Selecione o tipo de erro abaixo

Sexta-feira — 07 de junho de 1957 — Campos do Jordão — Brasil

Passaram-se quase três meses após a morte de Sarah Cambra.

Com um canto barulhento de um galo das redondezas, João acordou. Estava num pequeno quarto, deitado sobre um colchão velho jogado no piso. Neste quarto, não se notava muitas coisas: além do colchão — que aparentava um visual acabado, sujo e bastante esburacado —, era possível ver os restos do que deveria ser uma cama, com as madeiras quebradas e podres. Fora isso, via-se um armário, uma mesa de cabeceira com um rádio e roupas que mais pareciam trapos do que vestes espalhadas pelo chão.

O homem se levantou e caminhou lentamente até a janela, que estava coberta por um fino tecido usado como cortina. Infelizmente, tal tecido não cumpria seu papel, deixando a luz do sol iluminar aquele quarto quase por completo.

Abriu a janela, arejando aquele lugar que, até o momento, era desconhecido. Depois, ficou observando a paisagem que era bem diferente do que estava acostumado a ver.

Animais, celeiros e muita, muita grama.

João achava irônico que, mesmo após tudo o que aconteceu na cidade, ele estava num lugar tão calmo e sereno. Era como se estivesse no céu.

Bem, era o que queria. Mas sabia que estava errado.

Caminhou lentamente até a porta do quarto enquanto cobria sua cabeça com uma das mãos e gemia levemente, demonstrando estar com uma forte dor.

Ao passar pela porta, tornava-se perceptível que estava no segundo andar de uma moradia, que dado o contexto, era um sítio.

Nesse andar, só havia algumas outras portas e a escada que se direcionava para o andar debaixo.

Antes de descer, João decidiu vagarosamente caminhar até uma das portas, dando passos tortos e grotescos. Chegando, entrou no cômodo.

Lá, havia um espelho, um assento sanitário, uma pia com produtos de higiene básica e uma banheira cheia de água que provavelmente fora usada nos dias anteriores, dada a sua coloração.

Sem pestanejar, correu até a privada. Antes que chegasse ao seu destino, deslizou inesperadamente, tombando no chão. Mesmo assim, ignorou a nova dor que havia adquirido e continuou seu trajeto. Ao levantar a tampa do vaso, vomitou por um bom tempo.

Após se esvaziar, rastejou lentamente até a banheira, e com a água suja, “limpou” o seu rosto.

Levantou-se e, em meio às dores, seguiu até a saída do banheiro. Na metade do caminho, encarou-se no espelho, mostrando uma face completamente diferente da de meses atrás.

Seu cabelo demonstrava um descuido maior que o habitual, estava maior, bagunçado e seco. Agora, era possível ver uma barba falhada no rosto do jovem, se é que pode chamá-lo assim ainda. Suas olheiras, que já eram grandes e visíveis antes, estavam maiores. Era como se João tivesse mergulhado numa lagoa da juventude, que por motivos indescritíveis, aplicou o efeito inverso em seu corpo.

Horas se passaram desde o ocorrido no banheiro, e João alimentava os animais que andavam pelo sítio. Enquanto isso acontecia, algumas poucas pessoas passavam pelo portão próximo de onde o rapaz trabalhava, e todas cumprimentavam o jovem benevolentemente, mesmo que parecesse estar mal.

— Bom dia, João! — um velho cumprimentou sorridente.

— …

— Trabalhando arduamente, como sempre! Seu avô ficaria orgulhoso de ti, garoto!

— …

— Passei anos cuidando do sítio do seu velho, e agora, o neto decidiu voltar às origens e herdar as posses de seu avô. É uma bela história, hehe!

— …

— Bem… aparentemente, o jovem não está afim de conversar — o velho murmurou. — Não vou tirar seu foco, boa sorte, garoto!

O velho saiu vagarosamente, deixando João sozinho novamente.

Minutos se passaram quando o rapaz foi novamente chamado a atenção, dessa vez, por uma pequena senhora sorridente:

— Bom dia, João, você está bem? — a senhora perguntou educadamente.

— …

— A vizinhança está muito feliz pela sua volta. Uma cara nova faz diferença, hehe… Estou atrasada, mas lhe trouxe alguns pães artesanais para você se alimentar. Espero que goste!

O jovem, cheio de suor, caminhou até o pequeno portão que separava-o da mulher que lhe ofereceu os pães. Arfando devido ao cansaço do trabalho contínuo, respondeu:

— Obrigado, senhora Neide.

— Oh, meu jovem… parece tão mal… Se precisar de algo, passe na nossa mercearia, ok? Alice estava com muitas saudades de ti.

— Ok…

— Fique com Deus, garoto.

Neide, com seus passos lentos, seguiu o seu caminho, deixando uma sacola com João, que caminhou até o interior da moradia. 

Lá dentro, observava-se a sala de estar e a cozinha, que eram separadas por um balcão. Na sala, havia um sofá, uma pequena mesa com uma lamparina sobre, uma poltrona e uma estante repleta de livros empoeirados e jornais. Na cozinha, utensílios culinários e eletrodomésticos dominavam o cômodo.

Levou a sacola até o balcão e a deixou lá. Foi difícil achar um espaço, visto que estava repleto de garrafas de bebidas alcoólicas vazias e xícaras com resto de café, mas com o devido esforço, conseguiu.

Depois, voltou ao trabalho.

.

.

.

Estava tarde quando João finalmente completou os seus afazeres. Não se deu um descanso e logo correu para o celeiro. Lá, além dos animais, continha algumas ferramentas que o rapaz utilizou nas últimas horas, um rifle, um revólver e uma espingarda.

Andou até as armas e coletou todas, junto com uma caixa próxima lotada de munição. João pegou alguns alvos improvisados e colocou do lado de fora do sítio. Posicionou-se atrás de barricadas arquitetadas às pressas e começou a treinar sua mira. 

Demonstrava certa experiência com as armas. Treinou por meses desde a sua chegada no campo. Além disso, demonstrava muito foco, treinando e trabalhando incessantemente como se estivesse se preparando para uma futura batalha. Claramente, não se esqueceu dos seus inimigos da emissora.

Não sabia o que aconteceu com Willian, Ana, Gabriel e Caio após aquele incidente no seu apartamento. Ele sabe que foi algum deles, e mesmo que não quisesse suspeitar de Ana, tinha noção de que, no final de tudo, ela fazia parte daquilo.

Era um pensamento bem diferente do de antes, que considerava a ideia de que a loira era bondosa. João não tinha mais qualquer pensamento do tipo, só sentia rancor…

No fundo do seu coração, desejava que todos estivessem mortos, mesmo sabendo que é quase impossível.

Desde sua chegada em Campos do Jordão, nada de diferente ocorreu com ele ou a vizinhança, o que dava a entender que tudo acabou, mas João sabia que não era verdade.

A qualquer momento, o caos iria se instaurar, e ele precisaria estar preparado para isso.

Depois de esgotar toda a sua munição, finalmente decidiu descansar.

Andou para dentro do sítio e se aproximou do balcão, onde havia a sacola com os pães. Pegou um deles e mordeu grosseiramente, como um homem das cavernas, arrancando um grande pedaço.

Devido a falta de etiqueta, o carma apareceu, e o rapaz se entalou. Tossindo, pegou uma das xícaras com café parado e bebeu para aliviar a garganta.

João não sentiu nada além de desgosto por colocar aquilo em sua boca. Aquele sabor era asqueroso e deprimente. 

Graças a combinação do engasgo com o café oxidado, o rapaz vomitou novamente.

Encarou o vômito espalhado pelo balcão e chão e suspirou. Posteriormente, caminhou para a cozinha e abriu a geladeira, pegando uma garrafa de cachaça e abrindo-a, para beber.

Sentiu outra sensação horrível, mas era melhor do que o gosto do café podre e do vômito que saíra de ti segundos antes.

Tomou a garrafa pela metade e guardou-a na geladeira, deixando o local logo depois e voltando ao celeiro.

Eram seis horas da tarde quando João estava treinando. Com dedicação, esforço e criatividade, fez sua própria academia particular, utilizando cabos de ferramentas velhas, cimento e outras tralhas que achou jogadas por aí.

O barbado passou o dia todo sem camisa, trabalhando e treinando sem parar no sol sem se preocupar com queimaduras ou machucados. Como respostas, o corpo dele estava notavelmente definido e bronzeado, bem diferente do homem que era quando entrou na emissora pela primeira vez.

Além disso, pequenos tufos de pelos se espalhavam pelo peito do jovem, que parecia um ator de filme de ação.

Malhou por horas e horas até se esgotar quase que completamente. Em sequência, deitou-se no meio dos fenos que eram usados para alimentar os antigos cavalos que habitavam ali.

Deitado, olhava para o teto do celeiro com um olhar vazio.

Fazia sentido tudo o que João fez até aquele momento?

Desde que chegou na pequena cidade, não pensou em mais nada além de formas de derrotar os seus futuros oponentes… Mas, valia a pena?

Com poucas palavras na mente, João se perguntava:

“Por que eu?”

“O que estou fazendo aqui?”

“É algum tipo de punição divina?”

“Será que estou vivendo o verdadeiro inferno e não percebi?”

.

.

.

“Tudo acabaria se eu estivesse mor…”

João se levantou rapidamente, e com os punhos cerrados, caminhou até o interior do sítio.

Lá dentro, subiu as escadas e andou até o banheiro. Ao chegar, despiu-se completamente e entrou na banheira com a água suja. Ficou minutos sem fazer nada, apenas imerso na podridão que jazia no interior da banheira. Ele podia, mas não trocava a água lá de dentro.

Minutos se passaram e o rapaz decidiu sair de lá. Saindo do banheiro, foi até seu quarto para pegar mudas de roupas “limpas”.

Dito e feito, pegou as roupas, vestiu-se e desceu para o primeiro andar.

Após isso, chegou na estante empoeirada e abriu uma das gavetas que, surpreendentemente, continha uma caixa com charutos, que provavelmente eram de seu falecido avô. Ao lado, havia uma caixa de fósforos, que junto dos charutos, foi pega pelo jovem.

Pegou um fósforo de dentro da caixa, acendeu-o e ligou a lamparina e um charuto, que já estava em sua boca. Andou até a poltrona e se sentou, refletindo novamente enquanto fumava e observava a chama da lamparina dançando lentamente.

Ao acabar de fumar, João vislumbrou o balcão, que parecia um chiqueiro graças a tudo que fora mencionado anteriormente. Levantou-se e avançou até a cozinha mais uma vez. 

Repetiu o mesmo processo de mais cedo: abriu a geladeira, pegou garrafas repletas de cachaça e sentou no banco próximo ao balcão. Sem se importar com o vômito, virou a garrafa com o resto da bebida que sobrara da tarde até terminá-la completamente.

Virou tudo e, após um grito rouco e um tanto bizarro, jogou a garrafa para longe. Em seguida, abriu outra garrafa e começou a beber.

João continuou bebendo, bebendo, bebendo, bebendo e bebendo…

Bebeu tanto que, quando perdeu seus sentidos, desmaiou em cima do balcão vomitado.

E ficou lá…

15 de março de 1957 — Flashback

João descia as escadas lentamente, passando por todo o caos que fora causado no prédio.

Suas roupas estavam cobertas de sangue, seu rosto estava vermelho de tanto chorar, e ele apenas seguia seu caminho.

Tudo foi culpa dele…

Se não tivesse se envolvido com a emissora…

Se não tivesse descoberto o plano de seus colegas…

Talvez, pudesse morrer em paz, ou apenas se tornar o receptáculo de Satanás, como era planejado.

João continuou descendo as escadas, até chegar ao segundo andar. Olhando firmemente para o chão enquanto seguia o seu caminho, observou um pé vestindo botas de couro pretas e grossas.

Levantou sua cabeça lentamente, observando o que parecia ser um policial.

Encararam-se por segundos, até o desconhecido quebrar o silêncio:

— Você…

— …

— Fique parado, senhor. Irei chamar meus companheiros e te levaremos para uma delegacia.

O policial levou sua mão vagarosamente até a coxa, onde havia uma escuta.

Antes que se desse conta, João agiu por impulso e correu para trás, dando de cara com uma janela.

Com o máximo de força possível, jogou-se no vidro, partindo-o em milhares de pedaços, e caiu do segundo andar do prédio até a parte exterior. 

Por sorte, João caiu num jardim que havia lá embaixo, o que amorteceu levemente a queda.

Milissegundos depois, foi possível ouvir disparos de uma arma. Milagrosamente, João escapou da morte.

Mesmo que tivesse lesionado a sua perna quando caiu de lá, seguiu até uma possível rota de fuga.

Enquanto tudo acontecia, o policial que havia atirado chamou seus colegas para ajudá-lo na perseguição.

Chegou no estacionamento do prédio que ficava a céu aberto e correu até as grades que o separavam das ruas e dos becos. Pensando se conseguiria pular o portão, ouvia passos distantes do que poderiam ser policiais planejando uma emboscada.

Era só João se entregar, afinal, não era o assassino. Na verdade, nem conseguiria matar todas as pessoas que moravam com ele.

Mas um forte instinto de sobrevivência impediu-o de fazer isso.

Antes que os policiais chegassem, João conseguiu escapar do prédio e correu para os becos.

A partir daquele dia, João foi considerado um fugitivo e assassino de 27 pessoas que moravam no prédio e Sarah Cambra, sua ex-colega de trabalho.

Dormindo sobre o balcão, João chorava com as lembranças que tivera daquele ocorrido.

Picture of Olá, eu sou PRBYawn!

Olá, eu sou PRBYawn!

Salve pessoal, depois de bastante tempo, a novel voltou!

Acho quase impossível, mas para quem não percebeu, aconteceu um time-skip na obra.

Brincava com uns amigos falando que ia copiar o arco da fazenda de Vinland Saga (mas sem a qualidade de escrita do autor :v), e no final, fiz mesmo, hahahaha!

Enfim, esse arco vai ser um pouco curto (planejo encerrá-lo no capítulo 30, então se não acontecer, podem me cobrar), e ele vai antecipar o que REALMENTE importa na história.

Mas, antes que pensem qualquer coisa, esse arco não é filler (longe disso), só vai ser mais chato do que antes, ou talvez não, depende de quem está lendo.

NÃO PULEM esse arco, ele ainda vai ter coisas muito boas e cenas iradas, então tenham fé na escrita do pai.

Espero que tenham gostado do capítulo, em algum momento ele será revisado e atualizado, então não se preocupem com erros de gramática, ortografia, etc.

Sigam a conta da novel no Instagram! Já publiquei artes do João e da Sarah, além de publicar avisos e outras coisas interessantes lá:  @/oradiododiabo

Tenham um bom dia, amigos, até o próximo capítulo!

Clique aqui para entrar em nosso Discord ➥