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— Ah, Jéssica! Eu senti tanta saudade! — Isaías se inclinou para frente em sua cadeira, como se quisesse abraçar a garota, mas ao ver que ela recuou, ele desistiu e suspirou.

Estavam numa salinha de madeira, ao lado do  templo, que ficava próxima àqueles quartos onde as duas meninas foram examinadas por Magna Madre.

Uma lamparina a óleo queimava sobre a mesa, garantindo luz ao ambiente e projetava as sobras deles na parede.

— Como pode dizer isso? — Jéssica o encarou com olhos duros. — Como pode mentir que sentiu saudades?

— Mas eu senti! Eu sempre amei você! Sempre amei sua família!

— Então por que sorriu quando eu estava sendo ferida no poste? Quando eu tomava chicotadas com o azorrague, eu vi seu rosto, Isaías. Você estava gostando.

Isaías pareceu chocado.

— Eu não… — Então ele suspirou e baixou os ombros. — Acho que a carne em mim gostou.

— Gostou de quê? De me ver sofrendo?

— Não importa. Já estou de saco cheio dessa conversa. Vou ser bem direto, Jéssica: se torne uma de minhas esposas. Essa é a proposta que te faço.

— O quê?! Você tá maluco?

— Eu sei que o nosso povo não vê ter mais de uma esposa com bons olhos, mas eu sou o Prior agora! Viu como eles acreditam em mim? Viu como ficaram alucinados com a cerimônia de exorcismo?

— Aquilo não foi exorcismo. Foi um teatro. Um teatro mal feito.

— Não importa. Eles acreditaram! E aquele que tem a crença deles, tem o poder sobre eles! Eles vão acreditar no que eu quiser! Fiz aquilo justamente pra te mostrar que é esse tipo de poder que eu tenho agora. Seja uma de minhas esposas, Jés, e eu protegerei você e sua irmã de tudo.

— Quem… quem contou para o padre sobre as revistas do meu pai?

O Prior Regente ficou em silêncio por alguns instantes, e então respondeu:

— Eu contei. Ler aquilo não era saudável. Não tínhamos controle sobre o que você podia ler. Era perigoso.

— Sabia que eu seria punida.

— Sim. Mas foi pelo seu bem.

— Pelo meu bem? — Jéssica gargalhou, e foi uma gargalhada amarga, do tipo que suprime um grito de ódio.

— Aceite minha proposta, Jés, e aquele tipo de coisa nunca mais te acontecerá.

— Ah, é? E se eu não quiser?

— Aí não poderei mais proteger você e sua irmã. Aliás, Mical tem uma marca de nascença, não tem?

— O quê… como… como você sabe?

— Oras — ele deu de ombros — foi eu quem seus pais chamaram para avaliar a marca quando ela nasceu. Queriam saber se era um sinal diabólico. Na época eu disse que não, mas que precisavam manter a marca em segredo porque, sabe como nosso povo interpreta essas coisas, não é?

Jéssica ficou em silêncio. Seu olhar exprimia um medo avassalador.

— E por isso  — o Prior continuou — você não imagina a minha surpresa quando Magna Madre não encontrou a marca. E então eu vi o anel. Um Pseudos. Já li sobre eles, até cheguei a ver um, uma vez, nos dedos de uma bruxa que queimamos. Ele altera a percepção dos outros, mudando a imagem do portador. É magia demoníaca. Aí caiu minha ficha. Vocês estavam mesmo envolvidas com magia negra, demônios e esse tipo de coisa, não estavam? O general Kézar estava certo o tempo todo.

— Minha irmã não é uma bruxa!

— Será? — disse ele, com um sorrisinho zombeteiro. — Mas não importa. A verdade será aquilo que eu decidir. E eu vou decidir com base no que você decidir.

— Tá me chantageando? Tá usando minha irmã pra me chantagear?

O Prior Regente suspirou.

— Talvez.

— Desgraçado…

— Não quer que eu avise sobre o anel e sobre a marca, não é? Escolha bem, Jéssica, filha de Quemuel. Case-se comigo, ou sua irmã queimará na fogueira.

 Jéssica levantou-se de sua cadeira e suspirou. Um sorriso resignado surgiu em seu rosto. Pôs a mão sobre o encosto da cadeira e apoiou o peso do corpo, e direcionou um olhar neutro para Isaías.

Ele lhe estendeu a mão.

— Segure minha mão e vamos dar a notícia juntos.

E, num movimento rápido, a garota ergueu a cadeira, e girou no próprio eixo para ganhar impulso, e jogou a cadeira contra o peito do Prior Regente.

A madeira estourou contra seu corpo e se partiu em vários pedaços, enquanto o corpo dele foi jogado para trás.

Ele caiu no chão, atordoado, e Jéssica pulou sobre ele. Os olhos da garota estavam repletos de intenção assassina, puro ódio selvagem e ferino. Seus punhos encontraram o rosto de Isaías.

— Morra! Morra, desgraçado! — A cada soco, seu ódio aumentava mais. E ela golpeava sem qualquer hesitação. Tudo o que pensava era em aniquilar aquela pessoa diante dela. Era um mau a ser destruído.

Mas Isaías era forte e, assim que se recuperou do ataque surpresa, revidou, atingindo um soco nas costelas da menina. Ela grunhiu de dor, e ele a segurou pelos braços, imobilizando-a, e com o auxílio de seus joelhos, a jogou para o lado, tirando-a de cima.

Ela tentou se levantar, mas Isaías foi mais rápido e atingiu um chute forte em suas costelas. 

O ar sumiu dos pulmões de Jéssica. Ela rolou para o lado, tossindo.

— Que decepção — disse ele. — Achei que fosse mais esperta.

Isaías limpou o sangue de seu nariz, e nessa hora percebeu que estava quebrado. E o lábio tinha um corte que derramava o líquido quente e vermelho sobre o queixo. Ele cuspiu no chão.

Acionou o ponto em sua orelha.

— Asafe. Obtive revelações importantes. A irmã menor é uma bruxa. Ela tem uma marca na coxa e usa um anel enfeitiçado para escondê-la.

Jéssica se levantou, recuperando o fôlego, e pulou sobre Isaías, mas ele rapidamente saiu do quarto e fechou a porta.

Jessica tentou abrir a porta, socou, chutou, mas não conseguiu. Estava completamente trancada naquele quarto. Ainda ouviu a voz do Prior Regente do outro lado falando no ponto.

— Prepare a fogueira. Vamos purificá-la no fogo. A maior, pode entregar pro Kézar. Deixe que ele ponha uma semente nela. Essa geração foi perdida. Vamos apostar na próxima.

Ela conseguiu ver, através das frestas, o homem se afastando.

Jéssica, em desespero, começou a socar e chutar a porta.

— Fiquem longe da minha irmã! Fiquem longe dela! Ela não fez nada! Me punam no lugar! Punam a mim! Ela não fez nada!


Hernandes, o cruzado diretamente subordinado ao general Kézar, se aproximou. Sua mão repousava sobre o punho da espada em sua cintura. Ele bateu na porta, socando-a com força.

— Cale a boca, garota! A justiça divina será aplicada! Reze por perdão. Suas almas, talvez, encontrem descanso. Seus corpos devem ser purificados.

E então Jéssica viu, através das frestas na parede de madeira, o Executor. Ele caminhava, lentamente, porém firme, em direção ao poste no pátio central.

Jéssica não sabia quem ele era. As vestimentas pretas cobriam completamente seu corpo grande e gordo; e um véu escondia o rosto, deixando apenas os dois buracos para os olhos. O azorrague estava enrolado e preso à cintura, e na mão, ele trazia uma grande tocha, cuja coroa de fogo tremeluzia ao vento. A garota sentiu um arrepio percorrer seu corpo e suas pernas quase perderam a força.

Os camponeses, ao vê-lo, ficaram chocados. Sabiam o que significava. Alguns cochichavam. As crianças correram para avisar seus pais. Para aquela gente, sem muito o que fazer além de plantar, colher e ir à igreja,  execuções e punições públicas sempre foram consideradas um tipo de entretenimento.

E então, Jéssica viu Asafe junto de outros acólitos e alguns soldados. Eles traziam Mical, puxando-a à força. A garota se debatia e tentava se libertar, mas em vão.

Alguns acólitos cantavam uma música eclesiástica que falava do amor de Deus e do perdão.

— Jés! Jés! — Mical gritava. — Cadê você?! O que eles te fizeram?! JÉSICAAAAAAA!!!!

— Cale a boca! — Asafe atingiu um tapa no rosto da garota.

Ela caiu no chão. Se ergueu rapidamente e tentou atingir um soco em Asafe, mas os outros acólitos a seguraram.

Jéssica, enlouquecida, chutou a porta.

— Mica! — gritou. — MICAAAAALLL!!!!!

— Esta garota — gritou Asafe, anunciado a sentença às pessoas — foi condenada por prática de bruxaria! Ela se envolveu com o Diabo! Escolheu o Diabo ao invés do amor de Deus! Portanto, ela deve ser queimada na fogueira, sob a justiça divina, para extirpar seus pecados da terra! Esta foi a sentença que o Prior lhe deu!

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