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— Se você se soltar de mim, eles vão te ver. Precisamos ir depressa, mas com cuidado — explicou Renato.

O professor, que não estava entendendo mais nada, apenas assentiu. No corredor, passaram pelo colega de cela agonizando no chão, após levar dois tiros, enquanto o policial, ao seu lado, falava no rádio comunicador. Tiveram que passar por cima dele, erguendo bem a perna para não tocá-lo. O professor, no entanto, pisou em seu sangue, e uma pegada foi sendo formada conforme ele andava. O colega de cela viu, tentou falar alguma coisa, enquanto engasgava no próprio sangue, antes de ficar em silêncio.

Vários policiais vieram correndo pelo corredor, em direção àquele primeiro policial. Um deles notou a pegada de sangue que vinha solitária, ficando mais fraca,  e simplesmente parava de se formar do nada.

— Mais gente escapou — disse ele, então dividiu seus parceiros em duas equipes. Uma iria em direção à carceragem e outra voltaria e vasculharia a saída da delegacia, procurando sinais do outro fugitivo.

Renato, Tâmara e o professor, por várias vezes quase foram descobertos, com os policiais passando por eles. Se um deles esbarrasse em qualquer um dos três, seriam vistos.

Bem na saída, tinha um grupo de policiais de vigia, olhando atentamente em todas as direções, mas para os três, que estavam invisíveis, não foi difícil evitá-los.

Assim que saíram da delegacia, chegaram ao estacionamento e, como esperado, o Carro de Clara não estava lá. Ela deveria ter ouvido os tiros e percebido a confusão e se afastou. 

Tâmara meteu a mão no bolso e apertou o botão no controle para destrancar o Jetta, sorriu para Renato e disse:

— Encontro você lá — e lançou uma piscadela.

Logo em seguida, ela soltou de Renato e correu até o carro cor de rosa, enquanto os policiais, que a viram, atiravam. Ela foi rápida e ágil, e, mesmo sob uma chuva de balas caindo sobre ela, conseguiu afundar o pé no acelerador, e o motor rugiu feito animal feroz, e os pneus giraram, e ela desapareceu na estrada.

Renato acenou para o professor, indicando o caminho que tomariam. Desceram, a pé, uma rua lateral até chegar numa outra avenida. Lá, estacionado em frente a uma loja fechada, estava o Corolla.

Assim que se aproximaram, Renato meteu a mão na cara e puxou aquela criatura gosmenta. Não aguentava mais ter aquilo parasitando-o.

— Ora, então esse é o tal professor assassino? — Clara tinha um olhar alegre.

— Não sou assassino.

— Eu sei. Mas seria legal se fosse. — A súcubo deu de ombros.

***

Chegaram à rodoviária. O Jetta rosa de Tâmara já estava estacionado ali. Ao lado dele, com as costas apoiadas no carro, a  garota segurava uma latinha de fanta laranja. Tinha um olhar impaciente.

— Até que enfim chegaram! — disse ela, assim que Renato e os outros desceram do carro. 

Foi completamente ignorada. Renato entregou uma mochila ao professor.

— Aqui tem dinheiro, documentos falsos e um comunicador via satélite. Os documentos são tão bem feitos que nenhuma polícia do mundo descobriria.

O professor, ainda confuso e tentando entender o que acontecia, pegou a mochila, hesitante.

— Eu não fiz nada. Por que eu tenho que fugir?

— Porque a justiça não acreditaria em você, professor. Mas nós sabemos que é inocente.

Renato suspirou e olhou para o alto. As estrelas estavam bonitas.

Clara assobiou, chamando a atenção do garoto. Quando Renato olhou na direção dela, viu que ela lhe oferecia uma latinha de cerveja que tinha pegado da bolsa térmica que trazia próxima a seus pés, embaixo do banco do motorista. Renato sorriu, pegou a latinha, a abriu e bebeu um gole. Depois prosseguiu:

— Daqui vinte e cinco minutos vai sair um ônibus com destino à Bolívia. Pegue esse ônibus. Tem dinheiro o suficiente pra você se manter por um tempo. Entre os documentos, tem um passaporte. Pegue um avião lá na Bolívia. Recomendo que vá para Portugal. Tivemos o cuidado de fazer um diploma de licenciatura em língua portuguesa, assim, você só vai precisar validá-lo e vai poder dar aula em qualquer outro país que fale a nossa língua. Não pode revelar nunca seu nome verdadeiro. Se conseguirmos consertar as coisas por aqui, e vamos tentar, vou entrar em contato pelo comunicador. Não o perca.

O professor segurou firme a mochila, apertando-a contra o peito.

— Quem é você? Tipo… você pertence a alguma máfia? Facção criminosa?  — perguntou ele, enrugando a testa.

— Eu sou só o Renato — respondeu, dando de ombros.

O professor imitou seu gesto, dando de ombros também.

— Será que posso, pelo menos, tomar mais uma cerveja também?

— Mas é claro que pode! — respondeu Renato, com um sorriso.

**

O ônibus ganhou a estrada. Enquanto ficava cada vez mais distante, o professor olhou pela janela. Parecia confuso, com medo. Não demorou muito e desapareceu na esquina.

Renato suspirou e levou a mão ao rosto. Estava cansado.

— Agora tem aquela outra coisa que precisamos fazer.

— Vamos pro Priorado? — Jéssica mordiscou o lábio. Estava apreensiva.

Renato assentiu.

Mical estava inclinada sobre o carro, com os cotovelos apoiados no teto. Ela baixou os olhos e também mordiscou os lábios. Tinha medo de voltar.

— E pra onde vamos agora? — perguntou Tâmara. Era a única verdadeiramente empolgada.

Renato olhou para ela e ficou em silêncio por alguns instantes.

— Você não vai com a gente.

— O que? Por quê? Como assim? — Tâmara sorriu, mas foi um sorriso tenso, desses usados para esconder o nervosismo. — Eu tô com vocês, não tô? Achei que…

— Não dá. Desculpe.

— Mas por que, Renato? Me deixa ir com vocês! Por favor! Achei que a gente já tinha resolvido isso… — Ela balançava a cabeça em negação.

— Porque eu não confio em você.

Ouvir isso deixou Tâmara em choque.

— Não… confia em mim…? Mas… o que eu fiz? O que eu fiz de errado? Por que não confia em mim?

Renato achou tão absurdo ela não saber o que fez de errado que não conseguiu conter a risada.

— E você ainda pergunta? Você mentiu pra todos, Tâmara. Mentiu pra mim.

— Mas eu tentei de falar! Tentei! Juro que tentei! Mas fiquei com medo do que você ia pensar sobre…

— Sobre você ter matado toda aquela gente? Você é quem deveria ter sido presa, Tâmara. Deveria se entregar à polícia.

— Não… não… não… não… Você não deveria agir assim comigo! Não deveria! Eu sou quem mais te ama aqui! Você deveria ficar do meu lado! — gritou com raiva.

Tâmara, num impulso de descontrole e ódio, agarrou Mical, que estava próxima dela. Prendeu a garotinha num mata-leão, puxou a submetralhadora da cintura e pressionou o cano da arma contra as têmporas dela.

— Se eu não vou ficar com você, então ninguém mais vai! Eu vou matar todo mundo! — Os olhos de Tâmara estavam vermelhos de lágrimas e sua mão, segurando a arma, tremia.

Na mesma hora, Jéssica apontou o fuzil para ela.

— Solta minha irmã, sua vadia desgraçada! Ou eu vou abrir um buraco na sua cabeça agora mesmo.

— Seria interessante. Meu dedo tá roçando no gatilho. O que será que vai acontecer se eu levar um tiro? Sua irmãzinha vai ganhar um buraco na cabeça também.

— Solta ela! — Jéssica tinha um olhar assustador. Renato nunca tinha visto ela assim.

Clara, que estava sentada sobre o banco do motorista, com as portas abertas, apenas bebeu mais um gole de cerveja e suspirou, parecendo entediada.

— Tâmara! — gritou Renato. — Solta ela!

— Não!

— É assim que você quer que eu confie em você?

Tâmara estava a ponto de desmoronar em choro.

— Renato… é que eu não suporto ficar longe de você enquanto essas garotas estão tão perto! Só me deixa ficar…

— Você acabou de piorar ainda mais as coisas, não acha?

— Droga! Droga! Droga! Por que vocês me forçaram a fazer isso? Por quê?!

— Eu vou te matar — disse Jéssica. Sua voz saiu baixa, porém carregada de raiva.

Tâmara deu um passo para trás, trazendo Mical consigo. Pressionou ainda mais o cano gelado da arma contra as têmporas dela, e seu dedo, tremendo, quase apertou o gatilho.

— Tá tudo bem, Jés. Vai acabar tudo bem.

— Baixe a arma — disse Tâmara. — Abaixe sua arma e eu solto sua irmã.

Jéssica não respondeu. Apenas continuou direcionando um olhar frio. Era como uma águia visualizando sua presa.

— Tâmara, solte a garota — disse Renato, se aproximando; mas Tâmara deu mais um passo para trás.

— Só depois dessa aí abaixar a arma.

— Jés — disse Renato. — Abaixe a arma. Deixa que eu resolvo isso.

— Não. Essa vadia morre hoje.

Tâmara se afastou ainda mais, puxando Mical, até ficaram num local que não era mais protegido pela cobertura metálica da rodoviária. Gotinhas de chuvisco caíram sobre seu rosto.

Jéssica se aproximou, devagar, mirando o fuzil bem no meio dos olhos de cor âmbar.

— Pensa bem, princesinha homicida — disse Clara —, se matar essa garota, suas chances de se dar bem com o Renato serão zero.

Tâmara estalou a língua.

— Tudo o que fiz, Renato, fiz porque ficar longe de você me enlouquece! Me enlouquece demais! — disse Tâmara, e jogou Mical contra Jéssica.

Jéssica agarrou Mical, e Tâmara aproveitou para correr, pegar impulso, chutar o chão e saltar. Seu salto foi alto, e ela parou em cima da cobertura metálica da rodoviária, e correu, enquanto Jéssica atirava contra ela.

Tâmara conseguia ouvir as balas perfurando e atravessando o metal da cobertura embaixo de seus pés, e raspando próximas de sua cabeça. Mas ela não parou. Continuou correndo, e assim que a cobertura terminou, ela saltou novamente, e conseguiu parar sobre o telhado do prédio vizinho; e correu mais ainda. Correu até desaparecer na noite. Lágrimas brilhavam em seus olhos.

— Droga. A cerveja acabou — reclamou Clara.

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