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Ao ouvir as palavras de Andrei, Tâmara não pôde esconder a surpresa e o choque. Foi como uma sombra gigantesca caindo sobre seu mundo. Ela finalmente estava conseguindo ficar próxima de Renato, e uma coisa dessas tinha que acontecer!

Esta sensação esmagando seu coração era a coisa mais próxima de medo que ela poderia sentir.

Encontrou os olhos daquele que amava mais do que a si mesma, e não suportou seu olhar.

Ela virou as costas e correu.

Bateu o pé no parapeito da janela e saltou. Ativando suas botas à jato, ela ganhou altura.

Voou alto, em direção àquelas estrelas distantes e inalcançáveis.

Desesperada, odiando o mundo e a si mesma, ela gritou.

Como pôde ter sido tão ingênua? Ela mesma, a mais mentirosa que conhecia, sempre foi boa em julgar as pessoas, em saber quando falavam a verdade e quando mentiam, e dessa vez foi ela a enganada. Pela primeira vez na vida, sentiu-se idiota!

Odiou essa armadura que usava, que permitia que ela voasse. Não suportou a repulsa e arrancou um dos rebraços metálicos. Em seguida, arrancou o outro.

Meteu a mão na gola e puxou aquela placa metálica que protegia seu peito. Se desfez de cada peça, inclusive das armas anexadas. Por fim, arrancou as duas botas e as jogou longe.

E despencou das alturas em queda livre.

— E então, Renato — Andrei abriu um sorriso ensanguentado —, o que vai fazer? A Tâmara está fugindo.

O garoto deu de ombros.

— Eu cuido dela depois. No momento, minha atenção é inteiramente sua. Sinta-se privilegiado.

— Tô lisonjeado. Nunca fui tão popular assim!

— Então você vai adorar o que eu preparei pra nós.

Renato segurou o dedo indicador do mercenário e o torceu até sentir o osso se quebrando.

Andrei gemeu de dor, mas não gritou. Seu dedo ficou numa posição estranha, torcido, apontando para seu próprio dono, num ângulo de 30 graus em relação à mão. A respiração dele estava ofegante. Sua mão tremia

Clara, ao ver a cena, sorriu de satisfação. Ela gostava desse Renato cruel. Achava sexy.

Jéssica e Mical preferiram se afastar para não ver aquilo. Mesmo dispostas a ajudar Renato, ainda não concordavam cem por cento com o que ele estava fazendo. Além do mais, ver a dor de outro ser humano, desse jeito, fazia elas sentirem-se mal.

Lírica manteve a expressão neutra o tempo todo. Estava acostumada a esse tipo de situação.

Renato segurou o dedo médio e o quebrou também.

O mercenário fez uma careta de dor enquanto suprimia seu gemido. Não deixaria Renato saber o quanto estava sofrendo. Era orgulhoso demais para isso!

— Diga onde encontrar a Kath e eu deixo você morrer.

— Acha que sabe causar dor, garoto? Você só quebrou uns dedos. Não é nada demais! O que vai fazer quando todos eles acabarem, hein?

— Que bom que perguntou. Quando os dedos acabarem, ainda vão ter duas orelhas que podem ser cortadas fora; dois olhos que podem ser arrancados; dois joelhos que podem ser furados com a furadeira… — O garoto aproximou o rosto do ouvido do mercenário. — E, pra falar a verdade, nós podemos curá-lo. Depois de dilacerar teu corpo, nós podemos curá-lo só para dilacerá-lo novamente. E aí? Gostou da ideia?

Nessa hora, Renato ouviu um bip.

— O telefone via satélite — disse Clara, segurando o pequeno aparelho — está tocando.

— Quem será que é? — disse Renato, com cinismo.

— Andrei! Cadê você, caralho?! Por que não voltou ainda? Já falei que essa sua mania de ir em puteiros durante as missões…

— Oi, Kath.

— …

— Engoliu as palavras? — perguntou Renato. — Tá surpresa? Tá com medo? Já percebeu o que aconteceu, não é?

Ela suspirou e deu uma gargalhada.

— Ah, Renato, você não para de me surpreender!

— Deixa eu te surpreender pessoalmente?

— Tá me dando uma cantada, Renato? Logo você que tá sempre cercado de lindas garotas, seu cafajeste! Homens! Nunca estão satisfeitos!

— Por que não me encontra pra gente conversar? Sabe onde eu estou, não sabe?

— O Andrei ainda está vivo?

— Está sim. Se você correr, talvez chegue a tempo de salvar a vida dele.

Ela riu.

— Sabe, Renato… diferente de você, eu não sou manipulável. Se quiser matar o Andrei, mate. Eu não me importo. Ele nunca vai te dar nenhuma informação. É um brutamontes burro, mas é leal.

— Então não se importa com o que eu fizer com ele? — Renato direcionou o olhar para Andrei, e o viu olhando de volta, curioso sobre os rumos da conversa.

— Não — respondeu ela, com uma voz alegre, e desligou.

— Burro, mas leal, hein? — disse Renato. Fechou os olhos e suspirou. Estava cansado. — Lírica, você tinha dito algo sobre…

Mas não havia mais ninguém na sala. A demi-humana, Clara, as duas irmãs e até Andrei tinham sumido.

O garoto estava completamente sozinho.

A própria sala tinha desaparecido. Todo o predinho tinha sido reduzido a uma pilha de escombros. Cascalho e pedaços de tijolo e cimento endurecido eram as únicas coisas que restavam sob os pés de Renato.

A noite estava escura, sem qualquer sinal da lua ou das estrelas, e nuvens carregadas cruzavam o céu tais como grandes massas de fumaça negra.

Seus olhos se adaptaram ao escuro, e Renato finalmente viu os corpos. Milhares, talvez milhões de pessoas. Tantas que cobriam toda a paisagem. Era um tapete de morte que envolvia a terra.

Todas as casas, prédios, construções tinham sido reduzidas a entulho. Até o asfalto estava em pedaços.

Atônito, o garoto caminhou lentamente. O sangue quente molhou a sola de seus pés; e o entulho machucava a pele conforme ele pisava.

Uma brisa quente, fedida como aquela que refrescava o Inferno, acariciou seu rosto.

As plantas estavam todas mortas. As árvores derrubadas apodreciam junto dos cadáveres. Não havia canto de pássaros, nem latido de cachorro, nem qualquer barulho além dos trovões que iluminavam os céus de tempos em tempos, rasgando as nuvens com ferocidade.

— O quê… O que aconteceu?

Finalmente encontrou Jéssica e Mical. Estavam mortas, abraçadas uma na outra, em meio a pilha de cadáveres.

Jéssica estava por cima, como se tivesse tentado proteger sua irmã, e o ferimento à espada estava em suas costas. A lâmina tinha atravessado seu corpo e chegado à Mical.

Renato se ajoelhou ao lado delas e as tocou.

— Não… ! Quem… quem fez isso?

O corpo de Lírica estava a alguns metros. Tinha muitos ferimentos feitos à espada.

— Por quê? Quem… quem fez uma coisa dessas?! 

E então Clara surgiu diante dele. Ela lhe direcionou um olhar terno, compassivo.

— Ah, Renato… você finalmente voltou a si.

— Clara! O que houve? O que aconteceu? A gente estava interrogando o Andrei, e de repente…

— Sua mente não suportou, Renato. Você quebrou. 

— Como assim? O que está dizendo? Me diz o que houve!

— Toda a raiva acumulada… toda a tristeza… toda a crueldade que você aceitou carregar trouxeram consequências irreversíveis. Perdeu o controle.

— Arimã tomou o controle do meu corpo?

— Não. Não era Arimã. Era só você.

— O quê… eu fiz?

— Você canalizou o poder de Arimã e… afetou o mundo todo. Apagou as estrelas. O sol não nasce mais há dias. Anjos e demônios se juntaram para tentar te parar mas… foi inútil. Você matou todos. Todos mesmo. Não existe mais nada vivo na Terra. Você matou todas as pessoas, todos os animais, todas as plantas. Os oceanos ferveram. Os desertos congelaram. A Terra se tornou estéril.

— O… quê?! Mas isso não faz sentido! Agora mesmo a gente estava no seu prédio e…

— Nós tentamos te parar também, Renato. Você matou Jéssica e Mical. Elas imploraram pra você parar, mas você não parou. Matou as duas com um único golpe. A demi-humana entrou em sua cabeça para tentar resgatar sua sanidade perdida de algum canto obscuro de sua mente, mas ela não suportou ver o que tinha dentro de você e o cérebro dela fritou. Ver o tamanho de seu sofrimento, de seu ódio, foi demais para ela. E então você a matou usando sua Espada do Pecado. Depois, completamente alucinado, foi até o hospital e matou seu amigo Hiro, enquanto prometia que ia libertá-lo da existência. Você matou todos. Até a mim.

Renato segurou Clara, apoiando suas mãos nos ombros dela.

— Não entendo! Não entendo!

— Mas você me deixou para o final. Não sei bem o porquê. Acho que… meus encantos de súcubo balançaram até sua loucura.

Ela sorriu.

E Renato finalmente notou um pequeno fio de sangue em volta do pescoço dela, como um arranhão.

O garoto, assombrado, se afastou. Foi quando percebeu o peso em sua mão. 

Finalmente viu que estava segurando a espada.

— Adeus, Renato. Espero que você encontre a paz que nunca teve.

E então a cabeça da súcubo rolou para o lado, se desprendendo do pescoço, e caiu no chão. 

O corpo decapitado de Clara caiu logo em seguida.

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