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Terça-feira  — 11 de junho de 1957

Após acordar, João saiu de seu quarto e foi até o banheiro para se limpar. Jogou um pouco de água no rosto, saiu e desceu para o segundo andar.

Na cozinha, ainda se via aquela bagunça nojenta no balcão, mas com a adição da sacola de compras do dia anterior. Caminhou até a sacola e retirou todos os itens, colocando-os em algum espaço vazio que havia alí.

Em seguida, pegou dois pães da outra sacola e abriu o pote de manteiga. Após esfregar levemente um pão na manteiga, comeu. Era uma refeição simples, porém superior a todas as outras que tivera antes.

Enquanto se deliciava com a comida, pegou a garrafa de leite e abriu-a, tomando o líquido logo depois.

Ao terminar o café da manhã, seguiu para o celeiro para iniciar suas atividades.

Passou-se um tempo até João quase finalizar as plantações que faltavam. Com a enxada nas mãos, agredia fortemente a terra que em breve receberia várias sementes.

Depois, arremessou a enxada no chão e pegou as sementes que seriam plantadas no local.

De repente, ouviu um prazeroso assobio vindo do portão do sítio:

— Nossa, não sabia que por trás dessa carcaça de ser humano havia um homem tão másculo, haha!

João virou-se para o portão, percebendo a presença da loira da mercearia.

— Bom dia, Alice. — E logo voltou ao trabalho.

— Ei, o garotão vai me ignorar mesmo? Vem para cá, João!

— O que você quer? Estou no meio do trabalho.

— Não se lembra do que falei na mercearia? Viria para te trazer algumas surpresinhas!

— …

— Escapar do meu pai foi difícil, sabe? Retribua o meu esforço com um pouco de gratidão!

O rapaz caminhou até o portão curioso para saber a tal surpresa de sua amiga de infância, que estava com as mãos nas costas.

— O que é?

— Nem pense em tocar em mim! Só te mostrarei quando abrir o portão.

— …

— Vamos, abra!

— Continua exigente mesmo após esses anos.

— Quer saber, vou embora e contarei para meus pais que fugi para te ver, assim nunca me permitirão que eu te encontre novamente.

— Dramática, também.

— Hunf.

João pegou o molho de chaves do bolso de sua calça rasgada e abriu o portão.

— Obrigada, João!

— De nada.

— E agora, aqui estão as coisas que te prometi.

Alice estendeu os braços, mostrando uma cesta de piquenique coberta por um pano e uma sacola em cima.

— O que são essas coisas?

— Abra e você descobrirá!

João retirou a sacola de cima da cesta e o pano por cima dela, revelando vários biscoitos de chocolates.

Antes que pudesse dizer algo, o homem pensou:

“Rosa…”

— João, o que aconteceu? Ficou calado de repente.

— Ah, me desculpe… Muito obrigado pelos biscoitos.

— Ei, o mais importante é o que está na sacola!

— Ah, certo.

João entregou rapidamente a cesta para Alice e abriu a sacola.

— Desculpa por ter demorado para te entregar, passei um bom tempo procurando formas de tirar as manchas dele. Talvez, tenha sobrado alguma ain…

Alice encarou o rapaz, notando algo que poucas vezes viu em sua vida: João estava chorando.

— J-João, está tudo bem?!

— Obrigado, Alice… Muito obrigado…

— …

João pegou o item que estava no interior da sacola e o abraçou.

Finalmente havia recuperado o seu amado sobretudo.

A única lembrança direta que havia de seu avô, além do sítio.

— Achou que nós iríamos jogar fora, não é?

— Nunca pensei que veria ele de novo.

— Meus pais quiseram pôr um fim nele mesmo, mas como você sabe, sou uma ótima ladra, hehe!

— …

— E então? Não vai agradecer a sua incrível amiga?

Surpresa, Alice foi fortemente abraçada pelo homem, que ainda derramava lágrimas.

Com o rosto vermelho de vergonha, empurrou ele para trás.

— E-ei! N-não pode fazer isso com uma dama!

— …

— Idiota.

— E você é uma dama mesmo? Hahaha!

— Me devolva esse sobretudo!

— Estou brincando, Alice… Mas… você não é uma dama…

— Bobo…

— Você é minha salvadora, sabe disso, né?

A loira mais uma vez se mostrou envergonhada.

— P-pare de falar essas coisas, por favor.

— Ok, hehe…

— Pelo visto, vou ter que ir embora daqui, já que você está tão meloso.

— Ah… Certo, até algum dia, Ali…

— Ei! Está me expulsando?!

— Não disse que iria embora?

— Não me lembro de ter dito!

— Foi a cinco segundos atrás…

— E você, não vai me convidar para entrar? Meus braços estão cansados de segurar essa cesta!

— Ah, certo, vamos…

— Você precisa aprender a ser um homem, João.

— Como assim?

— Mais másculo e romântico, por exemplo.

— Quer que eu seja másculo e romântico contigo?

— C-comigo não, idiota! Todas as mulheres gostam de um homem assim!

— Até você?

— Deixe esse assunto para lá.

João abriu a porta do sítio, revelando aquele chiqueiro de vários meses para a loira, que estava assustada.

— Você vem morando nisso?

— Sim.

— Que nojo!

— Não entenderia.

— Vocês homens são grotescos, eca!

— Talvez, sim…

— …

João e Alice entraram e deixaram as coisas na mesa em frente ao sofá, o único lugar aparentemente limpo da casa. No sofá haviam várias garrafas de cachaça vazias, que logo foram colocadas no chão pelo rapaz suado.

Após se sentarem, Alice puxou a mesa para perto de ambos e retirou o pano de cima da cesta, pegando um biscoito logo em seguida.

— É um pouco triste comer algo tão delicioso nesse lugar tão porco.

— Vai ficar me humilhando o dia todo?

— Você precisa de um pouco mais de juízo!

— …

— Vamos, João. Falo isso porque sou sua melhor amiga!

— Às vezes, repenso nessa ideia…

— É melhor do que se eu falasse pelas costas.

— Verdade…

— …

— …

— Decidiu virar um bebum, é?

— Como você é chata, hein?!

— Ah, João, me deixa!

— Nunca refletiu sobre o quão difícil é ser acusado de matar 28 pessoas, incluindo sua ex-colega de trabalho?! A qualquer momento, um grupo de policiais podem aparecer por aí e me levarem preso, quiçá me matarem por ser um fugitivo. Não só isso, mas todos vocês poderão ser presos por esconderem um criminoso…

— …

— É uma droga viver assim, e me odeio por fazer isso, mas a minha mente estava tão ocupada com esses pensamentos que essa foi a única maneira que achei para me aliviar.

— João…

— Já passou pela sua cabeça a ideia de que, se estivesse morta, tudo estaria melhor?

— …!

— Talvez, se estivesse morto, nada disso estaria aconte…

João recebeu um forte tapa no rosto da loira.

— O qu… — ao virar-se para Alice, notou-a derrubando lágrimas em meio a um semblante de raiva.

— Pare… de dizer essas coisas…

— …

— Se você estivesse morto, eu…

— …?

— Eu não sei o que faria da minha vida, João…

— Alice…

— Nunca houve uma criança aqui que fosse capaz de me compreender… Todas eram tolas, mas… você era diferente.

— …

— Lembra quando nos conhecemos? No primeiro dia de aula, quando a professora nos perguntou o que queríamos ser quando crescêssemos… Riram da gente pois queríamos nos tornar um radialista e uma detetive… 

— Lembro…

— Eles se escondiam atrás de uma máscara criada por seus pais, abandonando os sonhos reais deles para viverem aqui… Era como uma lavagem cerebral. Mas nós? Éramos diferentes, lembra?

— …

— Enfim… acho que me entendeu… Se não estivesse aqui, não saberia como me entender, de fato…

— Alice, você…

— O quê?

— Sempre sentiu um certo desprezo daqui, não?

— Só percebeu agora? Hahaha! Já foi mais inteligente, João.

— Percebi quando chorava ao me ver indo embora.

— …

— Um melhor amigo abandonando o outro… Talvez, eu fosse uma falha desde criança.

— …

— Me desculpe por ter feito isso, devia ter pensado mais nos seus sentimentos.

— João…

— …

— Não me force a te dar outro tapa!

— O-o quê?

— Acha que eu ficaria triste por ter me abandonado?! Estava seguindo o seu sonho, afinal de contas! Não existia pessoa mais feliz no mundo do que eu naquele dia!

— S-sério?

— João, se seguir os seus sonhos significa me abandonar… me abandone quantas vezes for preciso. Sempre torcerei por ti…

— …

— Mas avise antes, ok?

— Hehe… ok…

— …

— Finge que me odeia, mas no final, sei que gosta de mim, Alice.

— “Gostar” é uma palavra muito forte. Diria que apenas te admiro.

— Então, tenho uma admiradora secreta?

— Nem tão secreta assim, hehe! Mas, do jeito que está vivendo, vou parar de lhe admirar já, já…

— Já entendi o que você quis dizer. Arrumarei o sítio assim que for embora, tá bom?

— Ou…

— Ou?

— Posso te ajudar!

— Não.

— Ahn? Por que não?

— Na última vez que aceitei, quase fui morto…

— Não estou te entendendo…

— A questão é que você é minha visita, então, não. Sem essa de arrumar o sítio.

— Não sou apenas uma visita, sou sua melhor amiga!

— Não venha com essa, não vai me persuadir agora.

— Idiota…

— …

— Conversamos bastante, que tal comermos esses biscoitos logo?

— Certo, certo.

Passaram toda a tarde juntos enquanto se deliciavam com os biscoitos feitos pela loira. Fazia tempo que João se sentia tão bem quanto agora. Mesmo que sua casa estivesse uma tremenda bagunça, Alice não o deixou por isso, e ambos conseguiram aproveitar o tempo juntos.

Depois de horas, João acabou adormecendo no colo da loira, que acariciava timidamente os cabelos pretos do rapaz.

— Seu bobo… Após todos esses anos, ainda não notou que eu te amo…

— …

— Estou tão feliz pela sua volta…Fiquei sozinha por todos esses anos, sem poder te ver, e agora você está aqui…

— …

— Se não fosse tão burro, entenderia os meus reais sentimentos, hehe… Espero que um dia nós possamos ficar juntos.

— Hm…

— O-o desgraçado está acordado?!

— Sarah…

— O-o quê?

— Por que…

— …?

— … — João voltou a chorar, mesmo que estivesse adormecido.

— João…

.

.

.

Eram dez horas da noite quando o rapaz acordou. Coçou os olhos e encarou ao redor do sítio, que estava completamente arrumado.

— Não acredito que ela fez isso…

Sentou-se adequadamente no sofá e logo notou um papel escrito na mesa à sua frente:

“Amanhã é uma data especial. Arrume-se MUITO bem porque iremos sair juntos, e você NÃO PODE recusar. Com ódio, Alice.”

— Haha… que idiota.

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