Em uma caverna repleta de cadáveres, um velho caminhou lentamente até o centro da câmara e passou a mão sobre o monumento ali.
【O Último Grande Sábio, Diplan Groundel Gabrielius.】
【Em honra ao seu primeiro grande passo.】
O monumento havia sido erguido para comemorar as conquistas de um grande herói de tempos passados.
— …Está quase pronto — murmurou o velho enquanto retirava a mão. Ele tirou um livro do bolso.
Fwooo!
O livro flutuou no ar, desafiando a gravidade enquanto suas páginas se abriam e giravam uma a uma. Por fim, a última página de O Livro Completo dos Lordes I se revelou.
E assim o Peregrino manchou sua fé ao sucumbir ao medo que tomou seu coração. Fugindo por sua vida, ele finalmente encontrou seu fim, onde descobriu que havia fugido de um medo para cair nas garras de outro ainda maior: o medo de não ter mais ninguém ao seu lado.
O medo da solidão engoliu o Peregrino desprevenido. Foi um horror do qual nenhuma pessoa poderia escapar, um que destruía corpo e alma ao transformar a raiva e o ódio para dentro de si. Nem mesmo a Deusa Mãe poderia salvar o Peregrino agora.
Quando a alma do Peregrino foi extinta, um novo poder e autoridade começaram a possuí-lo, imbuindo o outrora mortal com uma energia violenta e amaldiçoada.
Assim nasceu aquele que espalha o terror e despreza a fé: Dreadfear, o Lorde do Terror.
Thud.
O livro se fechou com um estalo, um velho conto enterrado nos anais da história, não mais lembrado.
— Eu… só preciso esfaquear uma pessoa…?
A pergunta de Versyl tirou o fôlego de mim. Eu queria gritar com ela, exigir saber por que ela sequer pensaria em algo assim, mas meu corpo ainda estava congelado, incapaz de emitir o menor som.
— Claro — respondeu o homem com um sorriso largo — apenas uma pessoa. Contanto que você mate um deles, o império a aceitará de volta.
Depois de uma breve hesitação, Versyl falou, sua voz tremendo. Achei que ela tentaria aliviar sua culpa pedindo desculpas a nós, mas em vez disso, o que ela disse foi completamente inesperado. — Agora eu tenho certeza. Sr. Yandel… você está duvidando de mim desde o começo, não é?
“Dúvida? Não, o que diabos ela está…?”
— Parece que tenho outra habilidade além de esconder minha presença e curar feridas… Não sei exatamente de qual monstro é a habilidade, mas posso sentir suas emoções em relação a mim com clareza.
“Droga, não posso acreditar que ela tinha algo assim.”
— A Srta. Tersia também… você sente o mesmo. Você duvidou de mim e realmente pensou em me matar quando ele fez a oferta. Embora tenha decidido não fazê-lo, não tomou essa decisão porque confia em mim.
Erwen não respondeu, por razões óbvias.
— Claro, a Srta. Fenelin foi a única que não nutria dúvidas ou suspeitas em relação a mim.
Quanto mais Versyl falava, mais rápido meu coração batia. Estávamos condenados. Eu não podia pará-la. Eu nem podia tentar dissuadi-la porque meu corpo estava congelado, e eu não conseguia dizer uma palavra.
Ba-dum!
Eu havia realmente atingido um novo nível de desespero, um que superava o tipo que senti quando Dreadfear mostrou a capacidade de usar aura e um atordoamento em área.
— Mas entendo por que vocês se sentiriam assim. Faz sentido que seja mais difícil confiar em mim, já que não me conhecem há tanto tempo quanto conhecem os outros. — A mão de Versyl de repente parou de tremer ao segurar a adaga. — …Por isso decidi fazer isso. Se eu não fizer, outra pessoa o fará primeiro.
“Merda!”
Fechei os olhos. Mesmo assim, nunca parei de tentar pensar em maneiras de sair dessa. O que eu poderia fazer para evitar esse desastre? Tinha que haver algo.
No entanto, por mais que eu tentasse, não conseguia pensar em uma única coisa. Mesmo quando não consegui me levantar, mesmo quando meu equipamento, essências e atributos foram tirados de mim, nunca perdi a esperança. Eu estava convencido de que haveria uma maneira de matar o monstro chefe e sair desse lugar vivo.
Mas não mais.
“Merda!”
Isso era injusto. Era completamente irracional. Não era como se eu estivesse morrendo porque era mais fraco que um monstro, cometera um grande erro ou não cumprira uma tarefa dentro do tempo estipulado.
— Esfaqueie um peregrino. Cubra sua adaga com o sangue imundo deles para provar sua pureza.
Será que um de nós realmente tinha que morrer assim? Sem sequer uma oportunidade de dissuadi-la?
Versyl deu um passo mais perto de onde eu estava sendo forçado a me ajoelhar, depois se abaixou para que ficássemos olho no olho, me dando uma visão clara de sua expressão.
— Sr. Yandel… — Ela parecia estar à beira das lágrimas. — Nesse ritmo, vamos falhar, não é?
Então, no fim, parecia que ela estava escolhendo me esfaquear. Como não havia maneira de todos nós sairmos vivos, ela deve ter decidido escapar sozinha. Ela apertou o punho ao redor da adaga enquanto eu fechei meus olhos com força.
— Então isso garantirá que não morramos todos.
Fui surpreendido pela sensação de uma mão suave acariciando gentilmente minha bochecha.
“…O quê?”
Quando abri os olhos, vi Versyl apontando a adaga para o próprio pescoço. Ela a segurava em um ângulo em que Dreadfear não poderia vê-la de trás. — Cometi as escolhas erradas muitas vezes.
“Não, espere um minuto.”
— Mas agora, essa é a escolha óbvia a se fazer. Qualquer um de vocês teria tomado a mesma decisão eventualmente. Eu só fui inteligente o suficiente para pensar nisso primeiro.
Tentei abrir a boca para detê-la, mas ainda não conseguia me mover.
— Considerei todas as outras opções que pude imaginar, mas nenhuma delas terminaria bem para nós. — Ela levantou a mão da minha bochecha. — Não vou cometer o mesmo erro de novo.
Não, tudo o que ela precisava fazer era esperar. Ela não precisava fazer nada. Nós nos recusarmos a tirar uma vida pode ser a chave para sair dessa vivos. Por que ela chegou a uma conclusão como essa? Eu não entendia sua lógica.
— Eu te disse. Se eu não fizer primeiro, outra pessoa fará.
De repente, tudo se encaixou com essa única frase.
— Mas, sabe, acho que essa é uma situação em que nenhum de nós pode realmente trair o outro.
Stab!
No fim, fomos nós que a empurramos para o sacrifício.
【O primeiro Peregrino morreu.】
【Todos os atributos dos Peregrinos sobreviventes aumentaram em +400】
Thud.
O corpo dela cedeu e caiu no chão frio e duro. Tudo o que pude fazer foi olhar para ela enquanto o cavaleiro atrás dela zombava. — …Que mulher tola.
Todo o sangue do meu corpo subiu à cabeça, me deixando atordoado. Senti como se o menor toque me faria explodir e gritar a plenos pulmões.
“Ela realmente…”
Ela estava morta?
Eu me sentia como se tivesse bebido até passar mal, e o conteúdo do meu estômago estivesse subindo pela minha garganta.
Beeeeee…
Sua voz cortou o zumbido nos meus ouvidos enquanto uma névoa negra começava a emanar de seu corpo. — Vou te dar uma última chance.
【O Capitão Branco, Dreadfear, lançou Hora da Execução.】
【O nível de Medo do alvo aumenta significativamente.】
Essa habilidade tinha um efeito semelhante ao de 【Sede de Sangue】. Ela paralisava seu senso de razão, impossibilitando manter a cabeça fria. Seu corpo sentia o perigo se aproximando e reagia de acordo, entrando em pânico. A vontade de fugir o mais longe possível inundava meus sentidos.
— Fuja — alguém continuava sussurrando no meu ouvido.
Mas então, de repente, um pensamento veio à mente.
— Pegue.
E se Versyl tivesse feito uma escolha diferente? Nesse estado, teria sido possível que todos nós tivéssemos plena fé uns nos outros e recusássemos pegar aquela adaga?
“Talvez.”
Mas ela deve ter tomado a decisão que tomou porque estava preocupada com o que viria a seguir. Como a jogadora de Dungeon and Stone que ela era, a primeira coisa que ela fez foi tentar entender as intenções do designer para este nível.
Tec.
O sangue dela começava a se acumular no chão.
Zeeeeee!
No momento em que o sangue dela entrou em contato com a estátua, toda a caverna começou a tremer como se uma Fenda estivesse se abrindo.
【Uma presença misteriosa abraçou a alma do nobre Peregrino.】
【O altar foi ativado.】
Brrrrm!
Um aglomerado de luzes apareceu na estátua de pedra no centro.
【A Luz da Fé expulsou o terror interior.】
No mesmo instante, a habilidade que estava restringindo nossos corpos, desapareceu.
Tromp.
Levantei-me imediatamente e agarrei minha arma. O cavaleiro olhou diretamente para nós, visivelmente irritado, mas completamente despreocupado. — Acham que isso muda alguma coisa?
Eu não sabia, pelo menos ainda não. Mas havia uma coisa de que eu tinha certeza: havíamos, pelo menos, superado a primeira fase.
“Que outras habilidades ele tem?”
Era nojento o quão poderoso ele era. Tudo o que ele precisava fazer era dizer ‘Acredite em mim’, e de repente confiávamos nele quando afirmava que nos deixaria viver se apenas matássemos uns aos outros. Deveria haver um limite para o quão poderoso um personagem poderia ser.
— Ainda não é tarde demais para vocês. Mas a única maneira de sair vivos desta caverna é provando sua inocência.
Do que ele estava falando? Quem ainda acreditaria nele depois de tudo isso?
— Senhor, recuperei minha força, pelo menos em certa medida.
Sério? Felizmente, parecia que eu não era o único que recebeu um buff.
— Ainar, pegue a Versyl.
— …Certo. — Ainar rapidamente pegou Versyl sem a menor reclamação.
Ao ver isso, o cavaleiro rapidamente encurtou a distância entre nós, brandindo sua espada.
Fwoosh.
Foi um golpe rápido e forte, muito superior a qualquer ataque feito pelos soldados que encontramos no caminho até aqui. No entanto, talvez porque nosso poder tenha retornado de alguma forma agora que o altar foi ativado, não foi difícil rastrear a trajetória do golpe.
“Nossas pernas…?”
Ele não estava mirando em nossos corações ou pescoços, então ele ainda devia estar planejando continuar seu jogo de dilema do prisioneiro.
Tap!
Em vez de tentar bloquear sua aura com meu escudo, saltei alto no ar para evitar sua espada e então balancei minha maça em sua cabeça. Ele não conseguiu desviar, provavelmente porque não esperava que eu o atacasse em primeiro lugar.
Whack!
No entanto, esse cara era um bastardo resistente. Como eu esperava, não havia chance de derrotá-lo tão facilmente. A única razão pela qual consegui acertá-lo foi porque ele estava sendo descuidado e não nos levava a sério.
“Ainda não…”
Lutando contra o desejo de matá-lo ali mesmo, gritei — O que estão fazendo? Corram!
Ainda não podíamos enfrentá-lo. Felizmente, graças ao aumento significativo dos nossos atributos, os soldados ao nosso redor não eram mais um problema.
— Raaah! — Ainar avançou como um rinoceronte, derrubando os soldados como pinos de boliche. Corri rapidamente atrás dela e saímos da caverna central.
— Saiam da frente! — O cavaleiro parecia ter se recuperado do golpe na cabeça que dei nele, pois agora estava correndo atrás de nós. Com aquela velocidade…
“…Ele é um pouco mais rápido que nós.”
Nesse ritmo, ele certamente nos alcançaria. Algo precisava ser feito.
Corremos com todas as nossas forças enquanto eu quebrava a cabeça. Por que nossos atributos aumentaram de repente? Foi um buff pela ativação do altar? Ou talvez houvesse outra condição?
“Mais importante, qual é a condição para passar deste evento?”
Era um jogo de esconde-esconde? Talvez se continuássemos fugindo dele, nossos atributos aumentariam com o tempo e eventualmente seríamos fortes o suficiente para derrotá-lo.
Eu não podia ter certeza de nada agora, mas pelo menos podia estabelecer uma meta de curto prazo.
— …P-Para onde estamos indo?
— Para fora da caverna.
Nosso primeiro objetivo seria sair, caso ativar o altar e escapar da caverna fosse a condição de vitória.
As coisas nunca são tão simples ou fáceis.
— …Senhor, não podemos continuar correndo assim.
Era apenas uma questão de tempo até que ele nos alcançasse. Ainar e Erwen se revezaram oferecendo suas opiniões.
— Bjorn, vamos lutar contra ele. Temos que vingar a maga!
— Não. Nós três não somos fortes o suficiente para derrotá-lo. Vou ficar para trás e despistá-lo.
Enfrentá-lo de frente ou deixar um de nós para trás como isca… não eram opções terríveis. — …Tudo bem — concordei. — Vou ficar para trás e distraí-lo, então.
— Não — Erwen retrucou. — Eu tenho que ser a pessoa a fazer isso porque sou a única capaz de encontrar vocês de novo… na verdade, recebi uma habilidade quando chegamos aqui.
— Habilidade?
— Posso sentir onde todos estão. Eu não sabia exatamente o que estava sentindo até nos encontrarmos no centro, mas agora que sei, serei capaz de encontrar vocês dois mesmo após nos separarmos…
Isso era como alguns exploradores que tinham a habilidade de sentir a localização do portal? Se fosse, então fazia sentido ela ser a pessoa a atraí-lo e nos encontrar mais tarde.
— Confie em mim. Sou a pessoa certa para o trabalho.
O que eu deveria fazer? Esse era realmente o melhor plano? Como sempre, eu só tinha um segundo para tomar uma decisão. — …Não se machuque.
Apesar de ouvir minhas ordens, Erwen não disse nada em resposta. Ela simplesmente diminuiu a velocidade, nos mandando embora com um sorriso tranquilizador no rosto.
Huff… Huff…
Fiz o meu melhor para controlar minha respiração pesada a cada passo que dava. Já fazia cerca de duas horas desde que a Erwen se separou do grupo.
“Estamos na metade do caminho…”
Demorei oito horas para chegar ao centro da caverna quando o evento começou, mas agora, conseguimos cobrir metade da distância em apenas duas horas.
“Acho que estou com cerca de um terço da minha força usual…”
Isso era apenas em termos de atributos brutos, é claro. Essa estimativa não levava em conta o fato de que eu não tinha minhas essências usuais à disposição para lutar contra esse cara.
“O verdadeiro problema é… nossos atributos não mostraram sinais de aumentar ainda mais.”
Sem saber se aquele aumento anterior foi apenas uma coisa única, Ainar e eu continuamos correndo em direção à entrada da caverna o mais rápido que podíamos. Algum tempo depois, um pensamento que eu estava tentando suprimir por horas surgiu na minha mente.
“Erwen… Quando ela vai nos alcançar? Já faz um tempo. Algo deu errado?”
Assim que a ansiedade começou a subir pela minha espinha, outra sensação de repente inundou meus sentidos.
Foi outro aumento de atributos.
- SMCarvalho: …puts, eu sei que eu sempre disse isso e aquilo da Erwen, mas eu não queria que ela morresse[↩]