Com um movimento ágil, Isabel se agacha sob o chão, relembrando as correntes de mana que percorreram seu corpo no vilarejo e a sensação de revitalização que experimentou ao nutrir o solo naquele momento. No entanto, agora ela não busca fertilizar a terra, mas criar uma distração. Suas mãos tocam o solo, e pequenas partículas de terra começam a flutuar ao seu redor, formando uma aura de energia terrosa.
Ela fecha os olhos rapidamente, mergulhando em uma imensidão de escuridão profunda.
O vazio e o silêncio envolvem seu ser, criando um lugar desprovido de qualquer estímulo sensorial. Contudo, os sons de metais se chocando e dos impactos da luta entre Lukas e o Lobo da Noite ecoam em seus ouvidos, destacando a dificuldade enfrentada pelo rapaz.
Isabel busca encontrar algo na escuridão, focando-se em uma figura que se insinua no fundo, mas sem revelar sua verdadeira forma.
Com passos cautelosos, Isabel se aproxima dessa silhueta invertebrada que se contorce de maneira perturbadora, acompanhada por sons de estalos e garranchos, como escamas se movendo umas sobre as outras.
Finalmente, ela se coloca diante da criatura, que se estende verticalmente, observando-a com olhos vermelhos e emitindo um som de chocalho com um grunhido vindo de sua boca.
Erguendo a palma de sua mão, Isabel projeta uma esfera de luz composta por mana, iluminando o ser à sua frente. E ali, diante dela, revela-se o monstro lacraia que havia sido derrotado por sua mestra, Evangeline, no corredor da masmorra.
A visão desse monstro ressuscitado instiga uma mistura de medo e determinação em Isabel, que sabe que precisa enfrentá-lo e usá-lo como uma peça fundamental em seu plano para ajudar Lukas na batalha contra o Lobo da Noite.
”Uma Lacraia Anciã… Ela deve ser a alma remanescente que eu acabei absorvendo junto com o núcleo mágico… mas por quê? Por que a alma dela se manteve intacta depois da absorção…? Será que ela não me ver digna de ter todo seu poder…?”
Os olhos de Isabel percorrem com cautela o corpo enrijecido da Lacraia Anciã, analisando cada detalhe com uma mistura de confusão e fascinação.
Seus olhos safira seguem a esfera de mana que ela projeta, iluminando lentamente toda a extensão da criatura. Desde a cabeça até as mandíbulas, passando pelas antenas ondulantes, os olhos vermelhos e as presas que exsudam um líquido corrosivo, — capaz de consumir tudo o que toca.
A garota se sente imersa em um momento de perplexidade e encantamento.
Em um breve instante, enquanto buscava encontrar a força para auxiliar seu professor na luta contra o Lobo da Noite, Isabel se viu envolta em um lugar sombrio e desconhecido. Era como se tivesse sido transportada para um recesso profundo de sua própria mente, onde a lembrança desse monstro havia sido preservada, ligada a seu núcleo mágico.
”Por que… esse monstro ainda está aqui…? Será possível que o Mana que absorvi de seu núcleo não era o total de seu poder….? Será que há algo a mais que eu posso ganhar com isso…?”
A confusão e a incerteza pairam em sua expressão, pois tudo o que desejava era encontrar uma concentração para organizar seus pensamentos e contribuir na batalha. Porém, agora ela se encontra em um domínio estranho e desconhecido, cercada pela lembrança viva desse ser abissal.
Isabel desliza rapidamente em direção à lacraia, mantendo um olhar firme sobre a criatura, porém sem plena certeza de que o monstro não a atacará.
Uma sensação de apreensão percorre seus sentidos, como se fosse constantemente alertada por seus instintos de que o monstro em sua frente poderia, a qualquer momento, lançar-se contra ela, mesmo permanecendo imóvel.
”Talvez eu esteja ficando muito paranoica… por achar que esse monstro pode me atacar mesmo estando em minha mente…” Um sorriso sem graça escapa dos lábios de Isabel, em meio ao pensamento absurdo de ser atacada por um monstro já morto.
No entanto, seu devaneio não é em vão, pois, ao tocar brevemente o monstro, ela é violentamente chicoteada para longe por uma das pernas da lacraia.
A perna do monstro, composta por filamentos de escamas tão duras quanto pedra, é iluminada brevemente pela esfera de mana, — revelando uma obra de arte esculpida em cristal amarelo translúcido.
Ssssscream!
A criatura faz ressoar pelo espaço um som característico de rosnados e gritos agudos, — que reverberam em todas as direções. Seu grito carrega um misto de fúria, desprezo e repugnância, como se o monstro se sentisse ofendido e enojado por ser tocado por Isabel.
Isabel se vê assustada diante da imponente presença da Lacraia Anciã, um monstro que exala uma densa aura de sede de sangue.
A gravidade ao seu redor parece multiplicar-se, tornando o espaço mais pesado e opressivo do que nunca. Seu corpo estremece e ela cai de joelhos, reconhecendo sua própria fraqueza diante dessa ameaça avassaladora.
Lembranças das palavras de sua mestra invadem sua mente, ecoando a dificuldade enfrentada por Evangeline ao lutar contra esse mesmo monstro. Isabel percebe que até mesmo sua mestra, em toda a sua força, quase pereceu na batalha contra a Lacraia Anciã.
”’E-e-e-… eu vou morrer… e-e-e-eu… preciso sair daqui…!” O desespero toma conta dela enquanto procura freneticamente uma saída, temendo perder sua vida ali, sozinha na imensidão escura.
De repente, uma voz feminina ressoa em seus ouvidos, chamando sua atenção:
— Patético…
É uma voz afiada e grave, carregando consigo sabedoria e imponência.
Isabel procura freneticamente a origem da voz, desejando desesperadamente encontrar uma fonte de auxílio em meio àquela situação angustiante. Por um breve instante, um calor reconfortante invade seu coração, alimentando a esperança de que alguém esteja ali para ajudá-la.
— Procura alguém… humana?
Todavia, a verdade desce como um gelo em seu peito quando percebe que a voz provém do próprio monstro à sua frente, a Lacraia Anciã, cuja aura transmite sabedoria e perspicácia.
— Im-impossível…! — A garota fica imóvel, surpreendida com a realidade de um monstro pronunciando palavras.
Ainda que tenha estudado sobre monstros em seu vilarejo, nunca imaginou que eles pudessem possuir a capacidade de se comunicar.
Seus conhecimentos lhe ensinaram que apenas alguns monstros com intelecto semelhante ao humano são capazes de se comunicar, — categorizados como demi-humanos, enquanto os demais são considerados meras bestas mágicas.
Tudo parece se desfazer diante de seus olhos, assim como o vazio que a envolve, enquanto a Lacraia Anciã volta a se pronunciar:
— Impossível? Impossível!? Esta Rainha que deveria dizer tais palavras, humana! Como cogitas sequer em pensar em possuir meu poder!!? Como sequer sonhas em se aproximar e tocar nesta Rainha!? — O monstro se move lentamente ao redor de Isabel, emanando desprezo e repulsa, inundando-a de sensações de nojo por ter sequer cogitado a possibilidade de possuir seu poder.
A Lacraia Anciã observa Isabel minuciosamente, percorrendo seu corpo dos pés à cabeça, e estala a língua com desgosto. A expressão de decepção da criatura é evidente, revelando seu descontentamento por ver um mero mago fraco ter adquirido e absorvido seu núcleo.
— Indigna! Como uma mera maga insignificante como você teve a audácia de absorver meu núcleo mágico?! Por que aquela majin não o fez!? Ela tinha mais qualificações de adquirir minha habilidade do que um mero lixo que pensa em apenas ter poder!!
Ela reclama da injustiça da meio-elfa não ter herdado seu poder, considerando que a garota que a derrotou possuía mais qualificações para receber sua habilidade do que uma mera usurpadora.
— O quê…?
Isabel se sente abatida com essa constatação, pois até mesmo o monstro não a considera digna de possuir seu poder. Além disso, o fato de a Lacraia Anciã desejar que Evangeline tivesse absorvido seu poder apenas amplia seu sentimento de desamparo.
”Por que…? Por que ninguém confia em mim…? Por que ninguém acredita em mim…? É porque eu sou jovem? É por que ainda não sei controlar meu poder…? É por que… eu não sou minha mestra…? Nem mesmo o auxílio que obtive da minha mestra para me fortalecer, não me considera digna de ter seu poder…”
Sob a imponente presença do monstro e sua sede assassina, pequenas lágrimas escorrem pelo rosto de Isabel, levando-a a perceber que não é nem mesmo merecedora do auxílio de sua Mestra.
Sob a opressiva pressão do desejo de sangue emanado pela Lacraia Anciã, Isabel mantém seu coração acelerado, sentindo um frio na barriga que parece congelar cada vez mais, como se uma lâmina estivesse próxima de sua garganta.
Contudo, ela não se rende às provocações da criatura e responde com uma força de espírito inabalável.
— Não…!
— Não?!
Isabel relembra sua busca incansável por seu atributo, a vontade de se tornar uma maga e moldar seu próprio destino. Ela recorda dos cochichos e olhares desanimados dos outros, que insinuavam que seu futuro como humana comum seria insignificante nesse mundo mágico.
Compreendendo a dura realidade, ela se viu encolhida no canto da sala da escola, aceitando que talvez sua aspiração de se tornar uma aventureira fosse inalcançável.
No entanto, no meio da turbulência de seus pensamentos, uma jovem estendeu a mão para Isabel, ensinando-a a encontrar seu atributo. Essa jovem era Evangeline, sua mestra.
A alegria transbordou em Isabel ao finalmente obter o que tanto almejava, entregue a ela por capricho do destino, sem pedir nada em troca. Ela olhou para Evangeline com admiração, vendo-a como um ídolo a ser seguido, alguém que acreditou em seu potencial e lhe ofereceu um futuro.
— Não! Eu não vou recuar! Mesmo que você me mate aqui, não irei falhar com minha convecções. Ninguém… ninguém antes acreditou em mim, ninguém me deu a oportunidade de me tornar forte, apenas minha mestra me ofereceu um caminho, e apenas ela pode ditar o que essa maga insignificante pode fazer! Não irei aceitar seu sermão! Nem mesmo seu desprezo! Irei me fortalecer e mesmo que não me ofereça de bom grado seu poder…
— Irei arrancá-lo a força!
Isabel grita, reverberando em todo o local, recusando-se a acreditar nas palavras da Lacraia Anciã. Mesmo presa nas garras de sua pressão assassina, ela se fortalecerá e obterá a habilidade que o monstro possui, recusando a entregar por tanto desprezá-la.
— Oh…?
A Lacraia revela um tom de interesse diante da declaração de Isabel, dissipando sua aura de sede de sangue. A pequena garota desaba no chão em busca de ar, enquanto acaricia seu pescoço.
A Lacraia Anciã se afasta de Isabel, impondo um ultimato à menina.
— Sua língua afiada atiçou um interesse nesta Rainha, humana. Então eu lhe digo… Se em três anos não se fortalecer como a majin que me derrotou, em vez de você se apossar de meu poder, será esta Rainha que assumirá seu corpo! — A ameaça do monstro é intensa, sua presença é opressiva e parece multiplicar a pressão anterior exercida sobre Isabel.
Todavia, em meio a essa ameaça iminente, um sorriso convicto se desenha no rosto da garota, agradecendo pela lição aprendida e por ter seus olhos abertos para algo importante.
— Obrigada…
Apesar dos insultos e das dores infligidas pela Lacraia Anciã, Isabel sente gratidão pelo monstro. Se não fosse por essa criatura, ela não teria reencontrado sua antiga convicção, sua força interior.
— Tsk…! — A lacraia simplesmente ignora a expressão de gratidão e desaparece nas sombras, como se fosse feita apenas de fumaça que se dissipa rapidamente.
Ao abrir os olhos novamente, Isabel testemunha a luta entre Lukas e o Lobo da Noite. A dinâmica da batalha é impressionante, cada movimento é ágil e intenso. Isabel se sente revitalizada, um novo fogo queimando em seu peito. Ela percebe que, mesmo diante de adversidades, a força de vontade e a determinação podem ser sua maior arma neste mundo.