Eu me senti estranho. Não porque estava simpatizando com ela meses depois, nem porque me arrependia de ter usado minha maça na época ou algo assim. Mas me senti de alguma forma desconfortável e sufocado.
— Você não parece bem. Você conhece essa criança? — perguntou Amelia.
Balancei a cabeça e perguntei sobre algo que estava em minha mente. — O que acontece com essas crianças quando se tornam adultas?
— Elas se tornam aventureiras.
— Não há outras opções? Como trabalhar no castelo ou algo assim?
— Isso é impossível. Essas crianças prometeram trabalhar sob o comando do lorde do castelo desde o início.
— Prometeram?
— Em troca de o castelo criá-las, fazem o que lhes é ordenado.
Eu estava estupefato. — Deixar todo o trabalho braçal e usá-las como isca enquanto saqueiam é criá-las?
— Crianças que sobrevivem ao inferno crescem fortes.
Assim que ouvi isso, palavras que o chefe da tribo uma vez disse me vieram à mente.
— Você deve saber que os únicos guerreiros que se tornam fortes são aqueles que conseguem sobreviver.
O contexto era similar… o labirinto era um ambiente estruturado de forma que as pessoas não tinham escolha a não ser se tornarem fortes para sobreviver. O lorde do castelo deliberadamente colocava essas crianças nesse ambiente.
— Ainda assim, além de quando são jovens e servem como isca, a taxa de mortalidade melhora depois disso. O mesmo vale para o tratamento da criança na equipe designada — continuou Amelia. Depois de sobreviverem por cerca de três anos como isca, elas eram reconhecidas por suas contribuições e começavam a aprender a usar armas. Além disso, aparentemente, recebiam essências não reclamadas durante as caçadas. — Crianças que passam por esse estilo de vida se tornam lutadores úteis assim que se tornam adultos.
— E se quiserem desistir quando se tornarem adultos?
— Isso não acontece. Elas começam a receber educação ideológica constante desde jovens. Quando se tornam adultas, são servas mais leais ao lorde do que qualquer um.
— Mas e se ainda assim voltarem à razão e quiserem desistir?
Amelia franziu a testa com minha persistência e depois disse — O castelo começa a fazer correções. Para torná-los leais novamente. — Fiquei sem palavras. — Não se preocupe muito. Nenhuma criança vai trabalhar sob o comando do lorde do castelo sem saber disso.
A conversa terminou ali, mas minha mente continuava a trabalhar. Que tipo de vida o jogador que entrou no corpo de Jencia Nephrin teve que levar? Bem, talvez não tenha sido tão ruim. Eles não matavam espíritos malignos sem misericórdia em Noark.
“Ainda assim, eles não os deixariam vagar livremente.”
Do ponto de vista do lorde do castelo, o espírito maligno teria possuído o corpo de um indivíduo de alto desempenho que ele havia cultivado com essências restantes por vários anos. Quem quer que fosse o espírito maligno, o lorde do castelo faria com que a mulher agora conhecida como Jencia continuasse a viver a mesma vida que a original, mesmo que isso exigisse correção um pouco mais forte do que o usual.
“De qualquer forma, quer sua identidade fosse exposta ou não, ela teria que começar a saquear desde o início. Então, tratar todos como NPCs em vez de pessoas poderia ter sido um mecanismo de defesa… Espere, por que estou me preocupando com isso? Pare de pensar.”
Interrompi meu pensamento ali. Não importava para mim em que ambiente aquele jogador teve que sobreviver. Aquela mulher tentou me matar.
“Sim, então… Eu apenas fiz o que tinha que fazer. É só isso.”
Ufa, expor isso assim fez meu peito se sentir menos apertado.
— O que você está fazendo, Amelia? Vamos. Precisamos fazer nosso trabalho.
— Por que… seus humores oscilam tanto?
— Sou um bárbaro!
Sacudindo qualquer emoção desagradável, continuei pescando saqueadores usando a habilidade secreta Trazer o Mal a Tona1. Mais alguns dias se passaram assim. Eu estava separando o equipamento de outra equipe de saqueadores como de costume quando…
— Oh, outro anel de subespaço.
Brrrr…
— Huh? — No momento em que olhei para cima confuso, o chão sob mim começou a tremer como se houvesse um terremoto. Para ser honesto, fiquei chocado. Não considerei por um momento que algo assim poderia acontecer.
Booom!
Uma Fenda havia aparecido no terceiro andar.
O fato de uma Fenda ter se aberto no andar em que estávamos era um pouco repentino, mas não algo particularmente surpreendente. Era algo que poderia acontecer durante qualquer expedição. O problema era, por que agora?
Não entramos no labirinto para embarcar em uma expedição normal. Também não havia essências para mim na Fenda do terceiro andar. Além disso, meus slots de essência já estavam cheios, então seria impossível para mim absorver outra, a menos que apagasse a essência do Golem Cadáver.
‘E o Item Numerado e a Pedra da Fenda?’ Você pode se perguntar… Esses não poderiam ser trazidos conosco vinte anos no futuro de qualquer maneira.
“Bem, o dinheiro de uma Fenda seria útil para sobreviver aqui, mas… Pare de se antecipar e verifique primeiro.”
Cortei rapidamente meu monólogo interno. Ter uma Fenda aberta no seu andar e conseguir entrar a tempo eram duas coisas separadas.
— Amelia, a localização.
Guias talentosos poderiam determinar a localização de uma Fenda uma vez que fosse gerada. Então, onde essa Fenda se formou? Se o portal mais próximo estivesse a várias horas de distância correndo, não conseguiríamos entrar de qualquer maneira, então não valeria a pena se preocupar.
— Cinco minutos ao norte.
“O quê…? Está bem debaixo do nosso nariz. Você deveria ter dito isso antes.”
Na última vez que uma Fenda se formou no quinto andar, estava localizada em um distrito completamente diferente, então minha equipe e eu tivemos que admitir a derrota.
— O que você está fazendo?! Vamos! — gritei com entusiasmo e intenção de começar a correr imediatamente.
— Você quer entrar? — Amelia perguntou friamente.
“Hum, obviamente. Se você pode entrar em uma Fenda, é sempre melhor fazê-lo. Essências, itens e o que quer que seja são sempre uma vitória, e há pontos de experiência que você só pode adquirir em Fendas específicas… Não, espera.”
— Amelia, você já esteve dentro da Fenda do terceiro andar?
— Uma vez.
Então ela já havia devorado os pontos de experiência aqui. Não é de se admirar que ela não tenha entusiasmo.
— Eu não! Então vamos!
Silêncio.
— Já praticamente conseguimos ganhar o favor do lorde do castelo! Isso não vai mudar só porque não trouxermos um pouco mais de loot!
— Mas se algo der errado na Fenda…
— Não vai! E somos camaradas! Me ajude desta vez! Vou só coletar as conquistas e sair!
Depois de um momento de silêncio, Amelia suspirou. — …Tudo bem, siga-me. — Ela começou a liderar o caminho.
Eu tinha certeza de que ela não mudou de ideia por causa da palavra ‘camarada’. Provavelmente julgou que era melhor lidar com alguns dias de aborrecimento do que ter um desentendimento com seu colaborador. Ela era uma mulher que valorizava a racionalidade acima de tudo.
“Ela surpreendentemente se adapta bem aos bárbaros.”
Como ela era do tipo emocionalmente fria, a súplica ingênua de um bárbaro funcionava bem com Amelia. Para essa mulher, faria mais sentido simplesmente fazer isso por mim do que continuar sendo incomodada nos próximos dias.
Hush.
De qualquer forma, enquanto corríamos, o portal apareceu à vista.
— Yandel, pense nisso uma última vez…
Pensar no quê?
— Behelahhh!
Joguei-me nele sem hesitação.
Flash!
Quando abri os olhos, estávamos dentro de um templo branco puro. O teto era alto o suficiente para eu saltar à vontade. Colunas de mármore branco e cem estátuas de pedra corriam ao longo da parede.
“Como não há ninguém aqui, acho que entramos primeiro.”
Depois de confirmar que não havia outros aventureiros ainda, olhei ao redor lentamente. Em vez de ser uma tentativa de descobrir onde eu estava, isso era pura curiosidade. Isso porque havia apenas uma Fenda no terceiro andar. Este era o Templo das Cem Cores2, um templo que carregava cem cores. Também era um lugar que você tinha que visitar pelo menos uma vez durante um jogo, porque o suprimento de EXP aqui era enorme.
— Yandel, você conhece este lugar?
— Até certo ponto.
— Então não há necessidade de eu explicar.
O Templo das Cem Cores tinha três características principais. Primeiro, monstros de elite que não apareciam em áreas normais, como Golems Cadáver, surgiam. Não importa o que você derrubasse, você conseguiria pontos por primeiras mortes, desde que fosse sua primeira vez aqui. Segundo, não era um raid cooperativo como as Fendas normais. Quem entrava tinha que competir entre si, e apenas uma equipe podia entrar na sala do chefe. Se a equipe que entrou primeiro falhasse, outra equipe teria uma chance.
Oh, mas isso não significava que Amelia e eu teríamos que competir com as outras equipes por conta própria. A terceira característica: quando uma Fenda era criada, um total de cinco portais se abriam naquele andar, e aqueles que entravam pelo mesmo portal formavam uma equipe de cinco. Esse sempre foi o aspecto mais desafiador de jogar o jogo. Isso era óbvio. O que acontecia se você encontrasse uma Fenda enquanto trabalhava como uma equipe de cinco pessoas, apenas para descobrir que duas pessoas já estavam lá dentro?
Bem, dois personagens da sua equipe ficariam para trás, assim como com essa equipe de aventureiros que acabaram de entrar.
— …Huh?
— Droga, alguém já estava aqui dentro.
O portal no ar cuspiu mais três aventureiros e fechou. Parecia que seus companheiros de equipe tinham ficado do lado de fora.
— Oh não! Lemud e Hans não conseguiram entrar!
“Ah, legal.”
— Calma! Eles podem estar separados de nós, mas Lemud e Hans devem conseguir se segurar no terceiro andar sem nós! — Logo, o espadachim humano terminou de acalmar seus camaradas em pânico e se aproximou de nós. — Prazer em conhecê-los. Vocês dois vieram juntos?
— Sim, e daí?
O homem riu amigavelmente, apesar da resposta curta da Amelia. — Haha, estaremos juntos pelos próximos momentos. Como é o destino que nos encontramos assim, vamos nos apresentar primeiro. Sou Carlton Drek.
— Emily.
— Bjon.
Quando Amelia e eu revelamos nossos pseudônimos, Carlton cautelosamente me fez uma pergunta.
— Bjon, você é um bárbaro?
Era natural que ele estivesse se perguntando. Afinal, eu estava em uma armadura completa de metal agora. Como eu estava coberto de ferro da cabeça aos pés, ninguém podia verificar se eu tinha as tatuagens de um bárbaro ou não.
— De que isso lhe importa? — perguntei teimosamente.
Carlton recuou e pediu desculpas. — Desculpe. Eu estava apenas curioso, mas vejo como isso poderia soar rude para você.
“Parece que ele acha que eu sou apenas um humano grande. Justo. São principalmente pessoas de mente estreita que reagem de forma sensível a perguntas triviais como essa.”
De qualquer forma, depois de revelarmos nossos nomes, um elfo que estava na parte de trás do grupo chamou Carlton. — Carlton, venha aqui um segundo?
“Não consigo ouvi-los.”
Eles sussurraram algo um para o outro. Parecia que estavam discutindo algo.
— Eles estão nos chamando de suspeitos.
— Huh?
— Posso ouvir o que estão dizendo, desde que seja a distâncias como esta. Sem magia, é claro.
— …Entendi?
Então ela tinha boa audição. Nunca soube disso. Devo tomar cuidado para não sussurrar nem mesmo perto dela.
— Então o que estão dizendo? Eles parecem sérios.
O conteúdo da conversa interceptada por Amelia foi o seguinte:
O elfo apontou nossas peculiaridades. — Eles só revelaram seus primeiros nomes. Além disso, há o fato de que há apenas dois deles no terceiro andar no décimo terceiro dia. Eles podem ser saqueadores. Um deles até cobre o rosto.
— Sim, mas não há outra maneira. — Carlton respondeu. — Não podemos simplesmente apunhalá-los pelas costas porque são suspeitos. Vamos segurar nossa mão e descobrir que tipo de pessoas eles são enquanto avançamos.
Parecia que a discussão terminou nesse ponto.
— Ah! Desculpe! Meu amigo estava preocupado com os companheiros de equipe que deixamos para trás. — Carlton riu de forma amistosa e se aproximou de nós. Em seguida, revelou os nomes dos outros dois e deu a eles a chance de se apresentarem.
— Agora, este homem da tribo dos elfos é…
— Pare, eu mesmo faço isso. Sou Eimbern Berta Garcia. Como pode ver, sou especializado em arco e flecha. — Eimbern terminou sua introdução revelando brevemente seu nome e arma principal. Parecia que ele não queria nos dar mais informações do que isso.
De qualquer forma, o próximo era o guerreiro bárbaro.
— Hahaha! Prazer em conhecê-los pessoal! — Como o bárbaro que era, o guerreiro tinha sido deixado de fora da conversa sussurrada de seus dois camaradas e se aproximou de nós com um sorriso brilhante. Em seguida, sem se incomodar em manter sua guarda alta, ele se apresentou. — Eu sou Yandel, terceiro filho de Jarku!
— …O quê?
Minha mente ficou em branco assim que ouvi isso. Se eu não ouvi errado…
— Ah, é um pouco difícil para humanos? Apenas me chame de Yandel Jarku!
…Isso significava que ele era meu pai biológico.
- Isso é só o protagonista inventando nome pras coisas, não é uma habilidade real.[↩]
- A fenda do 3º andar já foi mencionada uma vez no passado, porém, com o nome de Templo Branco. A forma que Bjorn fala neste capítulo dá a entender a existência de apenas uma fenda no terceiro andar, então creio que houve mudança de ideia por parte do autor de como chamar este local.[↩]
