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Sábado — 08 de junho de 1957

João acordou no que parecia mais um dia “comum” da sua nova vida.

Ao se levantar do balcão completamente sujo, subiu as escadas lentamente, cambaleando devido a ressaca causada pela bebedeira do dia anterior.

Entrou no banheiro e se encarou no espelho: a mesma figura de antes, porém coberto de vômito e com restos de saliva marcando seu rosto. Virou-se para a privada com um grande enjoo e decidiu se esvaziar mais uma vez.

Após isso, lavou seu rosto na água suja da banheira para tirar o excesso de sujeira e saiu do cômodo.

Andou até o seu quarto para pegar roupas limpas, visto que o estado das suas vestimentas atuais estavam deploráveis. Carregando as mudas de roupa, desceu para o primeiro andar.

Indo para o balcão, era possível observar a sacola de ontem cheia de pães. Desde que se engasgou, João não havia tocado naquilo, mas agora que estava com fome, não podia negar o “pão assassino”.

Mesmo que tivesse quase 24 horas, o pão ainda estava delicioso, porém um pouco duro. Mas, até aquele momento, não era como se importasse mais.

Desde que aquela sacola chegou em sua moradia, sua alimentação era resumida a cachaça, café e quiçá alguma outra bebida encontrada lá.

Agora que tinha pães, finalmente podia tomar um café da manhã minimamente decente, e assim fez.

Depois da refeição, caminhou até o celeiro para que pudesse pegar algumas ferramentas e alimento dos animais. Agora, o seu dia iria realmente começar.

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Horas se passaram até João finalmente terminar os seus afazeres. Com os animais alimentados e algumas hortas feitas, o jovem voltou para o celeiro.

Lá, carregou todas as armas e os alvos improvisados para fora. Quando voltou para pegar a caixa de munição, notou-a leve. Decidiu abrir e, como era esperado, estava vazia.

Demonstrou insatisfação com um fraco suspiro, jogando a caixa no chão e caminhando para o interior do sítio. 

Depois de vários dias, sairia de casa novamente. Dessa vez, iria para a mercearia de Neide, a senhora que passou lá no dia anterior com a sacola de pães.

Chegando no banheiro, encarou aquela água suja banhada em terra diluída dos serviços que João estava acostumado a fazer.

Ficou pensativo, afinal, tudo o que precisava fazer era entrar na banheira como nos outros dias, se arrumar e ir na mercearia. Porém, acreditava que a família que administrava os negócios daquele lugar não mereciam receber um cliente podre, cheirando a álcool e parecendo um mendigo.

Após vários dias, finalmente decidiu trocar a água da banheira. Tirou o objeto que tampava o ralo e, depois de alguns segundos, se esvaziou completamente.

Com isso, estava apta para receber água nova e limpa, que sairia da fonte mágica chamada “torneira”.

Enquanto fazia isso, João refletia sobre o quão preguiçoso e — talvez, estúpido — era por não fazer algo tão simples e rápido. Todavia, cogitou que, após a morte de Sarah e de seus antigos vizinhos, não pensou em mais nada além de sua vingança.

Sem perceber, a banheira já estava transbordando de tanta água. João rapidamente fechou a torneira, e depois de notar a besteira que fez, suspirou. Em seguida, entrou lá e ficou alguns minutos na água para que ela fizesse todo o trabalho de limpá-lo.

Um tempo se passou quando João estava saindo do sítio. Não estava muito diferente do dia anterior, mas só pelo fato de estar “limpo”, já parecia muito melhor.

Caminhando pelas estradas de terra, o rapaz lembrava de cor e salteado o trajeto até a mercearia, afinal de tudo, foram eles quem o ajudaram a voltar para o interior.

No meio do caminho, passava por outros vizinhos que o cumprimentavam alegremente por finalmente ter saído de casa. Até os moradores da região, que gostavam de demonstrar proatividade, esforço e foco no trabalho, ficavam cansados em ver João trabalhando e trabalhando todo dia sem qualquer descanso.

Enquanto isso, o homem não se esforçava para respondê-los, deixando-os um pouco cabisbaixos, afinal, aquele não era o João que conheciam.

Dado algum tempo, chegou na mercearia, uma loja pequena e simples que, na realidade, era a garagem da moradia da família.

O local em si era grande, mas a garagem estava longe de ser espaçosa. Continha um balcão, algumas prateleiras feitas de madeira que já demonstraram estarem velhas e os três funcionários e donos de lá.

Ao dar o primeiro passo no interior da mercearia, ouviu-se um grito tão alto que foi capaz de assustar até o vizinho do outro lado da estrada:

— JOÃO!!!
Sem tempo para reagir, o rapaz caiu no chão junto com a pessoa barulhenta, que o abraçou fortemente. Resumidamente, era uma mulher linda: cabelos loiros como o de Ana, só que curtos, além de conter um belo par de olhos azuis que lembram o céu dos campos. Fora isso, usava uma camiseta branca de botões que provavelmente fora emprestada por seu pai, uma saia godê também branca, sapatilhas marrons e um chapéu de palha feminino bege claro.

Segundos depois, apareceram Neide e um velho baixo e grisalho, completamente assustados:

— ALICE, O QUE VOCÊ FEZ COM O JOÃO?! — o velho esbravejou irritado com a atitude da mulher.

— Filha, saia de cima do nosso cliente! — Neide também disse desesperada com o estado de João.

A moça ignorava as ordens dos velhos e gritava incrivelmente animada com o aparecimento do rapaz:

— A QUANTO TEMPO!!! FINALMENTE PUDE TE VER DEPOIS DE TODOS ESSES ANOS!!! DEVIDO ÀS NOTÍCIAS, MEUS PAIS NÃO DEIXARAM EU IR TE VER, MAS AGORA ESTÁ AQUI NA MINHA FRENTE!!!

— Oi, Alice…

— VOCÊ NOS ESCUTOU, FILHA?! SAIA JÁ DE CIMA DELE! — o velho gritou mais uma vez.

Assustada, Alice se levantou e logo pôs-se a ajudar João, que parecia ter machucado as costas, já que colocava a sua mão na região da coluna expressando uma careta de dor.

— Olha o que você fez, menina! Acabou de machucar nosso cliente!

— Ah, pai, ele não é um cliente qualquer, é o João!

— Não importa, volte para o balcão!

— … — A moça encarou o rapaz com barba chateada com a situação. — Me perdoe, João…

Com um minúsculo sorriso no rosto, ele retribuiu:

— É bom te ver novamente.

A jovem corou instantaneamente e correu para o interior de sua casa.

— Perdoe-nos pela atitude de nossa filha, mas ela estava desesperada para te ver — Neide dizia se curvando.

— N-não se preocupe, senhora Neide… Boa tarde, senhor Ronaldo.

— Boa tarde, meu jovem — Ronaldo respondeu abraçando o rapaz fortemente. — Fico feliz por vê-lo sair daquela casa, estava me deixando aflito.

— Sim… parecia que iria morrer sem sair de lá… 

— Obrigado pela preocupação de vocês, mas estou bem — João respondeu. — Vim em busca de algumas comidas e…

— Bem, sinta-se à vontade para pegar o que for necessário, rapaz! — Neide sorriu gentilmente. — Vou chamar Alice para voltar ao trabalho, aquela garota…

— Certo… senhor Ronaldo.

— Ora, filho, não precisa me chamar de senhor, já é grande para essas coisas.

— Ah, ok… Gostaria de comprar munições para as armas do meu avô.

— Então você vem treinando, né? Dá para ouvir os disparos daqui, espero que esteja acertando o que quer que seja o seu alvo.

— Obrigado.

— Enquanto isso, pode pegar o que quiser, que os itens serão por conta da casa! Mas não exagere, hein?

— Ah, certo…

Ronaldo foi para dentro de casa, deixando João sozinho por um tempo. O rapaz pegou manteiga, café, leite e ovos. Depois, caminhou em direção ao caixa esperando alguém voltar para atendê-lo.

Segundos se passaram até a família toda voltar. Ronaldo se aproximou do jovem entregando uma sacola com as munições:

— Depois de tantos anos, ainda consigo lembrar das balas que o seu velho usava, hein?

— Realmente, você me salvou agora, sen…

— …!

— Ronaldo… você me salvou, Ronaldo.

— Assim mesmo, jovem!

— …

— Sabe, né, João? Eu e seu avô éramos tão grudados como você era com Alice no passado. Alguns amigos falavam que, quando eu casasse, teria que dividir minha cama com a esposa e ele, hahaha!

— Não gosto dessas piadas!

— Ah, amor, você ainda tem ciúmes? Isso já tem anos…

— Mesmo assim, hunf.

— Não seja assim comigo, meu pão de mel. Vem comigo que vou te encher de beijinhos! — Ronaldo envolveu seus braços por Neide dando diversos beijos em sua bochecha, tirando algumas risadas da senhora.

— Hahaha, aqui não, seu bobo! Vamos entrar!

Os dois seguiram romanticamente para o interior da casa, deixando Alice e João sozinhos e apavorados com a situação.

— …

— Saiba que eu tenho que ver isso todo dia, João.

— Meus pêsames.

A loira pegou os produtos do balcão e colocou na sacola.

— E então, como foi passar um tempo na cidade?

— Foi… — João fechou a cara chateado.

— Ah, me desculpa, não devia ter te lembrado sobre… as notícias.

— Está tudo bem…

— Mas, vamos tentar esquecer o que aconteceu nos seus últimos dias. O que fez para sobreviver por lá?

— Bem, passei boa parte do tempo na rua ou na biblioteca.

— Você? Morando na rua? Essa é nova.

— É verdade.

— Acho que está mentindo, hein?

— Estou falando sério.

— Quando criança, lembro que era tão medroso que tinha medo de dormir fora da sua casa. Recusou-se até a dormir comigo…

— …

— Sabia que estava mentindo.

— Eu. Não. Estou. Mentindo!

— Hahahaha!

— …

— Parece que consigo te tirar do sério mesmo depois de crescida.

— …

— Vamos, João. Todos estão falando que desde que chegou, parece um morto ambulante.

— …

Notando a expressão apática do rapaz, a jovem deixou as sacolas no balcão e atravessou-o, ficando ao lado de João que se virou.

— Se você continuar calado, terei que fazer “aquilo”.

— …

— Está duvidando de mim?

— Você não ousaria…

— Será que não? — Alice aproximou seu rosto de João ao ponto de sentir a respiração do mesmo. Ficaram se encarando por duradouros segundos, como se analisassem a si mesmos no reflexo das retinas. Num ato rápido, Alice pulou no rapaz e começou a fazer cócegas, fazendo-o gargalhar de rir.

— P-PARA, ALICE, PARA!! HAHAHAHA!!

— Finalmente abriu um sorriso no rosto, hehe! — A loira parou com o ataque e entregou as sacolas para João. — Agora tenho certeza de que você não foi possuído por um fantasma tristonho.

— Só você mesmo para fazer isso, hehe.

— Mesmo após crescermos, sigo sendo mais forte do que você, João.

Perco de propósito para não deixá-la chateada, sabe disso.

— Own, que bondoso ele é, haha!

— …

— E agora, vai me contar o que fez lá na cidade além de morar na rua?

— Nunca ligou um rádio na vida? Consegui cumprir o meu sonho de me tornar um radialista e trabalhei como editor de som lá.

— Acho que fiquei sabendo disso pelo meu pai, mas não me importei o bastante já que era você.

— Não precisa ser tão maldosa comigo…

— Estou brincando, bobo! 

— …

— E como era o pessoal da emissora? Eram animados, irritantes, tinha alguma mulher?

— Eles eram… 

— Eram?

— Normais.

— Que bom, né?

— E sim, lá tinha mulheres.

— “Mulheres”? Tinha mais de uma?!

— Sim, qual o problema disso?

— N-nada demais. Mas então, tinha contato com elas?

— Sim, elas eram muito amigáveis. Havia uma loira enérgica igual você, mas bem mais velha, devia ter uns 30 anos, eu acho.

— Você não gosta de mulheres velhas, né?

— Que tipo de pergunta é essa?

— Deixa, deixa. E a outra?

— A outra… Nós frequentemente saímos juntos a encontros e estávamos praticamente apaixonados um pelo outro, mas devido a algumas coisas, acabou não dando certo.

— Ah…

— Ela… me amava muito, mas não pude retribuir o amor dela, e agora…

— …?

— Você deve ter ouvido as notícias, não? Que sou suspeito de assassinato de um condomínio todo… Entre os mortos, está a jovem com quem eu saia…

— …

— Ela morreu… e não pude fazer nada…

— João — a loira falou firmemente apertando a mão do rapaz que tremia. — Nós sabemos que não é capaz de fazer uma coisa dessas. Caso o contrário, nem estaria aqui agora, certo?

— Sim…

— Nós confiamos em você, por isso te ajudamos a fugir para cá.

— Obrigado, Alice…

— Desculpe-me pelas perguntas, fiz elas na hora errada…

— Está tudo bem, sei que se importa comigo, no final de tudo.

— Eu? Me importar com você? Para com isso, hahaha!

— Hehe, você é muito ruim em mentir, Alice.

— Do jeito que está demorando, suas compras irão apodrecer. Vai para casa logo!

— Certo, madame. Boa tarde.

João caminhou para fora do estabelecimento, mas antes que saísse, foi chamado pela loira:

— João!

— O que foi?

— Em alguns dias, passarei na sua casa para entregar algumas surpresinhas, hehe!

— Certo. Até, Alice.

— Até mais!

Horas se passaram desde a ida na mercearia. João estava deitado no seu colchão velho, enquanto refletia.

15 de março de 1957 — Flashback

O homem corria pela cidade o mais rápido que pudesse para que não fosse pego pela polícia.

Até aquele momento, João já sabia que seria considerado um criminoso, pois tudo levava a crer que ele foi o assassino do condomínio.

Em meio a arfadas, tirava seu sobretudo pensando em jogá-lo na rua, mas por ter sido herdado de seu avô, decidiu apertá-lo o máximo que podia para não deixar o sangue visível para as outras pessoas.

Com poucas moedas no bolso, João decidiu arriscar na sorte. Correu até um orelhão e decidiu ligar para um número até então desconhecido.

Rezando para que funcionasse, o telefone ficou na linha.

.

.

— Quem é que liga a essas horas?!

— Senhor Ronaldo, é você?!

— J-João! A quanto tempo, meu garoto! Como está?

— Senhor, estou te implorando… Por favor, me ajude a sair daqui.

— O-o que aconteceu, jovem?

— O senhor vai entender tudo depois. Me ajude, pelo amor de Deus!

— Filho, não estou te entendendo.

— ME TIRA DAQUI, POR FAVOR!!!

— C-certo! Estou indo para aí, onde vamos nos encontrar?

— E-EU NÃO SEI, SÓ VENHA PARA CÁ E ME TIRE DAQUI!!

— Já estou saindo, João, mantenha a calma! Pedirei o carro de um vizinho aqui, então tente buscar algum lugar seguro! Você está no centro, né?

— SIM!

— Certo, me espere aí que te procurarei!

“Na virada do dia, Ronaldo me encontrou próximo da emissora. Provavelmente, ouvia as minhas transmissões para ter passado por lá tão rapidamente… Se não fosse por ele, não sei o que aconteceria comigo… Se o Senhor me deu essa oportunidade de continuar livre, não a jogarei fora… Demônios malditos… irei matar todos vocês.”

Até o próximo capítulo, pessoal.

Picture of Olá, eu sou PRBYawn!

Olá, eu sou PRBYawn!

Bom dia, tarde ou noite para quem está lendo isso.

Esse é o segundo capítulo do arco novo, e tivemos a apresentação de 3 novos personagens, o mais importante deles, a Alice.

Confesso que criei ela para criar uma espécie de “rixa” entre ela e a Sarah, mas isso ficará mais exposto nos próximos capítulos.

Deixo com vocês o questionamento sobre qual seria o melhor par para o João (por mais que Sarah já esteja morta :v)

Fora isso, não tenho muito o que dizer. Os capítulos continuarão chatinhos, mas o arco é bem mais curto então não desanimem!

Caso queiram acompanhar os lançamentos dos capítulos, sigam a conta da novel no Instagram:  @/oradiododiabo 

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