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Uriel, enquanto flutuava acima das nuvens, jogou sua bola de fogo em direção à terra. Incineraria tudo num raio de quilômetros. Toda a vida nesta região, tocada por demônios, estava poluída e deveria ser purificada com a morte. Não sobraria nada! Nem animal, nem árvores, nem uma gramínea!

Mas Renato ergueu seus braços e, como se houvesse um campo de força invisível alguns metros acima do Priorado, a bola de fogo se dissipou como uma onda flamejante e formou um tipo de domo brilhante cobrindo as muralhas, antes de desaparecer.

— Morram! — O anjo lançou mais uma bola de fogo.

Renato, ainda mantendo os braços erguidos, conteve mais esse ataque. As chamas, porém, chegaram mais perto e um pouco de sangue saiu do nariz do garoto.

— Ugh! — Ele gemeu de dor, cerrando os dentes, mas não desfez a guarda. — A pressão está ficando mais intensa.

Tâmara olhou para o alto e engatilhou sua arma, mas Clara a deteve.

— Economize munição para quando ele estiver em terra. Lá em cima, dificilmente vamos conseguir acertá-lo.

— Aquelas garotas! Espero que elas consigam!

— Elas vão! — respondeu Renato, enquanto segurava a terceira bola de fogo lançada por Uriel. Sua respiração estava pesada. Sentia a pulsação batendo forte em cada artéria de seu corpo, e sentiu o gosto de sangue na garganta. Seus músculos tremiam, mas ele não deixaria aquelas chamas tocarem o chão.

 A ferida no plexo solar ainda doía, embora estivesse fechada.

A pressão sobre seus braços era gigantesca. Era como tentar segurar um carro e erguê-lo acima da cabeça. Se falhasse, todos ali morreriam. Ele não desistiria! Nunca antes se sentiu tão poderoso!


Jéssica e Mical finalmente chegaram à Biblioteca Central. Com dois tiros, Jéssica arrebentou a fechadura e, com um empurrão de ombro, fez a porta se abrir.

Entraram.

Olharam em volta. Jéssica, com um olhar neutro, passou a mão no ombro, massageando de leve.

Mical deu um sorrisinho.

— Doeu, né? Pode falar.

— Só porque eu já tô toda dolorida de antes. Arrebentar uma porta assim é moleza para uma garota forte como eu!

— Sei…

Correram até uma das prateleiras.

— Tem certeza que tá aqui, Mica?

— Sim! Eu vi mais cedo! Reconheci o livro.

— E como conhece esse tipo de livro?

Mical deu de ombros.

— Como eu já disse antes, eu lia mais do que os livros de teologia.

Começaram a fuçar numa das prateleiras.

— Tá por aqui… cadê… cadê você, livrinho…? — Então o rosto de Mical se iluminou. — Achei!

Ela pegou um livro grande. Na capa de couro com aspecto envelhecido, tinha um símbolo circular com uma estrela de cinco pontas no centro, dois quadrados dispostos de modo que os vértices atravessavam os lados, formando uma estrela de seis pontas. O símbolo também tinha algumas palavras escritas e muitas letras dispersas espalhadas. Era o Sigillum Dei Aemeth.

O título do livro, escrito com pena à mão: “Fundamentos Herméticos da Magia Enoquiana de John Dee, um Grimório Golden Dawn”.

E enquanto olhava, maravilhada, para aquela capa, Mical ouviu um grito agudo, ferino, carregado com ódio, quase como um rosnado. E, por reflexo, se abaixou, evitando o golpe.

O castiçal metálico bateu contra a madeira da prateleira, derrubando, com o impacto, alguns livros.

Isaías, indignado por ter errado o ataque, berrou de ódio e girou no próprio eixo, tentando mais um ataque.

Um tiro reverberou pela biblioteca e o Prior Regente soltou o castiçal. Dessa vez, seu grito foi de dor. Havia um buraco em sua mão e ela sangrava. A bala entrou pelo dorso, estourou falanges e metacarpos, e dois dos dedos, o médio e o anelar, se desprenderam e ficaram pendurados, grudados na mão apenas por uma fina pele rasgada.

— Se afaste da minha irmã, seu pedaço de merda!

Jéssica lhe apontava a pistola. A arma nem tremia. O olhar da garota não negava: ela atiraria sem hesitar.

— Você… você atirou na minha mão! Arg! Desgr…

Bang! Outro disparo.

Isaias gritou tão alto que pôde sentir o gosto de sangue na garganta.

Sua outra mão também foi atingida. Dessa vez, nenhum dedo foi dilacerado, mas um buraco do tamanho de uma moeda de cinquenta centavos se formou na base do polegar.

— Arrg…! P… por que, Jés…? Por q…

— Porque eu te odeio. Odeio por tudo. Pelo que me fez quando eu era criança; por ter provocado meus açoites; por ter usado o amor que sinto por minha irmã para me chantagear. Odeio porque você quis puni-la quando eu te rejeitei. Odeio porque você usa a fé dessas pessoas e mente para conseguir poder. Odeio porque você representa o que o mundo tem de pior.

— Você, sua vadiazinha ingrata! Eu te ofereci uma vida de rainha nesse Priorado! Eu te ofereci proteção! Te ofer…

Jéssica, enojada por ouvi-lo, disparou. E dessa vez, a bala afundou na testa dele.

— Não preciso da sua proteção.

Nessa hora, todas as paredes, prateleiras e o próprio chão tremeu. As lâmpadas balançaram e as pedras rangiram.

— O Renato… não vai aguentar segurar por muito tempo — disse Mical, preocupada.

— Vamos!

Mical suspirou.

— E agora vem a parte mais difícil do plano…


— Eu ouvi direito o que essas hereges disseram? — disse Magna Madre, se erguendo, orgulhosa, do lugar que ocupava no chão.

Estavam na nave do templo. Os camponeses, assim como alguns membros do clero, acólitos e noviças, se escondiam entre os longos bancos de madeira.

— Elas querem nossa ajuda? Essas bruxas tem mesmo muita audácia! — complementou.

— Sim! Elas têm muita audácia! Deveríamos ter queimado as duas! São enviadas do mal! São malignas! — disse uma mulher de vestido surrado. Tinha uma verruga na lateral do nariz.

— Bruxas! Ainda têm coragem de vir pedir nossa ajuda?! — disse Midiã.

— Sim! Não merecem nossa ajuda! — disse um homem idoso. — Elas merecem morrer!

— Neste exato momento, aquele anjo do Senhor está lá fora lutando contra o demônio para nos proteger! — disse Magna Madre. — Nossas orações foram ouvidas!

Mical não aguentou e começou a rir. Jéssica deu um passo adiante.

— Aquele anjo tá tentando matar todo mundo aqui nesse exato momento! Ele não tá tentando proteger ninguém! Por ele, todos nós queimaríamos até a morte!

— Mentirosa! Deus enviou o arcanjo do fogo para livrar-nos do mal!

— Sim! Mentirosa! Vamos orar!

— Se não fosse pelo Renato, vocês todos já estariam mortos! — gritou Mical. — Foi ele quem salvou a vida de vocês! Aquele anjo tentou incinerar todos!

— Foi o Renato que conteve o fogo que o anjo lançou sobre vocês — disse Jéssica. — Se quiserem ficar aqui apenas esperando pela morte, fiquem! E morram como um monte de covardes! Mas, se quiserem fazer alguma coisa, se quiserem lutar por suas próprias vidas, venham comigo!

Foi Magna Madre quem interrompeu o silêncio que se seguiu:

— Ela mente! Usa de artimanhas para enganar o povo de Deus!

— Papai — disse um menino de cerca de oito anos —, eu vi quando o anjo tentou jogar o fogo na gente. Eu vi. Ele tava parecendo malvado.

— Shiii! Quieto, menino!

— Mas eu vi! O anjo parecia do mal! E aquele cara lutando com ele que não deixou ele jogar o fogo em nós!

— Já falei pra fic…

— Não o repreenda se ele estiver falando a verdade! — disse a mãe do menino, para seu marido. — Todos nós vimos a mesma coisa! Não foi sempre nos ensinado o valor da verdade? Por que mentir agora?

O marido lançou um olhar de surpresa para sua esposa. Também Havia um tempero de medo.

— Não podemos contrariá-los!

— A verdade é a verdade! Todos nós vimos!

— Sim, eu também vi! — disse um homem com a face cheia de rugas e manchas de sol. — Aquele anjo não quis nos proteger! Tentou nos matar! Mas o garoto não deixou. — O homem se levantou. — Eu vou ajudar!

— Mas, senhor Jonas! Não pode! — disse Magna Madre.

— O que eu não posso é ficar aqui esperando pra virar churrasquinho!

— Eu também vou! — O menino se ergueu e levantou a mão, com animação. Para o espanto de seu pai.

— Eu também — disse a mãe do garoto.

O marido suspirou e se levantou.

— Não vou permitir que minha esposa e filhos se arrisquem porque eu fui covarde. Eu irei no lugar deles.

— Eu irei também! — disse uma mulher, ao se levantar.

— Eu também!

— Papai, o senhor não vai? — disse outra criança, cutucando seu pai.

Outro homem suspirou, resignado, e se levantou.

— Vamos  lá, né?!

E dessa forma se seguiu: mais ou menos metade daquelas pessoas se encheram de ímpeto e coragem repentina, e decidiram se juntar àqueles que lutariam pela própria vida; outros, porém, não o fizeram. Alguns por medo; outros por confiarem demais que já estavam fazendo o certo em esperar.

Antes de partirem, a noviça Midiã se levantou depois de muito pensar.

— Também irei.

Jéssica e Mical assentiram.

— Certo. Então, chegou a hora de preparar esse Laço do Passarinheiro.

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Olá, eu sou o Max Sthainy!

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