Ponto de Vista de Saki:
Em um piscar de olhos, Samaell surgiu grudando suas mãos no rosto da Noelle. Sua pressão mágica imobilizou a todos, apenas Karayan conseguia se mover, mas mesmo assim, nenhum de seus ataques conseguiam encostar no último anjo caído.
Lágrimas escorreram pelos olhos de Noelle e logo minha preocupação aumentou ainda mais. Pouco tempo se passou, até Samaell a soltar e recuar sua posição. Ele parecia estar confuso, mas isso era o que menos importava para mim naquele momento.
Lentamente eu vi o corpo da minha amiga se inclinar para dentro da cratera e no mesmo instante eu a segurei.
— Noelle! Tá tudo bem? — eu gritei preocupada.
O brilho das marcas em seu corpo oscilava em uma baixa frequência, eu não sabia o que aquilo significava e mais uma vez perguntei.
— Você tá bem? Me diz!
Noelle ergueu sua cabeça, o que me deixou aliviada por um momento, mas durou pouco tempo até eu perceber a raiva em seus olhos, olhando para Samaell através de mim.
— Noelle, calm-
Seu corpo desferiu uma quantidade imensa de mana que me jogou para longe imediatamente. A sua pupila desapareceu, raios caiam por todos os lados, o ar a sua volta vibrava e sem dizer uma única palavra, seu corpo desapareceu completamente, aparecendo novamente em frente a Samaell, cortando seu corpo ao meio.
— Mas o que? — tanto Samaell quanto eu tivemos a mesma reação.
Rapidamente, Noelle disparou centenas de esferas de raios por todo o lugar, transportando seu corpo de uma para a outra em extrema velocidade. Tudo que eu conseguia ver era um clarão atravessando os céus sem parar.
Por um breve momento, ela parou em meio a cratera, bem abaixo de Samaell, uma chuva de raios caiu sobre eles, todos acertando o corpo paralisado da criatura perversa. Como um pára-raios, Noelle também foi acertada por todos os ataques, acumulando toda a energia dentro de si. Com um único salto, segurou Samaell pela cabeça, descarregando toda a eletricidade do seu corpo.
Não sendo suficiente, ela se impulsionou usando seu alvo como apoio, subindo assim aos céus e sendo acertada pela nuvem de raios que foi criada. Seu corpo exalava uma grande quantidade de fumaça ao mesmo tempo que tremia incessantemente.
— Ela já tá no limite, não vai aguentar por muito tempo — eu me levantei no mesmo instante, correndo o mais rápido que podia para a alcançar.
Ela aterrissou brutalmente, fazendo um pequeno buraco no chão, mas assim que deu o primeiro passo para desferir seu próximo golpe, eu vi minha amiga cuspir uma quantidade anormal de sangue, caindo em seguida com um joelho no chão.
Ela tentava se levantar, porém não conseguia de forma alguma.
— Noelle! Para! — Eu a agarrei mais uma vez pelos ombros, olhando em seus olhos.
Diferentemente do olho esquerdo, uma marca, uma espiral acompanhada de quatro setas nas quatro direções, estava gravada na parte vazia e sem pupila de seu olho direito. A marca desapareceu gradativamente, dando vida novamente ao seu olho azul claro.
Olhando para mim, com lágrimas nos olhos e com uma expressão de dor e agonia, Noelle apagou por completo em meus braços.
“O que foi isso?” eu me perguntava enquanto a apoiava nas costas.
— Ela se sobrecarregou — Karayan respondeu meus pensamentos ao chegar rapidamente ao meu lado — Já havia chegado ao seu limite há muito tempo.
Akira e Shosuke se levantavam ofegantes, com seus corpos ainda extremamente desgastados. Eu olhei para cima, amaldiçoando Samaell de todas as formas enquanto ele sorria para nós.
— Você é amiga dela, não é? — erguendo sua espada despedaçada, ordenou — Vão para o mais longe que puderem. Eu seguro esse desgraçado de merda — firmando seus punhos na arma.
— Mas voc-
— Aqueles dois vão te dar cobertura, apenas saiam daqui! — todo seu corpo estava sendo envolvido por uma aura negra, exalando uma forte pressão mágica.
Ainda cansados, os outros dois haviam chegado. Akira logo se aproximou de Noelle, perguntando sobre seu estado.
— Já mandei irem embora! — gritou — Se ficarem aqui, vão morrer antes mesmo que possam pagar a minha bebida!
Hesitantes, temendo o futuro, eu virei minhas costas, pronta para fugir. Eu me sentia fraca e inútil tendo o corpo inconsciente da minha amiga em minhas costas, me culpando por mais uma vez não ter sido forte o suficiente para protegê-la.
— Fio da Escuridão: Submundo — Karayan ergueu seus braços pronto para atacar.
— Podem parar aí mesmo — a voz divertida de Samaell se transformou em uma voz ameaçadora e temível. Seu corpo reapareceu em fumaça bem na nossa frente, paralisando todos nós — O nosso jogo ainda não terminou.
— Você… é sádico — o respondi com dificuldade.
— Eu queria continuar nossa brincadeira até o fim, mas a minha rainha ordenou a minha presença.
— Que… rainha…
— Ela disse que tem um recado para você, certo? Não que tenha alguma escolha, porque você não tem, mas… escute bem.
Minhas pernas fraquejaram me derrubando ao chão. Samaell andou lentamente até mim, suas luvas macias tocaram meu cabelo, em seguida, o puxou, erguendo minha cabeça.
— O que… merda… você quer?
— “Você tem algo que me pertence e eu quero de volta. Venha até mim e devolva o que me foi roubado”
— E se eu estiver pouco me fudendo? — por alguma razão, meu coração não permitiu que eu me curvasse para essas ordens e o respondi olhando com raiva em meus olhos.
— Bom, se vai ser assim — Samaell ergueu seu punho, abrindo a palma de sua mão e logo a fechando agressivamente — Eu vou obliterar cada canto desse lugar — disse calmamente, enquanto fazia uma grande fração da Ilha de Raven desaparecesse em uma esfera escura e densa de trevas.
Eu não consegui reagir àquele poder, tudo que pude fazer foi o observar indo embora em uma abertura no espaço, semelhante ao portal que me levou ao treinamento com Elena, ao mesmo tempo que acenava para nós, debochando de como éramos fracos.
— A Rainha Lilith está esperando. Não nos desaponte — mostrando seu sorriso irritante e maligno.
Assim que seu corpo desapareceu na escuridão, a névoa negra também desapareceu. A atmosfera morta da ilha voltou a ter vida, o frescor e a brisa do mar corriam pelas ruas juntamente com o sol que brilhava no céu, mas naquele momento, nada disso importava e sem conseguir resistir, meus olhos se fecharam.
Ponto de Vista de Samaell:
Depois de tantos anos, meus pés finalmente se reencontraram com o piso dos salões do inferno. Um local pouco iluminado, que outrora já esteve mais claro. O som das chamas era música para os meus ouvidos, a grande mesa retangular com suas cadeiras mórbidas estavam no mesmo lugar de sempre, acompanhada com cálices luxuosos, mas queimados pelas chamas.
Nas sombras, pude identificar 3 figuras nas quais ainda me lembrava e com alegria os cumprimentei.
— Irmãos, que saudade senti, que bom revê-los! — curvei-me respeitosamente — Dice, Drácula e claro, minha amada rainha, Lilith.
— Então você conseguiu se libertar do “Selo Celestial”… que belo feito para alguém como você… — disse Drácula, apresentando a pele pálida de sua mão contra a luz.
— Digamos que dessa vez foi sorte…
— Podemos considerar que aquela bruxa também teve “sorte” — Dice, ironicamente, me confrontou.
— Aff, vocês são hostis demais. Onde está o capitão? Ele é o único que gosta de mim — reclamei em um suspiro.
— Ele está ocupado agora, não retornará tão cedo…
— Ah fala sério, e os outros? — perguntei decepcionado.
— Você ficou muito tempo fora, eles já estão se preparando.
— Mas já? Assim eu não vou ter nenhum tempinho pra me divertir.
— Você não estava brincando agora há pouco?
— Tá brincando, não é? Aquilo não deu nem pra cansar…
— Mas você passou a mensagem, isso que importa — a grandiosa rainha do inferno, Lilith, nos interrompeu.
— Claro, madame — me ajoelhei aos seus pés.
De costas para mim, sem dar o luxo de um verme como eu olhar para sua pessoa, ela concluiu.
— Perfeito, agora, tudo que nos resta é esperar.
— Sim, Majestade — nós três respondemos simultaneamente à nossa rainha.
Ponto de Vista de Saki:
Recobrando a consciência, eu abri meus olhos lentamente, vendo o rosto de Elena assim que acordei.
— Elena? O que está fazendo aqui? — perguntei confusa, olhando ao redor tentando identificar onde eu estava.
Em alguns segundos, ainda sentindo meus 5 sentidos funcionarem um por um, percebi que estava em uma tenda vermelha com diversos computadores e aparelhos médicos ao redor.
— Preste atenção, idiota, eu não estou aí.
— Como é? — antes que eu ao menos tentasse compreender o que estava acontecendo, Elena socou meu rosto com fúria.
De alguma forma, seu braço atravessou minha cabeça, causando dano algum. Eu tentei retirar o seu braço dali, mas minhas mãos também a atravessaram.
— Mas, como isso é possível?
— Oh! Saki! — a voz de Elena foi sutilmente substituída pela voz de Galliard — Conheça Eco!
Novamente, a voz agora escutada era uma voz feminina, mas desta vez alterando sua aparência, tomando a forma de uma simples esfera azul de mana.
— Eco…
— Sim, eu sou “Eco: Unidade 01”. Mestre Galliard me enviou para investigar a Ilha de Raven — sua voz suave e alegre me deixou aliviada, finalmente sentindo que estava segura.
— Ainda bem — suspirei aliviada — acho que agora posso relaxar um pouco.
— NADA DISSO CRIANÇA! — a voz de Elena atacou meus ouvidos — Você vai explicar o que aconteceu aqui!
— Antes disso, onde está a Noelle? E os outros, pra onde eles foram?
— As unidades médicas 02 e 03 estão cuidando de seus ferimentos.
— Então estão todos bem? — perguntei esperançosa.
— Bom… a Noelle ainda não acordou, ela foi a que mais se feriu e não parece que vai se recuperar tão cedo…
— Não… há quanto tempo ela está assim?
— Chegamos assim que o céu se abriu, ela já estava sem consciência naquele momento. Já se passaram 4 horas desde então.
— Merda! — Eu lembrava dos acontecimentos de poucas horas atrás, pensando em tudo que eu poderia ter feito para evitar que isso acontecesse.
— Era um oponente mais forte que você, não é sua culpa.
— Mas…
— Ela deve ficar bem, mas seu corpo sofreu muito dano, devemos deixá-la descansar.
— Sim… — o selo que havia aparecido em seu olho não saía da minha cabeça. Eu sabia que aquilo era uma obra de Samaell, o que me dava calafrios só de pensar.
— Agora vamos, o que aconteceu aqui? — intimou mais uma vez.
Eu contei tudo sobre o que aconteceu desde que chegamos, com exceção do olho direto da Noelle. Com o coração apertado, me levantei e perguntei.
— Onde ela está?
— Uhg, como é teimosa — “Elena” suspirou — tem uma tenda branca alguns metros à esquerda, lá está calmo e tranquilo, não a acorde.
— Pode deixar.
Saindo da tenda, o sol que não aparecia há tanto tempo alcançou os meus olhos. Por mais que a vista estivesse limpa e bonita, o sentimento de melancolia ainda estava lá. Eu me sentia fraca e incapaz cada vez que lembrava do passado.
No caminho, encontrei Akira e Shosuke, bem distantes um do outro, andando com faixas em seus torsos e braços. Em meio a conversa, descobri que toda a névoa se foi assim que apagamos, também descobri que Shosuke forçou as unidades médicas a o tratarem à distância. No fim, de alguma forma, ainda sorriámos ao conversar, como se nada tivesse acontecido.
Finalmente encontrei a tenda onde Noelle estava. Uma porta com um vidro fosco embaçava seu interior, mas assim que me aproximei, ela se abriu. Seu corpo deitado em uma maca estava ligado a diversos aparelhos que a monitorava, só de ver aquela cena me dóia amargamente. Seus batimentos pareciam estáveis, sem anormalidades, com alívio, arrastei um banco de madeira próximo a cama em que se deitava e sentei, esperando pacientemente por seu despertar.
Pouco tempo se passou até eu começar a sentir um desconforto em meu braço direito. No mesmo instante lembrei que durante o “jogo” de Samaell eu havia deslocado o ombro.
“Ainda incomoda…” eu girava meu ombro, verificando se não havia nada de errado além da dor leve.
No fim não havia nada de errado, mas ao olhar para meu punho, memórias recentes correram pela minha mente. O confronto contra o último anjo caído cravou em mim o quanto eu ainda era fraca e me fez ver o quanto Elena se segurava para me treinar.
Em uma investida que fiz em sua direção, disparando meu punho tal como um tiro e o acertando com toda a minha força, não causei nenhum dano. Seu corpo estava intacto e meu ombro deslocado. Minha força não foi o suficiente, minha magia não foi o suficiente, eu não fui suficiente.
Meus amigos se machucaram, mais da metade da ilha se foi, nada disso teria acontecido se eu fosse mais forte.
“Ainda não é o bastante” eu dizia para mim mesmo, cerrando o punho envolto a convicções.