“Santo dos Hereges”. Noah só conhecia uma pessoa com esse título: o jovem estrangeiro que certa vez lhe disse “eu vou trazer o Raul de volta”.
O que estaria acontecendo com ele?
Antes mesmo de jogar o pensamento para o fundo da mente, o livro começou a escrever rapidamente, como se dedos hábeis datilografassem os caracteres. Os olhos da garota correram pela página, lendo o conteúdo superficialmente.
O primeiro parágrafo contava como o jovem, Kurone Nakano, e seu grupo se perderam a caminho de Eragon.
As palavras apareciam conforme Noah lia. Em pouco tempo, três páginas foram preenchidas pela tinta negra, impossibilitando a leitura simultânea da garota. “Não pode ser!”
As palavras escritas ali premeditavam a morte de Kurone Nakano, e, de alguma maneira, isso estava ligada com “o fim do mundo”. Havia possibilidade de ele estar morto? Ela só saberia lendo, mas não tinha tal coragem.
— L-lady Sophia! — gritou, saltando desesperadamente da cadeira.
Teve poucas conversas com Kurone, mas, apenas nessas poucas vezes, ela acabou gostando do jovem. Claro, não “gostar” no sentido romântico. Com exceção de Raul, a garota jamais tivera outro amigo de sua faixa etária. A maior parte dos jovens que tentavam se aproximar dela eram com propostas de casamento. Quantos nobres já rejeitou? A garota perdeu até a conta!
Por ser uma empregada, Noah também era constantemente humilhada, mas enquanto tivesse Sophia ao seu lado, não precisava de mais ninguém. Por isso era grata a Kurone, que ajudou na libertação da marquesa.
Cerrando os punhos, a garota trancou a porta da sua biblioteca particular e correu, correu e correu desesperadamente. Precisava alcançar a marquesa o mais rápido possível. Sim, ela era a solução! Sophia Sophiette Sophys III era a pessoa mais forte que conhecia. Provavelmente a mestra daria um jeito, afinal, ela…
— Eu sou um fracasso! — falou Sophia.
— Ahh! Nós já vasculhamos quase tudo. Com certeza foi roubo — apontou Ana, indiferente com a frustração da contratante.
A única esperança, naquele momento, era esperar o retorno de Ari e Alan, que se separaram para cobrir uma área maior.
O grupo da bruxa, Ana, foi contratado às pressas para procurar o objeto inestimável perdido: o Orbe Verde. Era uma relíquia criada pelo ancestral da casa Sophiette, Karllos Sophiette.
Sophia balançou os cabelos rosas curtos. Como poderia perder logo aquele objeto?
Se aquilo caísse em mãos de alguém mal-intencionado, o reino teria problemas, e a única culpada seria a marquesa irresponsável. Por quê? A resposta era simples: o Orbe Verde possuía um estoque de mana infinita em si. O criador, Karllos, o utilizava como uma reserva de mana. Graças ao objeto, ele foi capaz de usar magia que o corpo de um humano jamais suportaria, devido ao grande consumo de mana.
Os descendentes de Karllos eram responsáveis por garantir a segurança das relíquias mágicas criadas pelo seu fundador. Esse era o dever mais importante de todo o membro da casa, e Sophia falhou miseravelmente em guardar um dos objetos mais importantes.
Não apenas perdeu o Orbe, como também danificou a Espada Negra na luta contra o orc, na vila Grain. Definitivamente ela fora a pior Sophiette da história. O velhote deveria estar se revirando no túmulo naquele momento, em desgosto a sua tatara e muitas vezes tatara neta.
— Ari! Alan! Encontraram alguma coisa? — gritou Ana, ao ver os companheiros se aproximando.
— Caraca, não encontrei nada! — Alan suspirou, deixando os ombros caírem de maneira exagerada.
A marquesa olhou esperançosa para a garota ao lado. Talvez o espadachim fosse inútil, mas arqueiros conseguiam encontrar uma agulha em um palheiro, a duzentos metros de distância.
A garota encapuzada, Ari, parou próxima a Sophia e falou:
— Não encontrei o o-orbe, mas encontrei pistas sobre o possível ladrão.
Já era algo. Vendo o olhar curioso da nobre, a arqueira tímida respirou fundo, jogou a vergonha para o fundo da mente e prosseguiu:
— Ao que tudo indica, o furto aconteceu enquanto vocês estavam na capital. O ladrão entrou e saiu sem deixar uma pegada, literalmente.
— O que você quer dizer com esse “literalmente”? — perguntou a marquesa, ainda mais curiosa com a ênfase da garota.
— O ladrão entrou na mansão sem tocar o chão.
— Ou seja, ele não era humano — concluiu Sophia.
— Meu palpite é que…
— L-lady Sophia! Lady Sophia! L-lady Sophia!
Gritos vindos da empregada segurando um livro reverberaram e interromperam a fala de Ari.
— N-Noah! Calma! Isso é o Livro das Lendas?! N-não me diga que essa relíquia também está danificada! Assim vou acabar fazendo uma besteira…
— N-não…! O Ku-Kurone… O Kurone… — A garota tentou forçar as cordas vocais, mas o resultado era quase inaudível.
— Calma. O que o Kurone tem a ver com o livro?
Não havia tempo a perder! Noah cravou as unhas na capa marrom do livro e obrigou as cordas vocais e lhe obedecerem:
— O Kurone vai morrer e o mundo vai acabar!
As expressões, tanto de Ana quanto de Sophia, mudaram rapidamente. Kurone Nakano era um jovem que elas tinham um relacionamento, embora não fosse muito profundo, porém, ambas passaram tempo suficiente com o jovem para o chamarem de companheiro, mas o que diabos ele tinha a ver com o fim do mundo? Noah tocara em cerveja novamente?