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— O que você quer dizer com isso?…

Luminus ficou estarrecida com as palavras de Mirim. “Você é como eu.” O que ela queria dizer com isso? A menina também podia sentir a aura de Astarte preenchendo o ar?

— Bem, eu pensei que como a senhorita e a senhorita Cecily estão viajando pelo continente, você não deve ter muitos amigos… Eu também não tenho amigos, sabe? Normalmente as pessoas me evitam e dizem que eu tenho uma presença sufocante.

Os pés de Mirim começaram a se mover devido ao seu nervosismo, e Luminus a acompanhou inconscientemente. 

Então era isso. Embora estivesse um pouco ligada à presença do Fragmento de Astarte em seu corpo, Mirim não possuía ciência da sua situação. Ser amaldiçoada por Astarte e acabar sendo excluída… a garotinha de cabelos prateados entendia bem esse sentimento.

Elas fizeram silêncio após alguns minutos, apenas o som de passos era escutado.

O cenário à frente era realmente monótono, as casas de pedra possuíam a mesma aparência e, nesse momento, havia poucas pessoas transitando. O sol escaldante aquecia o peito de Luminus, ela só podia sentir tranquilidade quando apreciava a natureza.

— Aqui é onde eu vivo com o meu avô… Ah! Ali é o local que vende flores bonitas… Hmmm… ali é onde as crianças costumam brincar… Sim, tem a floresta também que quero te mostrar depois…

Mirim estava um pouco afobada, suas palavras saíam antes que pudesse formar toda a sentença na cabeça. Não era culpa dela o vilarejo não ter quase pontos turísticos, mas a sua vontade de ficar ao lado de Luminus por mais tempo a fazia exagerar um pouco nas histórias das casas simples.

Quando entraram em um beco estreito e saíram em uma parte mais movimentada, um grupo de crianças correndo foi avistado. O corpo da mini moradora ao lado de Luminus tremeu, ela recuou alguns passos dizendo algo como “ah, esqueci de te mostrar algo interessante ali…”.

Mas ela foi muito lenta.

Um garotinho sarnento e faltando ambos os incisivos centrais levantou o dedo, o sinal fez todos os outros direcionarem os olhares para as duas meninas saindo do beco.

— Ei, menina, é melhor você sair de perto da Mirim, ou vai acabar doente. 

— Você é bem corajosa de ficar ao lado dela. 

— É a namorada da Mirim?

As crianças debocharam, debocharam e debocharam. 

Por não ser acostumada a algo assim, Luminus ficou em choque. No orfanato, jamais enfrentou bullying por parte dos outros órfãos, todos sempre a respeitaram por ser a mais velha depois de Loright. Na vila onde crescera, não havia crianças, os únicos que a hostilizavam eram os adultos com os seus olhos afiados, mas nunca diziam nada ou apenas sussurravam. 

A intimidação de adultos era diferente.

Mirim baixou a cabeça e cerrou os punhos — um feixe de água desceu dos olhos que não podiam ser vistos e banharam o queixo da menina. Isso foi longe demais.

Luminus estava prestes a pronunciar algo quando viu uma das crianças segurar uma pedra e arremessar na direção da garota ao seu lado. Essa cena a lembrou do orfanato, dos fazendeiros das redondezas fazendo barulho no portão, segurando foices e tochas enquanto gritavam coisas como “é culpa da criança amaldiçoada”.

Na época, havia Loright para a proteger. Não importava se eram foices, pedras ou flechas, o seu irmão sempre a protegia dessas coisas.

A mão moveu-se por instinto.

A garotinha de longos cabelos prateados não hesitou em segurar a pedra antes que encontrasse a carne de Mirim. Agora que prestava atenção, podia ver muitos hematomas no corpo frágil da menina.

Isso era tudo pela aura emitida do Fragmento de Astarte em seu corpo?

O pensamento sobre Astarte causar sofrimento a todos se passou pela sua mente e ela apertou a pedra com força, tornando-a nada menos que poeira. As crianças ficaram em silêncio por um instante. Claro, não era normal alguém dessa idade quebrar uma pedra com tanta facilidade.

— Deixem a Mirim em paz… ela… — “Ela é minha irmã.” Loright um dia bravejou isso para a multidão de fazendeiros que invadiram o orfanato para machucá-la. — Ela é minha amiga!

Tum! Tum!

— Sen-senhorita Luminus…

Um longo suspiro saiu da boca de Luminus quando as crianças correram em desespero. Ninguém queria comprar briga com alguém capaz de reduzir uma pedra a poeira com um simples movimento.

— Não precisava ter feito tudo isso, agora você vai ter problemas com os pais deles, senhorita Luminus — Mirim falou enquanto passava as mãos nos olhos. 

— Não tem problemas, acho que a Cecily consegue dar um jeito nisso. Vamos? Você ainda tem algumas coisas para me mostrar, não é mesmo? — Ela estendeu a mão para a menina ao lado, mostrando um sorriso genuíno.

Esse acontecimento serviu para que Luminus lembrasse de algo importante sobre o seu irmão Às vezes Loright demorava, mas sempre chegava para resgatá-la. Só precisava ter fé e aguardar.

Após alguns anos, Loright certamente saberia como lidar com esse negócio de “Reencarnação de Astarte”. Luminus também não ficaria parada e iria estudar, só assim poderia ajudar pessoas como Mirim, que também sofriam por culpa da deusa.

Até lá, precisava ser forte e controlar os seus instintos… 

◈◆◇◆◇◆◈

Havia sangue.

Quando abriu os olhos, tudo que presenciou foi o cenário pintado de um vermelho vivo. 

A luz do pôr-do-sol adentrando o local pelas frestas das folhas das árvores davam um tom sedutor ao cenário. O mesmo vermelho espalhado pelo chão também tingia as mãos pequenas…

Luminus cambaleou. Estava zonza, a sua mente não conseguia relacionar os cortes. Há um minuto, saiu um pouco do vilarejo para ver a floresta, após isso, houve um salto no tempo e acordou ali, na floresta banhada pela luz do sol desvanecendo.

Sentiu o pescoço queimar. Demorou muito para conseguir se estabilizar e encarar o cenário à frente.

Blergh!!

Colocou as frutas dadas de presente por Mirim para fora… Mirim, o que estava estirado ali era o corpo de Mirim, e isso também era a origem do sangue que pintava a clareira.

Recusava-se a acreditar. Não era possível algo assim… 

Luminus matou Mirim.

Quando finalmente teve ciência do acontecimento, vomitou mais uma vez. Sua cabeça doía e descobriu que a ardência no pescoço foi fruto de uma tentativa desesperada e sem sucesso de sobrevivência da outra parte. Ela cravou as unhas com força no pescoço de Luminus… por isso faltava uma mão no cadáver da garota. 

[Aviso! Um Fragmento foi coletado.]

[Fragmentos totais: 1/10.000.]

[Tentativas totais: 0.]

O coração disparou. Não, não podia ser. Ela tentou resistir até o fim, como isso aconteceu?

Logo quando disse a Mirim que era a sua amiga, logo quando disse que ia ajudá-la a se livrar da aura estranha… De fato, ela não possuía mais a aura, não possuía mais presença nenhuma, pois não havia mais uma alma no corpo à frente.

Mais sangue surgiu, dessa vez do lábio inferior de Luminus, ela mordeu várias vezes. Suas forças se esvaíram e ela só pôde engatinhar para chegar ao corpo de Mirim. Do que adiantou tê-la protegido das crianças e prometer que a ajudaria? Cometeu um erro ao pensar que era como Loright.

Se fosse o Loright, ele saberia como controlar o próprio corpo. Ela não era como o irmão, não compartilhavam do mesmo sangue, talvez fosse isso. Sangue, sangue, sangue… o sangue sempre era a origem de todo o problema

As lágrimas e as gotas do maldito líquido pingaram sobre o corpo de Mirim. 

A menina morreu com um golpe direto no peito, não foi algo tão indolor quanto a morte dos seguidores da Seita de Érebos, que se tornaram apenas névoa de sangue após os ataques de uma Luminus imparável. 

O buraco no peito da garota encaixava perfeitamente com o punho de Luminus fechado. 

Blergh!

Rolou pelo chão ao vomitar no corpo da sua amiga… Amiga? Podia realmente dizer algo assim após matá-la? Ela tentou estabilizar os batimentos e ficar de pé, mas a presença de uma mão fechada ao seu lado a fez colocar mais suco gástrico para fora.

Era a mão que Mirim usou para arranhar o pescoço de Luminus, ou pelo menos foi isso que pensou, mas ao olhar melhor, percebeu que a pequena mão segurava um colar banhado em sangue.

A cabeça da garotinha doeu novamente e um fragmento de memória surgiu em sua mente. 

Nessa cena vinda do nada, viu ela e Mirim sorrindo enquanto compravam o objeto. Luminus soluçou ao escutar a voz de Mirim soando em sua cabeça, ela dizia algo como: “eu sempre quis dar um colar assim para um amigo, não acredito que finalmente posso fazer isso…”   

Puxar o colar antes de morrer significava que Mirim estava tirando o título de “amiga” da garotinha. Nada mais justo que isso.

Inconscientemente, levou as mãos ao pescoço ferido com a violência do colar sendo arrancado. O calor do sangue escorreu por toda a extensão do seu braço. Com ódio, Luminus apertou com força a área, sentindo as veias jugulares pulsando com força.

A mão que esmagava uma pedra com facilidade era suficiente para destruir o pescoço fino e fazer a cabeça sair rolando, mas…

[Aviso! Foi detectada uma intenção proibida.]

Em um instante, toda a força de Luminus se foi, ela sentia como se tivesse apertando um tronco de madeira ao invés da própria garganta. Sua força diminuiu ou a defesa aumentou? Não sabia.

Impotente, só pôde se encolher no chão banhado em sangue e chorar em posição fetal, nem a dor de morder os lábios ou arranhar o próprio rosto sentia mais. E se não bastasse ver o cadáver vomitado da amiga à frente, imagens e memórias surgiram na sua mente. Eram cenas da vida de Mirim.

— Irmão, por favor, eu não suporto mais…

E em meio ao sofrimento, finalmente desistiu de ser forte como Loright. A sua convicção de que o seu irmão viria a salvar mais tarde desapareceu. Queria ele nesse exato momento, não suportava mais. Não queria mais viver se fosse assim. 

A dor passou a ser totalmente psicológica, não ficou incomodada nem mesmo as picadas dos pequenos animais vagando pela grama. 

As cenas da vida de Mirim não pararam e quando pensou em cravar os dentes na própria língua, um calor inesperado tomou conta do seu corpo.

— Eu realmente não entendo…

Era Cecily, que lhe trouxe um abraço caloroso.

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Olá, eu sou NekoYasha!

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