Uma planície verde deserta foi tomada por um brilho intenso azulado. Pequenas partículas de luz começaram a agrupar-se, dando forma ao corpo esguio de um jovem de vinte anos. Ao seu lado, as luzinhas também formavam silhueta de uma garotinha com metade de seu tamanho, cabelos longos e aparência infantil.
Aqueles eram Kurone Nakano, um jovem japonês comum, que acabou envolvido em um trágico acidente com um caminhão de uma loja de brinquedos adultos, e sua pequena companheira, quem ele deu o nome conveniente de “Rory”.
Olhando para os lados, tudo que o recém-materializado Kurone podia ver era a grama verde sendo balançada pelos ventos — ou pelos pequenos animais, semelhantes a coelhos, que corriam de um lado para o outro, fugindo dos estranhos que acabavam de chegar àquele novo mundo.
— Então esse aqui é o tal outro mundo… — o jovem murmurou, olhando para o pequeno animal que permaneceu corajosamente onde estava, devorando a grama esverdeada. Ao perceber o olhar, o pseudo-coelho correu e desapareceu na grama mais alta. — Mas onde tá a civilização? — Kurone olhou para a sua companheira, em busca de uma resposta, mas ela permaneceu calada, olhando inexpressivamente para ele com seus olhos vermelhos-carmesins, o mais provável era ela estar o xingando mentalmente.
— Não faço a menor ideia.
— Ah, que droga, a gente mal começou a nossa missão e já estamos com problemas, aquela deusa podia ter nos transportado para uma cidade…
“Se bem que isso ia chamar a atenção.” O jovem cortou sua própria fala, pensando nos problemas que teria.
‘Dois estranhos apareceram do nada na praça.’, ‘Que roupas estranhas são essas?’, ‘Alguém chame as autoridades!’ Certamente, seriam algo como aquilo as reações das pessoas ao verem uma dupla de estranhos aparecendo do nada em uma praça.
— É ali. — Rory, após explorar a planície com os olhos, apontou de onde estava para um local que Kurone não podia ver de sua posição.
— É um tipo de vila…
O que o garoto veria ao mudar de posição seria isso: um pouco distante daquela planície, estava um enorme muro de madeira com pontas afiadas, prontas para defender os moradores de possíveis ataques inimigos.
Do alto, dava para ver a vila pacata atrás do muro, um dos prédios de lá era bem extravagante e movimentado. Naquele momento, um grupo de três aventureiros, vestidos com roupas tradicionais de jogos RPG, saiam da vila e iam em direção a uma floresta próxima. Após a saída dos aventureiros, o portão de madeira, no chão, subiu novamente, desconectando aquela vila do resto da planície, já que um lago — aparentemente fundo — circundava o muro.
— Será que vamos ter problemas para entrar lá? Uh…? Eiii, espera aí!!! — O grito fez Rory, indo em direção à vila, parar e olhar para atrás com um efeito de interrogação acima da cabeça.
Os pés desajeitados de Kurone fizeram-no sair rolando do alto até o sopé — seu rosto deu de cara com as botas militares da garotinha.
— O plano não era encontrar a civilização? Pare de ser tão bipolar. — a loli com um quê de delinquente comentou, olhando para o chão, sem demonstrar a mínima intenção de ajudar o jovem a levantar-se.
— Você não pode tomar as decisões sozinha! Pfft! — Kurone gritou, sacudindo a poeira da roupa e cuspindo a grama com gosto de, o que ele descobriria mais tarde, fezes de pseudo-coelho.
— Não devemos perder tempo, então pensei que o mais inteligente tivesse que tomar as iniciativas. Naturalmente, o cérebro aqui sou eu.
— Você é bem decidida mesmo… — O garoto pensou ter dito em um tom de voz que apenas ele pudesse ouvir, porém…
— Isso mesmo, tenho que compensar o infortúnio de um de nós não ser tão inteligente e útil — ela parou em frente ao jovem e respondeu o sussurro, com um claro desgosto no rosto. Cecily queria agir como uma personagem fofa de animes, poderia Rory ter consumido muit conteúdo com personagens tsunderes?
— Também tem uma super audição!? O quão roubada você é?! — gritou indignado com a sua falta de habilidades.
— Eu sou… o fragmento de uma deusa, com certeza sou mais forte que qualquer humano desse mundo de merda — a garotinha vangloriou-se com um sorriso presunçoso.
“Se for tão forte quanto é arrogante, então não teremos problemas”, ele pensou, para que dessa vez a garotinha não pudesse ouvir, mas congelou em seguida, quando ela ficou o encarando fixamente, como se estivesse lendo seus pensamentos — poderia ela também ter aquela habilidade de Cecily?
— Por que está parado aí me encarando? O portão da vila está à nossa frente. — A loli quebrou o silêncio, sem demonstrar nenhum indício de poder ler a mente de seu companheiro.
O portão de madeira, que também servia de ponte, logicamente, só podia ser aberto por dentro, mas, naquele momento, não tinha ninguém que pudesse baixá-lo. Aquela aparentava ser uma vila pacata e quem guardava o portão sabia: ninguém iria para lá sem um aviso prévio. Era óbvio.
— Ô de casa! Não é testemunho de Jeová, abre aí! — Kurone gritou enquanto batia palmas, na esperança de alguém responder do outro lado do portão de madeira. Foi inútil. — Parece que não tem ninguém… ou devem que somos do culto de Cecily? Quero dizer, a Cecily é pelo menos uma deusa conheci… Ei, ei, pera aí, o que diabos você vai fazer?!
— Vou destruir o portão já que ninguém nos escutou do outro lado, não consegue compreender? — a garotinha disse, sacando o fuzil, sem demonstrar qualquer hesitação em destruir o portão e serem declarados inimigos pelos moradores.
— Assim vamos acabar mortos!
— Você vai acabar morto, idiota, eu não sou tão fraca assim. — Rory esquivou-se do jovem que tentava tirar o fuzil de suas mãos.
“Onde está a garota fofa que eu pensei que ela seria? Honre o nome ‘Rory’! Mesmo tendo o mesmo rosto da minha irmã, essa desgraçada é um demônio!”
A tentativa de desarmar a loli foi em vão. Ele cometeu um engano ao pensar que aquela garotinha seria como sua irmã apenas por ter o mesmo rosto, mas aquilo era demais, a delinquente roubada e arrogante era um verdadeiro monstro que não demonstrava qualquer empatia ou compaixão pelos outros — e isso incluía também o próprio Kurone.
Uma rajada de balas com intervalos irrompeu o silêncio do ar com um “Bam!”. Poucos tiros precisos foram o suficiente para deixar o grande portão em péssimo estado, as únicas coisas ainda o mantendo de pé eram duas correntes grossas do outro lado, naquele momento à mostra.
— Droga, esqueci das correntes.
Kurone, que pulou no chão no momento dos disparos, afastou-se de Rory — ela preparava-se para dar o golpe final no grande portão. O jovem ficou em uma distância segura para evitar que os destroços da madeira caíssem em sua cabeça, resultando em um game over no seu primeiro dia em outro mundo.
Era inútil tentar impedir o demônio. Naquele momento, sua prioridade era a segurança.