Essas luzes piscando… Esse silêncio… Aqui está abandonado? Não, tenho certeza que não.
Akemi não consegue afastar a sensação de que está sendo observado.
Cada sopro de vento gelado que passa, trazendo consigo um odor metálico de ferrugem, só aumenta a apreensão do rapaz que esfrega os braços para aquecer-se.
Uuuuh, que frio! Por que eu concordei com isso mesmo? Ah, sim, só pode ser porque sou um idiota…
— Continue agachado e fique perto de mim. Tem uma porta ali, nós vamos até ela — sussurra Miya, seguindo próxima à parede pela direita, seus passos são tão cautelosos como de um gato, não emitindo som algum.
— Como se você fosse me deixar ter outra escolha — murmura Akemi, tentando imitar a postura furtiva da companheira. Passando as mãos pela parede, ele sente uma poeira espessa grudar em suas mãos.
Me pergunto se algum dia alguém já limpou esse lugar.
Eles avançam com cautela até a porta de ferro de formato oval e dobradiças enferrujadas testemunhando anos de abandono.
Agachado atrás de Miya, Akemi analisa a porta próxima.
Isso parece até uma entrada para um sacrário gigante…
— O que você acha que tem a-
— Espera… — Miya rapidamente cobre a boca de Akemi com a mão. — Você ouviu isso?
…
— É! Você tinha que ter visto! — exclama uma voz esnobe, escapando através da ventilação mais próxima, no rodapé da parede curva — a filha caçula daquela seorina estava em choque, matei todos! — O orgulho na fala destaca o tom cruel.
Os jovens se entreolham, refletindo surpresa e estranheza.
Eles chegam mais perto da ventilação, esperando para ver o que mais pode vir.
— Senhor, por favor, não leve essas almas inocentes como conquistas — retruca a voz de uma moça, suave e controlada, mas com um toque de irritação contida — o objetivo é consolidar o poder de Asahi, não precisamos executar qualquer um que vier pela frente.
O pernóstico rebate: — Bah, formalidades! Seorinos não passam de camponeses, fáceis de manipular. Eles estavam aterrorizados demais para resistir. Foi divino torturá-los nas chamas da guerra! Estamos há muitos anos nessa, mas sinto como se os ataques só estivessem começando!
— A resistência do alvo é pequena, todavia a atenção que isso atraiu de Meilí é preocupante, não será vantajoso para nós se eles quiserem disputar terras seorinas.
— Fala do país que nos tornou potência emergente no continente? Até superamos o elemento primário deles, aquela técnica chamejante não nos incomoda mais.
— Concordo, mas lembre-se de que os meilianos ainda possuem relações fortes com Medved.
— Medved?! Hahahaaaa…! Esses aí estão em guerra civil há mais de cinco anos! Têm preocupações muito maiores do que o risco de uma nova derrota. Nosso exército áurico é o melhor de todo o continente, e a expansão de Asahi é inevitável! Vamos intimidar Meilí e sufocar Medved com nosso poderio. São ordens do Imperador Hero: DOMINAREMOS TUDO!
— Que assim seja, senhor…
Um silêncio interrompe a conversa, sobrando apenas o medo de Akemi, que perdidamente, busca entender a situação.
M-ma-ma-ma-ma-mas o quê?! P-pensei que as guerras tinham acabado! Não estávamos em paz?!
Seu coração dispara.
Ataques à Seorim? O que estão falando nessa porta? São militares? Parecem mais psicopatas! O que tá acontecendo…?! E espera um pouco…
Por outro lado, Miya exala uma fúria fervilhante. Os relatos que escuta parecem atingi-la como um ácido, porém o que queima no seu corpo é o mais puro ódio.
— Miya! — chama Akemi, praticamente gritando em voz baixa ao perceber a reação da companheira, que não dá resposta… — Miya? Tá tudo bem? Responde! — Ele cutuca-a no braço, mas não recebe atenção.
Os olhos verdes da garota brilham em laranja; são pequenas chamas dançando em suas íris. Para completar a feição raivosa, seus dentes flamejantes rangem em frustração.
— Covardes — murmura ela, a fervura em sua voz é tão quente quanto suas emoções.
O-o que essa menina tem em mente?! Ela não vai entrar lá, né?!
Akemi se arrepia de medo pelo que escuta, contudo, a ferocidade de Miya o deixa bem mais aflito.
Não, ela não pode continuar assim! Ela precisa se tranquilizar!
Ele sente um calor se espalhando, uma breve degustação do poder latente de uma Miyazaki.
— Ei, se acalme! Você não pode perder a cabeça aqui…
Ao ouvir o pedido, Miya fecha os olhos lentamente; respirando fundo, ela tenta canalizar sua raiva para encontrar o foco que precisa.
Mas antes que pudesse relaxar por completo…
Tap… tap… tap… tap…
O som de passos, lentos e pesados, descem das escadas.
Como se o mundo estivesse em câmera lenta, os jovens viram a cabeça e espiam pelo canto dos olhos arregalados.
Seus corações batem em uníssono, sincronizados pela tensão crescente.
E então, vislumbram apenas fragmentos: a barra de uma calça branca, presa firmemente por uma bombacha, balançando calmamente acima de um coturno preto.
É a base do uniforme de quem desce as escadas.
O barulho sutil do solado batendo vagarosamente no ferro das escadas traz ao presságio uma vinda iminente…
Miya age sem pensar duas vezes.
Num movimento rápido, ágil e preciso, seus dedos encontram a borda da grade próxima no rodapé. Com um impulso firme, ela a puxa para cima, tornando a ventilação desprotegida e acessível.
Mas o qu-
Akemi é agarrado pelos tornozelos, não tendo tempo de reagir ao ser derrubado no chão como um boneco e puxado para dentro da abertura escura, ficando deitado ao lado de Miya, que fecha rapidamente a ventilação usada de esconderijo.
Apesar de todas as ações, o barulho é mínimo.
— Ei! O que você tá faze-
A garota rapidamente cobre a boca do falante.
— Não respire.
Tentando ajeitar os corpos deitados, os jovens roçam a pele no metal gelado.
Apenas o bater de seus corações é audível dentro da ventilação, pois assim como Miya, Akemi nem cogita respirar…
Finalmente, a figura que descia as escadas passa, preenchendo o túnel com seu semblante de autoridade.
Agora, a identidade é inconfundível.
Não pode ser! O que o diretor faz aqui?!
Jin Ichikawa, um nome que Akemi conhece bem, embora nunca imaginasse encontrá-lo ali em uma presença avassaladora.
Mesmo saindo da vista pela ventilação, os passos do diretor seguem lentamente…
Posteriormente, o barulho de uma porta metálica sendo aberta chega aos ouvidos dos escondidos.
— Marechal Ichikawa, qual o fim da convocação? — pergunta a moça pela chegada de mais um.
— Vim informar o general sobre a guerra civil de Medved.
— Rá! Tava falando disso agora — diz o homem rude — mas o que uma guerra interna de outro país poderia me interessar?
— Meus infiltrados vasculharam alguns refúgios que foram destruídos, o estrago é grande, e está cada vez mais difícil achar membros da resistência por entre a neve densa. É questão de tempo para que os Volks dominem Medved por completo.
— Claro, entendo… — o vaidoso parece impaciente — era de se esperar que triviais não teriam a menor chance contra áuricos, agora conte-me o que isso tem a ver com a gente?
— O Czar ressurgiu — afirma Ichikawa, entoando a pronúncia medvediana como uma execração.
A informação traz uma breve quietude.
C-Czar…?!
Os jovens escondidos têm seus olhares esvaziados, como se suas almas tivessem partido.
— … Hãn?! Hahaaa! Foi mal, meu marechal, isso aí é impossível — comenta o arrogante, dessa vez, com preocupação estampada na voz — ele foi morto há mais de quinze anos, eu mesmo vi com os meus próprios olhos.
— Sei como se sente, eu também estava lá. Conquanto, acharam resquícios recentes da névoa negra em áreas recém-sucumbidas da resistência.
— Você só pode estar de brincadeira, Jin. Deve ser outro alguém com a mesma aura, um herdeiro ou algo do tipo.
— Negativo. É fato que o Czar eliminou todos seus possíveis sucessores, sabemos o que ele busca, ter herdeiros só o atrasaria. Só existiu uma pessoa com aquela aura, é inegável que ele ainda esteja vivo…
Czar… vivo? Não, isso só pode ser mentira!
Apavorado, Akemi observa Miya, percebendo que ela compartilha do mesmo suor frio gerado pelo nervosismo; entretanto, a feição da garota demonstra um foco intenso.
— Senhor, o que faremos então? As missões em Seorim serão cessadas? — questiona a moça, também receosa.
— Negativo. Soube que Meilí planeja disputar territórios seorinos com as nossas tropas, e se eles manterem a aliança com Medved em estado estável, teremos grandes problemas novamente.
Bam!
Alguém bate em uma mesa.
— Então vamos ficar aqui esperando igual panacas?! — indaga o esnobe, estressado.
— Guerras territoriais são complexas e dependem de vários fatores. Por enquanto, manteremos as ordens sugeridas pelo império. Mas deixo-os avisados para que possam proteger suas famílias, principalmente a sua.
Vup-wooosh!
Juntamente de chamas ferozes, uma cadeira é arrastada.
— E-ei! General! Sente-se novamente! — alerta a moça.
— EU SEI MUITO BEM COMO DEFENDER MINHA FAMÍLIA! — Ffu-woosh! Ffu-woosh! Um som de fogo sendo manipulado enche o ar, como se alguém estivesse em chamas. — NÃO SOU COMO O VERME DO MEU IRMÃO! — Ffu-woosh! — EU NUNCA DEIXARIA ALGO ACONTECER COM QUEM AMO! — Ffu-woooshhh-pow!
Caramba! O que foi isso?! Quebraram uma mesa?!
— General! Por favor… — implora a moça, angustiada.
— Eu matava, degolava, esquartejava e queimava qualquer um que pretendesse machucar a minha esposa, independente se ela precisasse de ajuda ou não! É por essas e outras que somos uma família mais forte desde a última troca de mandatária!
— Ho ho ho…! Nem você concorda plenamente sobre sua colocação final — retruca Jin, destacando a seriedade em seu tom descontraído inicial. — Então, há mais algo a dizer, Katsuro?
K-Katsuro…?!
As reações de surpresa e medo de Akemi se alastram drasticamente.
— Argh! Me retirarei por agora! Uma perda de tempo vir a esta reunião medíocre! Tenho muitas ordens a dar e muitas táticas a planear! Até uma outra oportunidade!
Bammmm…!
A porta supostamente é aberta com um chute, e o barulho do impacto ecoa por todo o túnel.
Sequencialmente, passos raivosos seguem rumo à escada…
O garoto de olhos arregalados abre a mente ao ver a pessoa que passa na sua frente.
É-é… o General Katsuro Miyazaki…
Com passos de fogo, postura rígida e ombros largos, Katsuro Miyazaki, General de Exército do Quinto Regimento Áurico, extravasa o nervosismo em seus olhos azuis.
Ao participar de uma conversa que claramente não o agradou, Katsuro esfrega as mãos pelos cabelos médios penteados para trás. Sua barba grossa, por sua vez, sugere que ele já tenha passado dos quarenta anos de idade.
Uma faixa rubra cruza diagonalmente o peito, ostentando três medalhas, enquanto a farda vermelha e preta com botões e detalhes dourados, brilha com a intensidade da aura ígnea. O traje destaca o corpo robusto e definido do militar, juntamente de uma capa negra que, além de cobrir os ombros onde a patente é exibida, balança suavemente ao sabor da brisa fria que acessa o corredor. Luvas claras e coturnos brancos completam o conjunto, conferindo-lhe um ar heroico, em contraste com a personalidade ardente do usuário de fogo.
Então era ele por trás desse papo o tempo todo! Como o marido da matriarca pode participar de diálogos assim…?! Miya deve ter uma resposta.
Akemi vê o olhar desdenhoso da garota perseguindo o militar que passa. Aparentemente, ela já sabia da identidade de Katsuro desde o começo da conversa.
— Perdão pelas ações dele, Marechal Ichikawa.
— Você é apenas uma mediadora, não deve nada a ele. Vamos, preciso conversar com mais pessoas, ainda estamos no começo do dia.
As informações pesam sobre os jovens como uma maré implacável. Eles tentam processar a enormidade da situação, mas é como tentar segurar areia entre os dedos.
Terminada a conversa termina, a tensão no ar não se dissipa.
Os restantes saem da sala, passando pelo duto de ventilação onde Miya e Akemi ainda estão escondidos.
Andando próxima a Jin, a suposta mediadora é exteriorizada, vestindo um hakama branco com um kimono de tecido escuro que reflete a luz piscante, destacando o mon — emblema de família — bordado em seu peito.
O cabelo amarrado da moça apenas demonstra sua elegância em seu olhar centrado, realmente uma pessoa culta.
Os jovens aguardam em silêncio, o tempo se arrasta até que os passos desaparecem na distância.
— Vamos — sussurra Miya, aliviada ao abrir a grelha da ventilação.
Ambos emergem do largo duto retangular, sacudindo a poeira de suas roupas acadêmicas pretas.
O ambiente parece menos opressivo agora, mas a urgência da situação não foge.
— O-o que foi tudo isso?! — indaga Akemi, afobado apesar da voz baixa.
— Eu sei, é confuso, mas se o governo planeja cometer crimes e fazer coisas horríveis com países vizinhos, temos que impedi-lo.
— Tá louca?! Somos só nós dois contra shihais de grau altíssimo!
Miya coloca uma mão firme no ombro do garoto, tentando transmitir coragem através do toque.
— Não estaremos sozinhos. Temos aliados, só precisamos encontrá-los.
— Você não entendeu?! Não é só sobre essas invasões, há um perigo ainda maior! O que você acha que pode fazer se o Cza-
Wwoooossssshhh…
Sorrateiramente, depois de uma leve ventania, uma sombra se destaca na luz falha entre os jovens…
Ninguém move um músculo sequer.
Psicologicamente apavorado ao sentir a presença de algo, Akemi tem o seu suor frio como o movimento momentâneo.
— Hummm, vejo que há jovens aventureiros se intrometendo em assuntos fora da própria capacidade, que imprudência lastimável — a voz é familiar, porém, um tom ameaçador a modifica, envolvendo-a em uma incógnita que enregela os alunos descobertos…