— Operário? Operáriooo… — Uma voz feminina, clara e um tanto meiga, alcança os ouvidos de Akemi, que segue de olhos fechados, cochilando.
— Ei, acorda! — A voz doce insiste, e o dorminhoco sente alguém sacudindo-lhe, assim reconhecendo que realmente está sendo chamado. O ato o faz despertar em estado de confusão.
— Hãn?! O quê?
Ao seu lado, uma mulher de aparentemente trinta anos o encara com preocupação em seus olhos azuis, ela exibe longos cabelos loiros e um corpo cheio de curvas destacado por um jaleco branco impecável.
— Você é da usina, certo? É a sua parada, o bonde partirá já, já!
— Ah! Muito obrigado, moça! — Com a caixa de ferramentas em mãos, ele se levanta abruptamente e sinaliza ao condutor. — Espere! Vou descer aqui, só um segundo.
Ufa! Ela deve ter me identificado como operário por causa desse uniforme ridículo. Essa camisa branca e calça com suspensórios me salvaram dessa vez.
Ao desembarcar, o rapaz nota uma fraqueza nos braços, seu corpo está cansado após um dia inteiro de trabalho.
— Uuff, como isso ficou tão pesado?
A usina hidrelétrica é uma imensa instalação industrial com o exterior de cores brancas, localizada na conexão do vasto Mar do Poente com a capital, entre as duas pontas da baía no leste de Toryu.
A escolha do local se justifica pelo perfeito fluxo de água para o funcionamento da usina.
Uuui, que frio! Só vem ar gelado no meu nariz… Esse tempo fechado não ajuda em nada, e pelo visto, terá uma baita tempestade.
Akemi caminha lentamente em direção à usina, onde um guarda na entrada o reconhece como funcionário, liberando a passagem sem maiores questionamentos.
Passando pelo imenso portão de madeira e adentrado na instalação, o barulho das máquinas em funcionamento e o cheiro característico de metal e óleo se fazem presentes.
À frente, há um extenso corredor de paredes cimentadas, com inúmeras portas em ambos os lados.
Caramba, a sala do vovô fica quase no final desse corredor… Espera, por que todas as portas estão fechadas? Não tem mais ninguém por perto?!
Akemi se preocupa com a caixa ficando cada vez mais pesada, à medida que avança pelo corredor, suas pernas e braços começam a tremer, um sinal claro de que sua resistência está chegando ao fim.
Não é hora de fraquejar, seja forte!
Entretanto, apesar de estar próximo à sala, seu corpo cede!
Tudo parece acontecer em câmera lenta.
Enquanto ele cai para trás, seus olhos se arregalam ao ver a caixa escorregar de suas mãos trêmulas.
Seguidamente, a tampa se sai, fazendo uma chuva de ferramentas e objetos cortantes, cada qual brilhando ameaçadoramente sob a luz do ambiente, despencar no peito e rosto do jovem ao chão.
A queda gera um barulho que ecoa pelo corredor da usina.
Poucos segundos depois, uma voz forte e rouca se aproxima.
— Mas o que aconteceu aqui?!
Alguém começa a remover as ferramentas sobre Akemi, que abre os olhos ao decorrer da luz batendo em seu rosto.
Por fim, percebe-se que quem está tentando ajudá-lo é seu avô, Isao Aburaya, um idoso baixo de rosto enrugado e calvície nos cabelos grisalhos; suas vestes têm o mesmo padrão de uniforme dos operários.
Com uma das mãos na cabeça e sentindo um pouco de dor no rosto, o rapaz tenta se levantar enquanto reclama: — Droga.
— Você está bem?
— Acho que sim, só minha bochecha dói um pouco — responde o garoto, massageando a área dolorida.
Autoritariamente, o avô tenta afastar o braço do neto.
— Deixe-me ver.
— Pode ficar tranquilo, estou bem.
Mas, quando a bochecha de Akemi é descoberta, Isao se espanta.
— Pelos deuses! Venha comigo!
O avô agarra o braço do neto e começa a levá-lo pelo corredor para algum lugar.
— E-ei! Para onde vamos?!
— Seu rosto está sangrando, temos que limpar isso agora!
A pia do claro e grande banheiro masculino é onde Isao esfrega sabão com firmeza na bochecha do neto.
— Ai ai! Isso dói!
— Pare de ser mole.
— Mas está ardendo!
Esse sabão é um inferno! Aliás, ele quer arrancar minha cara fora? Pra que essa força?!
Enfim, finalmente o rosto do rapaz é enxaguado e ambos olham para o extenso espelho na parede à frente.
— Hmm, apesar de ser um corte profundo na sua bochecha, pelo menos não é tão grande.
— Como assim?! Ficou da largura do meu olho!
— Pode deixar uma cicatriz, você terá que lidar com ela. Por sorte, eu ando com isso aqui.
Isao tira algo do bolso.
— Por que você anda com uma caixa de curativos?
Enquanto cuidadosamente aplica um curativo na bochecha machucada do neto, o avô diz: — É justamente para momentos como este — ele suaviza o toque ao finalizar os cuidados. — Agora, me conte o que aconteceu.
— Eu estava exausto e a caixa foi ficando pesada… perdão.
— Não precisava se esforçar tanto, você não é um operário oficial, não tem que ultrapassar os seus limites.
Repentinamente, uma certa seriedade invade Akemi.
— Sempre vou até o fim, se não, nunca vou alcançar meu sonho!
— Seu sonho? Ai ai, você nunca desistirá disso, não é? — indaga Isao, com uma mão no rosto em tom de desaprovação e impaciência.
A resposta é imediata, pronunciada com a característica determinação do garoto ao falar sobre seus desejos heroicos.
— Desistência não se encaixa nos padrões da ASA!
— ASA? He he he. A tão famosa Academia Shihai de Asahi, uma instituição militar acadêmica cujo propósito é preparar jovens áuricos para a defesa da nação. É lá onde você se imagina?
A expressão de Akemi se torna rígida, seus olhos exibem frustração diante das zombarias do avô.
— Estou falando sério! E sim, é exatamente lá que me imagino!
— Jovem, já te expliquei, você passou da idade de ter uma aura. Foi assim comigo e com seus pais. Ser trivial não é tão ruim.
Lá vem ele de novo com os mesmos discursos desmotivadores. Vai ser desse jeito pro resto de nossas vidas?! Que raiva!
— Mesmo que eu não tenha, já falei que posso ser um militar trivial! Eles são tão úteis quanto um shihai.
Isao, com um sorriso sutil, diz: — He he he. Como é teimoso, impressionante o quanto você é igual a sua mãe.
— Igual a ela, por quê? Você nunca fala nada dela!
— Deixa pra lá, tendo poderes ou não, você tem que ficar longe do exército.
— Mas eu consigo treinar, posso melhorar! Só preciso de uma oportunidade, já tenho idade para isso.
As colocações insistentes claramente desgastam os dois.
— Akemi! Você só fica lendo essas notícias nos jornais que tentam motivar os jovens. São sempre histórias forçadas e relatos manipulados de alunos da ASA ou qualquer quartel.
— E nada é mentira! Posso chegar no mesmo lugar deles, como falei, só preciso de uma chance.
— Tudo bem em estudar, mas você não tem resistência nem para suportar uma caixa de ferramentas!
A observação atinge o garoto como uma flecha que perfura seu pobre ego.
— É… é porque… eu estava cansado, poxa.
Vendo o descontentamento alheio, Isao calmamente coloca uma das mãos no ombro do neto.
— Só não quero que você se machuque, seu corpo não é adequado para o exército. Acabamos de ter uma guerra contra um país próximo e não sabemos quando entraremos em um novo conflito. Não posso te perder.
Farto, o rapaz demonstra uma certa raiva no rosto ao afastar a mão do idoso e tentar encerrar a conversa: — Argh! Chega por hoje! Já devo ter ultrapassado meu expediente, vou para casa.
No momento em que o neto se vira, o avô alerta: — Nananinanão! As ferramentas continuam no chão do corredor, vá guardá-las nos armários do meu escritório.
Ambos saem do banheiro, e ao chegarem no local das ferramentas derrubadas, Akemi inicia sua tarefa inacabada; já Isao, segue para um outro canto da usina.
Perto da caixa de papelão, há uma variedade de ferramentas espalhadas: martelos, sacos de parafusos, chaves de fenda, trenas e coisas que o jovem não sabe identificar.
Sorrateiramente, enquanto está no chão, ele escuta passos pesados aproximando-se, e ao olhar atrás, depara-se com um operário conhecido.
— Samir?
— Olá, menino! Como está?
Quem se aproxima é Omar Samir, um homem de quarenta anos, alto e musculoso, que para exibir sua reluzente pele morena, não possui nenhum pelo no corpo, inclusive na cabeça.
Sendo estrangeiro, Samir conquistou um lugar na usina devido a sua aura rochosa, capaz de substituir temporariamente alguns de seus músculos por material rochoso, aumentando sua força e ajudando no transporte de equipamentos pesados.
Akemi compartilha seus eventos recentes, inclusive o incidente que resultou no seu corte na bochecha. O relato arranca boas risadas de Samir.
— Ha ha ha! Sério? Mas com esses braços de minhoca, essas coisas acontecem.
— Acho que preciso treinar mais, hehe.
— Não se preocupe! Um dia você ficará grande e forte como eu — diz Samir, exibindo seus músculos petrificados.
— É, quem sabe um dia.
— Olha, posso te pedir um favor?
Samir explica que há um único capacitor específico na sala 114.
— Entendo, gostaria que eu o pegasse para você?
— Sim, é um serviço mais tranquilo. Vou cuidar das ferramentas, onde devo deixá-las?
Após determinar o destino da caixa, Akemi avança pelo corredor até chegar na área central da usina, uma redoma acinzentada que abriga máquinas, tubulações e diversos funcionários trabalhando.
Ao atravessá-la, encontra-se uma entrada para outro corredor, onde a sala 114 situa-se na quinta porta à esquerda.
Conforme se aproxima, o rapaz vê que a porta de aço está entreaberta e com o interior da sala sem sinais de luz, indicando que alguém possa ter a deixado recentemente.
De frente com a porta e com a respiração suspensa no breve clima pesado de mistério, Akemi pausa por um momento.
Sala 114… se bem me lembro, esta é uma das salas que o vovô me proibiu de entrar… Mas, afinal, o que pode haver de tão perigoso aqui dentro?
Decidido, o garoto empurra a porta suavemente; adentrando no escuro espaço desconhecido, ele tateia as paredes à esquerda em busca de um interruptor.
Quando a luz é acionada, o ambiente se transforma, revelando um verdadeiro laboratório de inovações…