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Eu acordei naquela manhã sentindo um peso no peito, como se uma rocha estivesse permanentemente instalada sobre meu coração. A noite havia sido longa e perturbadora, marcada por sonhos fragmentados e pensamentos que eu não conseguia controlar. Desde que meu pai havia soltado aquela bomba, a palavra “mudança” parecia ecoar na minha cabeça, como uma sentença inescapável. Eu não queria sair do meu quarto, não queria encarar mais um dia sabendo que ele estava cada vez mais perto de me destruir.

Levantei-me, mais por obrigação do que por vontade, e arrastei-me até a cozinha. O chão de madeira fria e gasta rangeu sob meus pés, um som que, em outros tempos, era um conforto matinal, mas que agora parecia um lamento melancólico. As paredes da cozinha, outrora acolhedoras com suas fotos de família e calendários cheios de anotações, pareciam mais distantes, como se já não fossem parte da minha vida. Minha mãe estava ao fogão, mexendo distraidamente o café na cafeteira, a fumaça subindo em espirais preguiçosas, preenchendo o ar com um aroma familiar que já não conseguia aquecer meu coração. Sentei-me à mesa, passando os dedos pela superfície, notando as pequenas marcas e arranhões que contavam histórias de nossa vida ali — todas essas memórias, agora ameaçadas pela mudança que se aproximava.

— Dormiu bem, Shin? — ela perguntou, sem tirar os olhos do fogão.

— Mais ou menos — murmurei, sabendo que ela entenderia o que eu realmente queria dizer.

Ela serviu o café e colocou um prato de torradas na minha frente. Eu sabia que ela estava tentando ser forte, mas a tensão estava ali, no ar, como uma sombra pairando sobre nós. Eu precisava falar com ela, entender melhor por que ela tinha aceitado aquela ideia absurda. E talvez, só talvez, eu pudesse fazê-la reconsiderar.

— Mãe, você realmente acha que essa mudança é uma boa ideia? — minha voz saiu mais fraca do que eu esperava, mas eu precisava saber.

Ela parou por um momento, segurando a xícara de café com ambas as mãos, e suspirou antes de responder.

— Shin, eu sei que é difícil para você. Para todos nós, na verdade. Mas eu acredito que pode ser o melhor para nossa família. Passar mais tempo juntos, especialmente com seu pai, pode nos ajudar a nos reconectar.

— Mas, e tudo o que eu construí aqui? A escola, o clube, os amigos, e até meu trabalho… — Eu tentei manter minha voz firme, mas senti um nó se formar na garganta.

Ela me olhou com um misto de tristeza e compreensão, como se já tivesse antecipado cada uma das minhas objeções.

— Eu entendo que você tem muito aqui, Shin, e não estou dizendo que será fácil. Mas às vezes, precisamos fazer sacrifícios pelo bem da família. — Sua voz tremia levemente, e eu percebi que ela também estava sofrendo com essa decisão.

Mas a raiva começou a se acumular em meu peito, uma raiva que eu não sabia exatamente para onde direcionar. Como eles podiam esperar que eu simplesmente abandonasse tudo? Respirei fundo, tentando acalmar a tempestade dentro de mim, mas ao mesmo tempo, o desespero tomou conta. E se ela estivesse certa? E se eu estivesse sendo egoísta ao querer ficar? Por um breve momento, um pensamento estranho cruzou minha mente: talvez a mudança pudesse ser uma oportunidade.

Mas, assim como veio, essa esperança desapareceu, e a frustração familiar voltou a ferver dentro de mim. Eu sabia que estava me afastando emocionalmente de ambos, especialmente do meu pai, e a ideia de que isso estava fora do meu controle só aumentava a minha angústia.

Terminei meu café da manhã em silêncio, os pensamentos girando na minha cabeça como um turbilhão, e me despedi rapidamente antes de sair de casa. Não sabia exatamente para onde estava indo, mas precisava de um tempo longe daquele ambiente sufocante.

Mais tarde, decidi mandar uma mensagem para Seiji e Rin, perguntando se eles queriam sair para comer algo. Não estava com fome, mas sabia que precisava falar com alguém, e eles eram as pessoas em quem eu mais confiava. Nos encontramos em uma pequena lanchonete perto do centro da cidade, um lugar que costumávamos frequentar depois das aulas.

Seiji chegou primeiro, como sempre, com seu sorriso despreocupado, mas que hoje parecia um pouco forçado. Rintarou apareceu logo depois, cumprimentando-nos com um aceno de cabeça, os olhos astutos já notando que algo não estava certo.

Sentamos em uma mesa no canto, e fizemos nossos pedidos. Eu estava calado, tentando encontrar as palavras certas, enquanto eles mantinham uma conversa casual sobre jogos e os últimos acontecimentos na escola. Finalmente, não consegui mais segurar.

— Eu vou me mudar. — As palavras saíram mais como um sussurro, mas foram o suficiente para interromper a conversa.

Seiji arregalou os olhos, e Rintarou franziu a testa, inclinando-se para frente.

— Como assim? Do que você está falando? — Seiji foi o primeiro a falar, a surpresa evidente em sua voz.

— Meu pai… ele quer que a gente se mude para a cidade onde ele trabalha. — Eu não conseguia evitar o tom de amargura na minha voz. — Eles já decidiram, e parece que não há nada que eu possa fazer.

Rin ficou em silêncio por um momento, digerindo a notícia. Seiji, por outro lado, começou a balbuciar ideias malucas, como se pudesse encontrar uma solução absurda que tornaria tudo isso um pesadelo passageiro.

— Cara, você pode ficar lá em casa! — sugeriu Seiji, quase entusiasmado. — Sério, meus pais nem notariam se você morasse no meu quarto. A gente pode dar um jeito de você continuar aqui, e ninguém precisa saber.

Rin olhou para Seiji com uma mistura de ceticismo e admiração.

— Isso… pode ser complicado, Seiji. Mas talvez haja outra solução. — Rin virou-se para mim, os olhos fixos nos meus. — Seiji, e se a gente tentasse ajudar o Shin a encontrar algo positivo nessa mudança? Tem que haver alguma vantagem nisso.

Seiji pareceu considerar a ideia por um segundo, mas logo balançou a cabeça.

— Ainda acho que a minha ideia é melhor — disse ele com um sorriso travesso, mas havia uma seriedade no seu tom que eu não podia ignorar.

Eu não pude deixar de sorrir, apesar da situação. Seiji sempre tinha uma maneira de tentar aliviar o clima, mesmo que suas soluções fossem completamente inviáveis. E Rin, sempre o racional, tentando ver o lado positivo, mesmo que fosse difícil de encontrar.

Por mais que as ideias deles fossem diferentes, ambos estavam tentando me ajudar, à sua maneira. E isso significava mais do que qualquer solução prática que pudessem encontrar.

— Eu agradeço, Seiji, de verdade. Mas não acho que vai funcionar dessa vez. — Eu suspirei, sentindo o peso da realidade voltar a se instalar.

Nos dias seguintes, meu desempenho na escola começou a despencar. Eu simplesmente não conseguia me concentrar. Nas aulas, enquanto o professor falava, meus pensamentos vagavam para a iminente mudança, para tudo o que eu perderia, para a vida que eu deixaria para trás. Eu nem percebia quando meu nome era chamado até que o professor se irritava, batendo o giz na mesa.

— Shin, está prestando atenção? — A voz do professor me trouxe de volta à realidade, mas apenas por um momento.

— Sim, desculpe. — Eu respondia automaticamente, mas minha mente já estava longe de novo.

Isso aconteceu mais de uma vez, até que o professor pediu para eu ficar depois da aula. Ele me olhou por cima dos óculos, com uma expressão de preocupação que eu raramente via nele.

— Shin, algo está acontecendo? Você tem estado muito distante ultimamente. Se precisar conversar…

— Eu… estou lidando com algumas coisas. — Foi tudo o que consegui dizer. Eu sabia que ele estava tentando ajudar, mas falar sobre isso só tornaria tudo mais complicado, e eu ainda não estava preparado para isso.

Durante o intervalo, Yuki me encontrou no corredor. Ela estava visivelmente preocupada, e eu sabia que não conseguiria esconder o que estava acontecendo por muito mais tempo.

— Shin, você está bem? — A preocupação na voz dela era evidente, e me senti mal por tê-la deixado de fora até agora.

— Eu esqueci de te contar — suspirei, encostando-me na parede. — Meus pais… querem que a gente se mude. Para a cidade onde meu pai trabalha.

Ela ficou em silêncio por um momento, processando a informação.

— Isso é sério? — Ela finalmente perguntou, a voz suave, quase temendo a resposta.

— Sim. E parece que já está decidido. — Eu olhei para ela, esperando que ela entendesse o quão perdido eu estava.

Yuki deu um pequeno passo em minha direção, e por um momento, pensei que ela fosse me abraçar para me dar um breve conforto, mas em vez disso, ela colocou a mão no meu ombro.

— Eu sinto muito, Shin. Se precisar de alguém para conversar… eu estou aqui. — Ela tentou sorrir, mas seus olhos denunciavam a tristeza que ela estava tentando esconder.

Agradeci com um aceno de cabeça, mas não consegui dizer mais nada. O simples fato de saber que ela estava lá para mim já era reconfortante, mas também fazia tudo parecer mais doloroso, como se cada momento que passávamos juntos estivesse se tornando uma despedida.

Quando as aulas acabaram, eu acabei esbarrando em Kaori na rua. Ela parecia estar sempre por perto quando eu mais precisava de um alívio, mesmo que ela não soubesse disso.

— Ei, Shin! — Ela acenou, com aquele sorriso contagiante que era difícil de ignorar. — Você parece que precisa de algo doce! Vem comigo, rápido!

Antes que eu pudesse protestar, ela já estava me puxando para uma padaria próxima, falando sobre tudo e qualquer coisa, tentando claramente me distrair. Acabamos rindo de algo bobo que ela disse, e por um momento, a nuvem escura que pairava sobre mim pareceu se dissipar.

— Viu? Eu sabia que você precisava disso! — Ela declarou triunfante, oferecendo-me um pedaço de bolo que tinha comprado. — Vai ficar tudo bem, Shin. Às vezes, tudo o que precisamos é de um pouco de açúcar.

Eu ri, e apesar da gravidade da situação, não pude deixar de me sentir um pouco mais leve. Ela tinha essa capacidade de me fazer esquecer, mesmo que por um momento, dos problemas que me atormentavam.

Mais tarde, em casa, eu tentei mais uma vez convencer minha mãe de que eu podia ficar. Que eu podia me sustentar com o trabalho de meio período, que eu poderia me virar sozinho. Mas, como eu já sabia no fundo do meu coração, a resposta não foi o que eu esperava.

— Shin, você é muito corajoso por pensar assim, mas isso não é uma solução. — Ela disse gentilmente, mas com firmeza. — Eu não posso deixar você sozinho aqui. Seria muito difícil, e não é justo para você.

Meu pai, que estava por perto, interveio.

— Nós entendemos que é difícil, Shin, mas precisamos estar juntos nessa. Trabalhar meio período não é o suficiente para sustentar uma vida. E queremos que você tenha todas as oportunidades possíveis.

Eu queria gritar, argumentar, dizer que eles estavam errados, que eu podia fazer isso, mas tudo o que consegui foi um suspiro resignado. Não havia como escapar dessa situação.

Naquela noite, deitado na minha cama, olhei para o teto, tentando processar tudo. As conversas, as tentativas, a esperança que se esvaía. Meu coração estava pesado, como se estivesse sendo esmagado pelo peso de todas as coisas que eu não poderia mais controlar.

Peguei uma foto da minha mesa, uma foto nossa, eu, Seiji e Rintarou, tirada no último festival da escola. Todos nós sorrindo, sem saber que aquele momento se tornaria uma lembrança dolorosa.

Segurei a foto com força, prometendo a mim mesmo que encontraria uma maneira de resistir. Eu não podia deixar isso acontecer. Eu não podia simplesmente aceitar que tudo o que eu construí seria destruído por uma decisão que eu não tive voz para contestar.

E com essa determinação frágil, mas crescente, fechei os olhos, tentando ignorar a tempestade que ainda rugia dentro de mim.

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