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Jéssica segurou forte as mãos de Mical, sentindo a pulsação intensa, enquanto ela mesma mordiscava os lábios. Ambas as irmãs estavam nervosas.

Os quatro estavam sentados no chão, em círculo, com uma vela tremeluzindo no centro.

Jéssica apertou as pálpebras com força e mentalizou o Anjo do Deserto, procurando por algum sinal, uma pista, alguma centelha de resposta, mesmo que fraca. Não houve nada.

Ela bufou.

— Conseguiu alguma coisa, Mical?

A menor só balançou a cabeça negativamente.

— Ah, isso é tão frustrante! Todos os livros dizem que é só procurar o anjo mentalmente desse jeito que na hora certa vamos achá-lo. Que ele iria dar um sinal, mas não tem nada.

— T-talvez essa não seja a hora certa — sugeriu Mical. — Talvez isso aconteça gerações à frente.

— Talvez… — concordou Renato.

— Bobagem! — retrucou Clara, de braços cruzados. — Só tá faltando energia.

— Energia? — Jéssica ergueu a sobrancelha.

— Sim! Energia! Tudo o que acontece no universo precisa de algum tipo de  energia. No caso do movimento, energia cinética; na temperatura, energia térmica; e por aí vai. Isso é só um feitiço, e para feitiços funcionarem, precisam de energia hermética, ou energia mágica para os íntimos.

— Faz sentido — disse Renato. — Mas como podemos juntar essa energia?

— Bom, como devem saber, não existe nenhuma pilha de energia hermética por aí, né?! — disse Jéssica, com uma dose incomum de sarcasmo na voz.

— Existe sim — Clara sorriu. — Quero dizer, não uma pilha realmente, mas uma forma da gente canalizar magia.

— Como? — Jéssica olhou de soslaio, desconfiada.

Clara ergueu um braço e, instantaneamente, um círculo mágico brilhante e cheio de símbolos nas bordas surgiu no chão, sob os pés dos quatro.

— Jéssica, lindinha, feche os olhos e prossiga com o feitiço. E tente não atrapalhar. Mical, sua garotinha atrevida,  faça a gentileza de beijar o Renato.

— O-o que?! — disseram as duas ao mesmo tempo.

— Como assim? O que está insinuando? — berrou Jéssica.

— Bom — disse Mical, com a voz falhando e olhos brilhando — eu não posso simplesmente ir lá e fazer essas coisas. Eu tenho vergonha, sabe?

— Acho que às vezes vocês se esquecem do que eu sou. — Clara tinha um sorriso enigmático, que era uma mistura entre malígno e sacana — Súcubos conseguem extrair energia através de atos sexuais. Assim que a Mical beijar o Renato, ele vai ficar excitado, como ficou da outra vez, e isso tudo vai gerar energia tântrica, que meu círculo mágico vai transformar em energia hermética e canalizar pro feitiço; dessa forma, a chance da gente encontrar o tal anjo Ex Azael aumenta. Mãos bobas são bem-vindas, só pra você saber, Renato.

— O que? — Jéssica se exasperou. — Minha irmãzinha fazendo parte de suas perversidades, súcubo? E que história é essa, Renato, de você ficar excitado com ela, hein? Seu verdadeiro pervertido! Aproveitador de irmãzinhas!

Renato, ao invés de expressar o “como você queria que eu ficasse? Ela me agarrou, caraio!” que passou por sua mente, preferiu ficar quieto.

— B-bom — Mical tinha a voz ainda mais trêmula do que antes —, acho que seria pior se ele não tivesse sentido nada, não é? Então… eu acho… não sei… Ah, isso é tão vergonhoso! — Ela cobriu o rosto com as duas mãos. — Mas, se for pra gente conseguir finalmente encontrar o anjo, então…

— Mical? — Jéssica lançou um olhar frio para a irmã — Eu me pergunto se esse é seu único motivo para aceitar isso.

— Certo! Vamos lá! Hora da ação! — disse Clara.

Jéssica, ainda com a testa enrugada, fechou os olhos e recomeçou a mentalização. Mical, meio hesitante, foi até o Renato e, após alguns segundos onde os dois se olharam com timidez, ela o beijou.

“Mãos bobas são bem vindas, Renato” ele se lembrou das palavras da súcubo e decidiu tentar uma coisa. Mical não reclamou. Foi quando ele sentiu algo úmido tocando e mordiscando sua orelha. Ouviu a voz suave de Clara:

— Aproveite. Isso não é só pelo feitiço.

Mical, contaminada pela influência da súcubo, se deixou levar, e foi arrastada como numa correnteza. Ela colou seu corpo ao de Renato. Chegou tão perto que sentiu um certo volume pressionando sua coxa. Ela tremeu e deixou um gemido baixo escapar dos lábios.

De repente, as mãos dele tocaram em algo macio com formato arredondado. Nessa hora, Mical separou os lábios dela dos dele. Ele pensou que fosse algo ruim, que viria alguma palavra de protesto sinalizando que ele havia cruzado algum limite, mas não. Quando ele abriu os olhos, viu que Mical e Clara se beijavam freneticamente. A mão da súcubo começou a deslizar pela coxa de Renato.

Do outro lado da sala, Jéssica permanecia com os olhos fechados e rosto inexpressivo, mas seu corpo balançava de um jeito estranho e seus lábios se mexiam, pronunciando alguma coisa inaudível. Estava em transe. Era como se houvesse até um brilho branco em volta do corpo dela.

Foi quando Jéssica abriu os olhos. E nessa hora, as luzes piscaram e um tipo de som surdo foi ouvido. Mical também abriu os olhos, se afastando, e pareceu meio confusa. Clara sorria de um jeito enigmático.

— Eu vi! Eu vi alguma coisa!

— O-oque v-você viu, Jes? — perguntou Mical, com voz trêmula e esfregando o dorso da mão nos lábios.

— Era um gigantesco campo de areia.

— Novidade — retrucou Clara. — O Anjo do Deserto num campo de areia. Deve ter mais alguma coisa.

— E na areia tinha um desenho, era uma forma geométrica, tipo um triângulo de lados iguais. Parecia que foi desenhado com o dedo. E tinha uma serpente se arrastando em direção ao desenho.

— Um triângulo, heim? — Clara ficou pensativa. — Odeio essas visões interpretativas.

— Pode ser um delta também — sugeriu Mical. — Um delta maiúsculo é um triângulo equilátero.

— Verdade — concordou Clara.

— E a serpente? O que pode ser? — Jéssica encostou as costas na parede e suspirou, pensativa.

— Serpentes são muito usadas como símbolos de cura. Elas aparecem nos brasões da medicina e da odontologia, por exemplo  — disse Renato. — Também podem ser símbolos de proteção. Também podem simbolizar rios, sabe, serpenteando sobre o chão.

Jéssica bufou.

— Pela primeira vez conseguimos algum progresso, mas são tantas interpretações possíveis que minha cabeça tá começando a doer!

— Poderia ser um médico calculando velocidade — riu Renato. Só ele mesmo deu risada, as três garotas olharam para ele sem entender o que ele queria dizer. — Sabe, — ele prosseguiu — delta S sobre delta T. Uma serpente, que aparece no símbolo da medicina, indo em direção ao delta… ah, deixa pra lá! Esquece. Eu só estava lembrando da minha aula de física.

— Mas, pensando bem, pode fazer sentido — disse Jéssica.

— A gente só precisa sequestrar um médico e pôr ele pra fazer cálculos matemáticos — completou Clara. — Talvez as coordenadas do anjo apareçam nas equações.

— Bom — disse Mical —, se for por uma boa causa…

Nessa hora o celular de Clara tocou. Ela pegou o aparelho do bolso e leu a mensagem. Sorriu como um assassino em série.

— Parece que nossa vítima acabou de chegar à cidade.

Mical olhou assustada.

— Ele chegou?

— Chegou. Ele entrou na cidade pela br 364. Às armas!

Se levantaram, correndo, desceram as escadas e chegaram ao arsenal. Renato pegou seu velho conhecido 38 cromado e prendeu-o, pelo coldre, à cintura. Fez o mesmo com uma pistola 9mm e encheu os bolsos de granadas.

Jéssica pegou o grande fuzil e passou a alça pelo pescoço. Mical, um pouco menos sutil, optou pela bazuca. O grande tubo metálico, com o míssil preso na ponta, era quase do tamanho dela. O peso da arma, entretanto, não era um problema devido a uma magia que a fez parecer mais leve.

Os três puseram coletes à prova de balas. Clara não quis, alegando que era um desperdício esconder um corpo tão bonito atrás de tanto metal gelado. Ela também alegou que, já que era um demônio, não se machucaria tão fácil, diferente dos três, nas palavras da própria súcubo, “sacos de carne”.

Ela também escolheu um fuzil.

Todas as munições, é claro, eram especiais, com runas e outros símbolos mágicos desenhados, derretidas com o fogo do próprio inferno e abençoadas por sacerdotes obscuros.

Ela suspirou.

— As balas são boas, mas se tivéssemos aquela espada do general Kézar, a Jóia do Arcanjo, seria ainda melhor!

Voltaram a descer as escadas, correndo, em direção ao estacionamento do térreo. Clara, com sua resistência sobre-humana, estava na frente. Foi a primeira  a pôr os pés no chão do térreo e chegar ao Camaro. Abriu a porta e entrou, mantendo o fuzil no colo.

Olhou impaciente para seus parceiros de luta terminando as escadas.

— Vamos logo, suas lesmas!

Nesse momento, seu celular tocou. Ela pensou em ignorar, mas vendo que era Abigor, o demônio da guerra que foi evocado no outro dia, ela atendeu.

Assim que Abigor contou o que descobriu, dizendo que na verdade não era “Arin” a palavra que Alana tentou escrever e que o “n” era um “m” incompleto, e mais algumas coisas que, somadas, só podia significar uma coisa muito ruim para todos, Clara ficou realmente assustada. Naqueles segundos que se passaram, sua mente cogitou verdadeiramente matar Renato. Depois achou que ter ele ao lado dela poderia ser mais vantajoso. Mas ela poderia mesmo controlar um tsunami?

Seus pensamentos foram interrompidos por um barulho ensurdecedor e muito fogo.

Foi bem na hora em que os três estavam chegando ao carro, a explosão os jogou para trás, derrubando-os no chão, e viram o carro se erguer numa bola de fogo brilhante, e os espinhos metálicos  preparados para matar criaturas sobrenaturais, que se soltaram das bombas sob o carro, cruzaram o estacionamento depois de atravessar o corpo carbonizado dentro do camaro.

O furgão surgiu por detrás dos outros carros, manobrando, e estacionou ao lado do camaro em chamas. O corpo dentro dele estava preto como carvão e todo perfurado. As pernas foram arrancadas e grudaram no teto do carro, porque as bombas estavam bem embaixo do local onde se põe os pés.

Kath pulou de dentro do furgão e olhou para as duas meninas caídas no chão. Ela estava sorrindo. Renato, em desespero, pegou rapidamente sua arma que estava caída ao lado. Não teve tempo de atirar. A submetralhadora de Kath transformou-o numa peneira. As balas atingiram o rosto, pescoço, peito, barriga, pernas e braços. Os únicos lugares que não foram atingidos foram os pés. Embaixo dele, uma poça de sangue se formou.

Mical conseguiu disparar a bazuca. Foi nessa hora que apareceu Lúkin Ivanov, segurando uma longa arma com formato cilíndrico. Com a mão que estava desocupada, ele segurou o míssil em pleno ar. Precisou de muita força, claro, mas o demônio possuindo-o tornava esse tipo de coisa possível. Ele mirou o míssil para algum canto aleatório do estacionamento e o soltou. O míssil chocou contra alguns carros, trazendo ainda mais caos e chamas ao local.

Lúkin disparou a arma cilíndrica contra Mical. Uma rede saiu e envolveu a menina como um casulo, prendendo-a como teia de aranha. Era apertado, o que dificultava até para respirar. Qualquer outro movimento era impossível.

Lúkin mirou a arma para Jéssica, que estava atônita, meio desmaiada e meio acordada. Ele não sabia, mas ela caiu sobre o fuzil e o estava escondendo.

Uma rede a envolveu também. A garota se contorceu e conseguiu fazer o fuzil apontar para Lúkin. Moveu o dedo, tentando alcançar o gatilho.

Kath apertou um botãozinho no controle que ela havia puxado do bolso, o que fez as duas redes de contenção serem percorridas por choque elétrico. As meninas gritavam e tremiam em movimentos espasmódicos.

— Certo, Kath. Chega. Elas precisam ser entregues vivas.

Kath fez beicinho, contrariada, e apertou novamente o botão do controle. O choque parou.

Lúkin se aproximou de Jéssica, que nessa hora tinha os olhos inconscientes revirados e saliva espalhada pela boca e bochecha, e pegou o fuzil, puxando-o por entre a rede.

Kath chegou perto dele e sorriu de maneira orgulhosa.

— Tá vendo, bonitão. Um pouco de estratégia sempre supera a força bruta.

— Metida.

Depois de avaliar a situação, ele disse:

— Kath, tire fotos de tudo, principalmente do cadáver da súcubo pra gente enviar pros Atalaias junto das meninas.

— Com prazer.

— Andrei!

O brutamontes abriu as portas traseiras do furgão e apareceu. Trazia uma pistola na cintura.

— Pegue essas duas e as leve pra dentro!

— Certo, chefe!

Andrei pulou para fora e pegou as duas garotas ao mesmo tempo, pondo uma em cada ombro, e levou elas pro Furgão.

— É isso. Missão concluída — disse o Mercenário Possuído.

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Olá, eu sou o Max Sthainy!

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