daquela emissora que ouvimos nos últimos dias, estão precisando de ajuda! 

— Funcionários da rádio EC? Aquela emissora pobre e sem graça?! Isso é mais um motivo para não ficarem aqui, não gosto de pessoas da sua laia. 

— Ei! Quem você acha que é para desrespeitar nossa emissora?!

— E quem você pensa que é para gritar comigo, garoto?! 

— João, tenha calma! Peço desculpas, Marcello, é que nossa situação no momento é crítica e precisamos de ajuda. 

— Se vieram pedir esmola, podem dar o fora daqui, não oferecemos ajuda nem comida a mendigos!

— N-não é nada disso, chefe! Uma das apresentadoras está desaparecida e eles estão em busca dela e perguntaram se poderiam pendurar alguns cartazes aqui no restaurante.

— Não me importo com essa apresentadora e muito menos com essa emissora fajuta! Estão tomando o meu tempo, vamos, saiam!

— Seu velho maldi…

— João, cale a boca e venha comigo — murmurou Willian com uma expressão irritada.

Após recuar, passou a explicar a situação para o rapaz:

— Mesmo que ele seja arrogante, não podemos, em hipótese nenhuma, deixá-lo mais irritado. Estamos perdendo uma oportunidade de ouro aqui, então pare de causar confusão.

— Eu entendo, mas esse cara é um desgra…

— Sim, eu também notei isso, mas guarde para si no momento. 

— Farei isso, então, mas qualquer deslize, eu vou…

— Você não vai fazer nada. Nem que ele cuspa na sua cara, nós necessitamos dele.

— …

— Entendeu?!

— Ok…

Retornaram para o chefe e o funcionário, que ainda tentava persuadi-lo.

— Voltamos…

— Ainda estão aqui? Já mandei vocês darem um fora!

— C-chefe, ouçam o que eles têm a dizer, por favor.

— Por que tenho que dar ouvidos a um homem preto desses? O máximo que ele tem a me oferecer são bananas — cochichou o chefe para que não fosse ouvido pelos seus clientes.

— O-o quê?! — João avançou com uma expressão de ódio para o velho, mas foi interrompido por Willian, que havia sido ofendido segundos antes.

— Marcello, estamos com uma funcionária desaparecida, que pode estar em perigo neste momento. Não sei o que a nossa emissora fez para ti que lhe deu tanto rancor, mas ignore isso. O assunto agora é outro.

— E tenho algum motivo para deixar esses papéis sujos na entrada do restaurante? Que eu saiba, não. 

— Velho… — João tomou a frente da conversa, segurando-se para não desferir um soco na cara do homem à sua frente. — Já vim com essa mesma colega comer aqui. Ela apreciava os seus pratos, tal qual os seus funcionários apreciam as nossas transmissões. Se não se importa conosco, importe-se com os sentimentos deles. Como se sentiriam sabendo que algo importante para eles pode acabar a qualquer momento? E se fosse os seus clientes?

— …

— Ele está certo, Marcello. Quando perdemos algo que gostamos, levamos tempo até  esquecermos da dor que sentimos. Não permita que seus funcionários sintam essa dor.

— E como podem ter certeza de que vão encontrá-la só pendurando esses papéis velhos aqui?

— Não temos certeza, mas teremos mais chance… Você pode salvar a vida de alguém.

— C-chefe, eles estão certos. Temos a possibilidade de salvar uma pessoa. Se encontrarem-na, farão relação com o nosso restaurante. E não faz diferença ter ou não um cartaz aqui. Por favor, reconsidere… 

Todos se mantiveram em silêncio, com o som das refeições ao fundo dominando a conversa.

— Marco. 

— Sim? 

— Você sabe que, desde que assumi a responsabilidade de gerenciar este restaurante, me dediquei sempre aos negócios e à cozinha. 

— Sim, chefe… 

— Posso parecer carrancudo, mas faço tudo pensando no bem de todos que estão ao redor daqui. 

— Não parece, você… — João recebeu um pequeno tapa de Willian na cabeça. 

— Se vai fazer bem aos meus funcionários este gesto, assim farei. 

— Ótimo! 

— Jovens, podem pregar esses papéis velhos aqui.

— Obrigado, senhor, não tomaremos muito do espaço de vocês! — Willian agradeceu. 

— Bom mesmo. Marco, conte para os outros sobre a situação e peça-os para que todos perguntem sobre o paradeiro da garota. 

— Sim, chefe! 

— Voltarei à cozinha, não demore com isso. 

O chefe saiu lentamente enquanto os outros esbanjavam um grande sorriso no rosto. 

— Marco, como é capaz de suportar esse verme todo dia?

— Não ofenda-o, João.

— Willian, você é quem deveria estar bravo, ele te humilhou em praça pública!

— Infelizmente, ele é assim. Mas, mesmo que achem impossível, ele é uma boa pessoa. A clientela e o restaurante são as coisas mais importantes da vida dele, e quando descobriu que a Sarah comeu e aprovou a comida dele, mudou de ideia.

— Realmente é impossível achar que ele é legal depois do que disse sobre Willian.

— Eu não quero nem lembrar… Vamos terminar logo com isso antes que ele mude de ideia. 

— Vamos! 

Ambos prenderam um cartaz em cada lado da entrada, além de ter deixado um com Marco, que ficou impressionado com tamanha beleza do retrato de Sarah. 

Após isso, João decidiu voltar ao parque de diversões do seu primeiro encontro. Pensava que lá era um dos principais locais onde ela poderia estar.

Na entrada, pediram a um dos seguranças a permissão para prender o cartaz. Como segurança, o homem entendeu a noção da situação e rapidamente permitiu, deixando os membros da emissora contentes.

Entraram dentro do parque de diversões, pedindo para os donos de barracas se poderiam expor os cartazes, ou perguntar para os clientes, e todos aceitaram felizes em ajudar. 

Sem perceber, João e Willian se aproximaram da familiar barraca de tiro ao alvo. O rapaz de sobretudo tinha lembranças um pouco amargas sobre o dono de lá, mas deixou isso de lado e prontamente caminhou para pedi-lo ajuda. 

— Ora, se não é o jovem do outro dia… 

— Olá, velho. 

— Trate-o com respeito, João.

— Em breve, me entenderá, Willian.

— Como assim? 

— Está acompanhado por outra mulher? É um galanteador então, hein? Se bem que ele parece bem masculino… 

— Sou um homem, senhor. 

— Jura? É que pelo tamanho do seu cabelo, parece muito com uma mulher… 

— … 

— E sou meio ceguinho, sabe? Estou na flor da idade, hehe. 

João se aproximou do afro e cochichou: 

— Eu disse que ele era idiota.

— O que você cochichou ai, pirralho?! 

— N-nada não. 

— Ata, é que também sou um pouco surdo, haha! 

— Ok, ok. Precisamos da sua ajuda. 

— Com o quê? 

— Lembra da mulher que me acompanhou aquele dia? Ela… está desaparecida. 

— Meu Deus! 

— Estamos distribuindo cartazes com o objetivo de procurá-la, podemos deixar um contigo? 

— Claro! Mas tem um preço! 

— Vai cobrar para deixarmos um cartaz de procura aqui?!

— Vamos, jovem, só uma rodada, hehe. 

— … 

— Aceite logo, João. 

— Ok… 

Enquanto entregava as bolas para o rapaz, o velho pensava: 

“Hehehe, nem imaginam que coloquei pedras dentro das latas, será impossível derrubá-las ago…” 

Antes que concluísse o seu pensamento, ouviu o estrondoso som das latas caindo no chão. 

— Aqui, velho, o cartaz. 

— Ah… 

— Vamos, Willian, estou começando a ter traumas daqui… 

— Certo. 

Enquanto caminhavam para a saída, o dono da barraca se abaixou para pegar as latas, e com uma expressão de choro, refletia:

“Como ele é capaz de fazer isso, Senhor…”

Estava de noite quando as festas praticamente acabaram, e os dois homens estavam com apenas dois cartazes em mãos. 

Sem notarem, estavam na praça. Aquela praça trazia diversas lembranças para João. Parecia que o destino sempre o levaria para lá quando estivesse acompanhado, e agora, esse acompanhante era Willian. 

Ambos se sentaram num banco, e suspiraram longamente devido ao excesso de trabalho: 

— Caramba, já anoiteceu e ainda temos cartazes…

— Bem, podemos pendurá-los aqui e ir embora.

— Sim, mas acho melhor descansarmos antes.

— Certo.

— … 

— … 

— Willian. 

— Fale. 

— É engraçado dizer isso depois de tudo mas…

— O quê? 

— Você é uma pessoa legal. 

— Hehe, acho que posso dizer o mesmo de ti.

— Como?

—  Mesmo que tenhamos brigado ontem, você cogitou bater no chefe do restaurante após ele ter me xingado.

— Confesso que agi por instinto… Saiba que, mesmo após tudo isso, não te perdoei por ontem.

— Certo, certo. Sei que não mereço… ainda. 

— Esse “ainda” vai durar por um bom tempo. 

— Não tenho certeza, hehe.

— …

— …

— Deve ser difícil, né, Willian?

— O quê? 

— Eu não tenho ideia do que você já passou na sua vida. Talvez, esse seja só mais um dos vários casos de afronta que já sofreu.

— Exatamente.

— Mesmo assim, sempre é capaz de se manter calmo diante da situação.

— Bem, depois de tantos anos ouvindo os mesmos apelidos e xingamentos, acabei me blindando, entende?

— Na verdade, não…

— …

— Q-quer dizer, eu não sei o que faria se fosse humilhado tantas vezes na minha vida.

— Existem dois tipos de pessoa nesses casos.

— Quais?

— As que ignoram e as que agem.

— …?

— Há pessoas que, na minha situação, não suportam viver um dia. Na primeira ofensa, partiriam para a briga sem cogitar se vai sair vivo ou não… Acho que você é assim.

— Eu?!

— Pelo menos ontem foi assim.

— Não fiquei irritado por mim, e sim pela Sarah.

— Então, é como eu.

— …

— Como já disse, passei muitos anos da minha vida sendo xingado pelos meus traços físicos. Mas, não acho que seja um problema meu, e sim um problema da pessoa com ela mesma.

Entendo…

— Mas há pessoas que não tem esses tipos de pensamento, e que não merecem sofrer por minha causa… como a Ana.

— Parando para analisar agora, faz sentido. Todas as vezes que você discutiu com alguém, foi porque ofenderam ela.

— Sim… exceto com o Gabriel. Ele é capaz de me tirar do sério…

— Hahahaha!

— Enfim… Gostaria de te pedir desculpas novamente pelo que disse ontem sobre você e a Sarah. Pensando agora, fui bem hipócrita…

— Está tudo bem, todo mundo erra… 

— …

— Vamos acabar logo com isso, então?

— Já estou descansado, e você?

— Estou novo em folha.

— Ok.

Eles se levantaram para pregar os últimos cartazes, mas antes que terminassem o trabalho, João falou:

— Fico feliz que pude entender um pouco mais sobre ti.

— Obrigado…

Ao prenderem os papeis em árvores, ambos voltaram para a emissora após o longo e cansativo dia que tiveram.

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