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— Verdade ou desafio? — indagou Clara.

Jéssica, que já tinha bebido alguns goles de cachaça, estava se sentindo bastante confiante.

— Desafio — respondeu, e na hora fez uma careta enquanto tentava conter um soluço que beliscava sua garganta. A voz estava meio mole.

— Muito bem, Jessiquinha! Então eu te desafio a dar um beijo na boca do Renato!

— Eh?

— Não tem coragem?

Jéssica tomou essas últimas palavras como um insulto à sua honra. Se levantou, bateu no peito e disse:

— E-eu tenho muita coragem, viu?! — Seu corpo se balançava um pouco, devido a dificuldade em manter o equilíbrio de pé. — Renato! Se prepara, que eu vou acordar o varão! Hic! — soluçou.

— Eita!

Jéssica foi até ele, caminhando com passos pesados. Estava determinada. Se aproximou do garoto e colou seus lábios nos dele. Estava um pouco desengonçada, mas conseguiu fazer bem o trabalho. Seus lábios eram macios e o perfume agradável.

Se afastou, puxando fôlego de volta, e abriu um sorriso.

— Waaaa! Isso é incrível! Hic! — disse ela, soluçando, e com as bochechas coradas. — Mica, você precisa provar! Precisa fazer também!

— E-eu? M-mas eu não fui desafiada…

— Vai logo! — disse Clara.

— C-certo! Aí vou eu!

O beijo dela foi mais tímido. Colou os lábios nos de Renato por poucos segundos. E então se afastou, com os olhinhos brilhando.

— Pfff! Amadoras! — disse Clara, com desdém. — Vou mostrar como se faz.

Ela foi até Renato e, lentamente, tocou os lábios dele com os dedos. O olhar era sedutor, meio avermelhado. E então ela sorriu. E até o sorriso pareceu safado. E o beijou. Um beijo molhado, longo, cheio de movimento. As mãos dela percorreram o corpo de Renato, provocando arrepios.

A temperatura no quarto pareceu subir. As pernas de Renato já estavam ficando bambas. O coração batia alucinado.

Clara pôs a mão dentro do shorts dele e segurou a coisa endurecida, e sentiu-a latejando.

— Você quer, não quer? Quer agora? — disse ela, baixinho, no ouvido dele, sorrindo. — mas não agora. Primeiro vou fazer você implorar. Vai comer na minha mão.

E se afastou, deixando-o com ainda mais vontade.

— Viram, meninas? É assim que se faz.

Jéssica parecia confusa.

— E-eu não vi direito!

— Hum?

— É que… tá tudo estranho! Parece que tem dois Renatos! E duas Claras! E até duas Micas! Hic! Tá tudo embaçado!

Clara suspirou.

— Ela tá bêbada.

*

Quando Renato e Clara notaram que a cachaça havia subido pra cabeça das duas meninas, resolveram dar uma pausa na brincadeira. Jéssica se deitou na cama, reclamando do fato da casa estar estranha e se balançando; e Mical, ao lado dela, respondeu dizendo que na verdade não era casa que estava balançando, mas o mundo que tinha começado a girar rápido demais. Diziam, ou pelo menos tentavam. As palavras saíam emboladas.

— N-nnãou pooode sê o mundoo que… — Jéssica parou bruscamente. Se esqueceu do que estava falando. — Hic! — soluçou. — Lembrei! O munduo continua girano como seeempreee. A casaa que tá esxtranha!

— É o mundoooo, Jéssssxxx! O mun… — e dormiu.

Renato caiu na risada.

— Durma também, Jés.

— Ei, Renatooo! — disse a garota, com voz chorosa. — Cê num vaiii aband… aban… abandonar a gente nãoouu, né?

— Não — ele foi até ela e dei um beijinho em sua testa. — Durma bem. Estarei aqui quando acordarem.

— Tá bom — respondeu ela, com a voz ainda chorosa, e fechou os olhos.

Clara parecia um tanto abismada.

— Esqueci o quanto humanos podem ser fracos pra bebida — disse ela. — Mas até que foi legal. Elas se soltaram bem.

— Verdade.

— Estou com fome!

— Não vem com essa de “tô com fome”. Você faz tudo aquilo e depois para do nada? Isso é maldade, sabia?

Clara riu.

— Mas eu tô com fome, ué. E não é bom fazer nada com fome.

— Humpf. Garota faminta. Acho que “tô com fome” foi a primeira coisa que você me disse quando a gente se conheceu naquele beco.

Clara franziu o cenho, puxando pela memória.

— Não foi a primeira. Só uma das primeiras. E dessa vez eu tô com fome de comida mesmo. Cadê meu celular? Vou pedir alguma coisa pra gente comer.

Eles conversavam enquanto saíam do quarto, deixando as duas descansarem. Clara foi buscar um de seus celulares descartáveis que ficavam em seu quarto particular e Renato foi pra sala. Ligou a tv. Ele queria saber das notícias.

Pela primeira vez desde que voltou do Inferno ele soube o que de fato estava acontecendo no mundo.Um terremoto tinha devastado a Turquia e Síria, deixando muitos mortos e feridos. Uma usina nuclear explodiu na Alemanha. A Rússia tinha iniciado uma guerra com a Ucrânia.

E então o Repórter, que estava num tipo de galpão cheio de gente, começou a falar sobre a situação no Brasil:

— Os sobreviventes estão tentando se manter abrigados. Eu tô aqui num dos abrigos improvisados. A energia elétrica está instável, hora funciona, hora não. Falta comida, água potável, remédios. É realmente uma situação desesperadora. Aquelas imagens… aquelas pessoas sendo levadas pelas ondas, Bonner, não sai da minha cabeça. Foi a primeira vez em vinte anos de jornalismo que eu vejo algo desse tipo! Toda a costa do Brasil foi atingida! E, de acordo com o INPE, mais ondas devem chegar, porque os tremores no Atlântico ainda não pararam, então toda a costa brasileira deve ser evacuada o mais rápido possível!

Enquanto o jornalista falava, imagens de um tsunami explodindo nas praias brasileiras eram exibidas em tela dividida.

— Pedi nossa comida.

Era Clara. Sua voz saiu quase inaudível. Até ela pareceu chocada com as imagens na tv.

O âncora do jornal, sentado atrás de um balcão, disse a seu companheiro em campo:

— Recebi a informação, Rodrigo, que o empresário Emannuel Messias estará chegando ainda hoje aí no Rio de Janeiro. Como sabemos, ele é famoso por sua filantropia. Ele garantiu que vai disponibilizar meios para que toda a população seja evacuada em segurança, e que vai levar remédios, comida e água. Assim que ele pousar, tenta falar com ele.

— Sim, Bonner.

— E agora vamos com imagens da Bahia…

— Meus Deus — disse Renato. — Parece o fim do mundo.

— Talvez seja.

— Esse empresário, O Emmanuel, tomara que ele consiga mesmo evacuar todo mundo. Ele sempre aparece pra ajudar em situações de crise, mas desta vez…

Clara enrugou a testa e ficou calada por um momento.

— Que estranho… esse empresário… eu lembro da vez em que ele foi pessoalmente levar alimentos para as vítimas daquela enchente em São Paulo.

— Eu lembro disso também.

— E também lembro — Clara parecia confusa — da vez em que ele salvou a vida de uma criança que tinha se afogado. Ele disse que…

—  Que tinha feito o curso de primeiros socorros há pouco tempo. Sim, eu me lembro.

— O problema é que eu também.

— Como assim?

— Talvez isso te surpreenda, Renato, mas, em geral, seres humanos não despertam tanto meu interesse a ponto de eu me lembrar deles. Principalmente alguém tão… repugnantemente bonzinho.

— Ah, o cara é famoso. Você deve ter visto na tv, ou sei lá, na internet.

— Pode ser. Mas tem algo estranho. Não tem nenhum podre dele; nenhum escândalo de corrupção, nem lavagem de dinheiro; nunca foi pego subornando político. Nunca vazaram vídeo dele traindo a esposa. O cara é limpo demais. Os humanos até que poderiam não saber dessas coisas, mas eu sou um demônio. Os podres humanos sempre chegam até mim.

— Vai ver ele só tem caráter, né? Pode te surpreender, Clara, mas às vezes seres humanos têm isso.

Ela ficou pensativa por um instante.

— Hum… acho que não. Geralmente, essas pessoas que mais parecem do bem, são as que escondem os piores segredos. Vai por mim, melhor confiar num assassino em série confesso do que em alguém como ele. Vou fazer uma pesquisa detalhada e descobrir o que esse cara esconde.

Ela se levantou para pegar o notebook, que estava sobre o hack, próximo a televisão.

— Pode me emprestar o celular, ó grande e paranóica súcubo? Tenho algumas ligações pra fazer.

Ela estava tão absorta em pensamentos, que nem se importou com o tom sarcástico dele. Apenas jogou o celular para que Renato o pegasse.

Ele pegou o aparelho e até pensou em ligar para seus pais adotivos, mas sabia que eles não atenderiam. Nunca atendiam. Nem mesmo em situações de vida ou morte. Então preferiu ligar para Irina, sua irmã. Ela atendia, às vezes.

— Renato?! Ah, que bom falar com você! O que aconteceu com seu telefone? Por que você não atende? E por que não responde meus e-mails?! Como você está? Está tudo bem? Tá tudo bem por aí?

Mesmo abatido, Renato se permitiu um sorriso. Irina sempre foi uma garota histérica, que falava muito e rápido.

— Eu perdi meu celular. E também… muitas coisas aconteceram. Não tive tempo de entrar em contato. Desculpe, Irina.

— Sabe o quanto eu fiquei preocupada? Ainda mais com… esses últimos acontecimentos. Morri de medo de que você pudesse… de que você pudesse estar próximo ao mar, à costa, e…

— Continuo em Cuiabá. — Ele engoliu em seco — Por aqui tá tudo bem.

A garotinha do outro lado da linha suspirou aliviada.

— Graças a Deus!

— Mas e por aí? Onde vocês estão? Estão perto da Rússia, não é?

— Eu tô em Moscou. O papai e a mamãe estavam aqui também até ontem resolvendo algumas coisas. Mas sabe como eles são. Aconteceu aquele terremoto na Síria e eles partiram pra lá. Dizem que querem ajudar as pessoas. — Suspirou, dessa vez de preocupação e pesar, e continuou: — O mundo parece que ficou maluco de uma hora pra outra, Renato. Nunca vi tanto terremoto estourar assim de uma vez. E não é só isso! Moscou tá parecendo um forno de tanto incêndio! E ouvi que nos Estados Unidos tá acontecendo um furacão agora mesmo.

— Venha me ver assim que puder, Irina. Foi bom falar com você. Por favor, tome cuidado.

— Mas já precisa ir?! Eu queria falar mais com você! Eu tô com saudade do meu irmão! Tô com saudade das nossas brincadeiras!  De quando a gente brincava de esconde-esconde lá no orfanato. Quando você chegou, eu tinha que brincar sozinha, então você… ah, que saudade daqueles tempos! Agora tá tudo tão complicado!

— Também tô com saudade, Irina. Volte pro Brasil assim que puder. Nossos pais, eles sabem se virar. Não precisam que você… bom… tô te esperando. Tchau, minha irmã.

— Tchau.

Assim que desligou, notou que Clara estava olhando pra ele completamente incrédula.

— Você tem uma irmã?!

— Irmã adotiva. Nos conhecemos no orfanato. E aí fomos adotados juntos pela mesma família. Pra falar a verdade, eles iriam adotar apenas ela, mas por algum motivo, resolveram ficar comigo também na última hora. Sou grato por isso.

— Ela é mais nova ou mais velha que você?

— É dois anos mais nova.

— Ah! Que demais! Uma irmãzinha! E ela é fofa? Ela precisa ser fofa! Irmãs mais novas tem que ser fofas!

Renato coçou a têmpora, pensativo.

— Ela é bem fofa sim.

— Incrível! Ela precisa vir nos visitar!

— Também acho.

Em seguida, Renato pegou o celular para fazer mais algumas ligações e Clara voltou para sua pesquisa no notebook.

Ele ligou para o orfanato para saber se estava tudo bem. Estava assombrado com a possibilidade dos anjos matarem todos aqueles que ele conhece, como Arimã lhe disse que aconteceria.

Quem atendeu foi uma das professoras, que ficou extremamente feliz em receber a ligação. Ela estranhou um pouco as perguntas dele sobre algo ter acontecido, ou se estava tudo bem no orfanato, mas respondeu. Insistiu que ele fosse fazer uma visita, e falou que algumas das crianças da época em que ele era interno ainda estavam lá.

Renato prometeu que os visitaria em breve

Logo depois, ligou para o Hiro.

— Renato?! Por onde você esteve, cara?! Eu tentei falar contigo um montão de vezes. Até fui naquele predinho de outro dia, mas aquelas meninas falaram que você não estava no país!

Renato sorriu.

— Eu já tô de volta. Tô ligando pra saber se tá tudo bem; se não aconteceu nada de estranho… sabe… nada de estranho mesmo. Não chegou de ver luzes no céu ou escutar um som de trombeta, né?

— Hum? Do que você tá falando? Tá metido com ufologia agora, é?

— Ah, não… é que…

— Mas aconteceu algo sim!

— O quê?

— Descobrimos quem é o assassino do soneto. Descobrimos quem tá matando, cara! É por isso que eu fiquei que nem louco tentando falar com você!

— O quê? Descobriram?! É sério?

— Sim! Não dá pra falar agora, mas me encontre naquele barzinho perto da escola onde a gente matava aula pra jogar sinuca.

— Certo.

E desligaram o telefone.

Renato ficou um tempo pensativo. Uma sensação ruim formigava em seu peito. Algo que lembrava culpa.

“Arimã”

“O que foi?”

“Essas tragédias que estão acontecendo no mundo… são minha culpa?”

“Sim. Eu avisei que seu retorno pra Criação traria muitas catástrofes. Avisei que teria mortes. E mesmo assim você escolheu voltar” Parecia que a criatura estava achando isso bem divertido. Era como se estivesse segurando para não rir. “E ainda tem aqueles que te seguiram.”

“Eu fui seguido? Mas como?”

— Eu sabia! — Clara interrompeu sua conversa mental com Arimã. — Minha intuição nunca falha!

— O que descobriu?

— Absolutamente tudo o que existe sobre esse Emmanuel Messias apareceu ontem. É como se há dois dias ele nem existisse.

— Hã? Mas tem aquele vídeo dele salvando a garota do afogamento. É de 2014, não é?

— Todos os vídeos que encontrei sobre isso, foram postados ontem.

— Mas como assim? Isso não faz sentido!

— E tem mais. O registro de nascimento dele simplesmente não existe.

— Como… isso é possivel?

— O tal filantropo é um impostor. O que torna tudo mais assustador, é que ele tem poder o suficiente pra implantar memórias nos cérebros de todo mundo no país, até mesmo nos demônios. Que tipo de criatura ele é?

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Olá, eu sou o Max Sthainy!

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