Dada a variedade de habilidades disponíveis no jogo, algumas naturalmente tinham temas de ‘prever o futuro’. O principal exemplo era 【Mãos do Relógio do Arrependimento】, uma habilidade de primeiro nível que podia ser encontrada no nono andar. O funcionamento era simples. Quando um companheiro de equipe morria, o texto “Memórias de arrependimento voltam no tempo” aparecia na tela, e você era enviado de volta no tempo até o momento decisivo, logo antes da morte acontecer.1
Chamar isso de uma habilidade de precognição não fazia jus ao que ela realmente era, pois fazia muito mais do que apenas permitir ver o futuro, mas mesmo que pudesse parecer extremamente poderosa, também tinha desvantagens óbvias. Para começar, ela só seria ativada se você e o alvo estivessem conectados por um feitiço de Vínculo. Além disso, a habilidade tinha um tempo de recarga de meses… e isso em meses na cidade, não no labirinto. Não só isso, mas ela só podia ser usada no máximo três vezes e nunca em si mesmo.
“Claramente, não é essa habilidade.”
Ainar e eu não estávamos conectados por Vínculo, ou teríamos aparecido no mesmo lugar quando chegamos aqui, e com base no que ela acabou de dizer, ela já havia usado sua habilidade pelo menos duas vezes. Então, não poderia ser 【Mãos do Relógio do Arrependimento】.
“O próximo candidato mais plausível é… Sim, deve ser essa.”
Não demorou muito para reduzir as opções ao próximo competidor viável: 【Profeta da Desgraça】. Era uma habilidade rara de sexto nível, difícil de adquirir, e, quando ativada, uma caixa de texto aparecia mostrando aleatoriamente informações sobre o futuro. Por exemplo:
【Uma visão de desgraça apareceu diante do Profeta.】
【Em um futuro não muito distante, Bjorn Yandel perderá sua vida para o Capitão Branco, Dreadfear.】
【Não fique complacente só porque ele não está à vista, pois ele nunca vai parar de te perseguir.】
Eu pessoalmente classificava essa habilidade como uma do tipo coleta de informações. Eu a usava com frequência para coletar informações no meio do jogo, já que era ótima para revelar armadilhas e dizer que tipos de monstros estavam à frente ao entrar em territórios desconhecidos.
“Mas deve funcionar de forma diferente na vida real.”
O que era apenas algumas linhas de texto no jogo estava sendo visto pelos olhos de alguém.
Huff… Huff…
— …Ainar, você me viu morrer?
Mais uma vez, ela não me respondeu, mas o modo como estremeceu falou por si só.
“Então é por isso que ela não está parando…”
Eu mantive a boca fechada. Não importa o que eu dissesse a essa altura, não mudaria a decisão dela. Havia pouco que eu pudesse fazer.
— Esquerda.
Bem, eu podia dar direções enquanto ela me carregava nas costas.
Rrrrr.
Eu também podia apertar os dentes. Era a única parte de mim que eu podia mover.
— Behelaaah!
Fora isso, eu só podia ficar ali, impotente e mole nas costas de Ainar, enquanto ela avançava pelos soldados sem nem mesmo um escudo para se proteger.
Stab!
Uma flecha se cravou em sua perna.
— Morra!
Sua pele foi rasgada por lanças e espadas.
E durante todo o tempo, tudo o que eu podia fazer era assistir.
— P-Peguem ela! Essa é nossa chance…!
— Ahhh!
— …Q-Que força!
Ainar finalmente parou após outra investida desesperada. Ainda não havíamos chegado à saída, longe disso, mas ela não podia mais correr. Em vez disso, ela me colocou no chão e se preparou para me proteger.
Thud.
Seus ferimentos se acumularam a cada grupo de soldados que encontramos, e ela finalmente começou a desacelerar demais para fugir deles. Os soldados que estavam na nossa cola finalmente conseguiram nos alcançar, e agora estavam quase em cima de nós. Ainar soltou um suspiro e pegou sua arma.
— Não… se preocupe.
Com isso, ela investiu como um touro contra os soldados, enquanto eu estava lá, encostado na parede, incapaz de desviar o olhar.
Um, dois, três, quatro, cinco, seis…
Depois do sétimo soldado morto, um machado se alojou em seu braço.
Treze, quatorze, quinze, dezesseis, dezessete…
Quando ela matou o décimo oitavo soldado, uma lança se cravou em sua clavícula.
Quarenta e três, quarenta e quatro, quarenta e cinco…
Quando o quadragésimo sexto caiu, uma flecha atravessou seu olho esquerdo.
Setenta e um, setenta e dois, setenta e três…
Com o passar do tempo, os corpos no chão continuaram a se acumular, até que…
Cem.
Um silêncio momentâneo caiu sobre a caverna. Ela tinha flechas cravadas em cada parte do seu corpo e sangue jorrando de seus ferimentos. No entanto, ela ainda estava de pé, uma parede inabalável e intransponível no caminho dos soldados.
O silêncio não durou muito.
Os soldados correram novamente em sua direção, com armas erguidas. — Ela também está cansando! Não recuem!
No centésimo trigésimo soldado, Ainar pediu desculpas para mim.
— Me desculpe… Meu corpo não…
Então, ela desabou sobre mim como uma marionete sem cordas.
Cof! Khh!
Ela não deveria estar soando assim, foi tudo o que consegui pensar. Esses sons não deveriam estar saindo da boca da minha companheira de equipe.
Era como se eu estivesse preso em um pesadelo. Minha mente estava em branco. Meus ouvidos zumbiam. Eu queria vomitar.
Cof! Khh!
E o tempo todo, aqueles ruídos horríveis não paravam. Eu estava preso no meu próprio corpo, impotente para fazer qualquer coisa além de assistir ela morrer lentamente em cima de mim.
Plof.
Então, de repente, as pontas dos meus dedos se mexeram e eu finalmente consegui me mover de novo.
【Sua saúde atingiu 30 por cento.】
【Efeito de status Paralisia foi removido.】
Minha mão se lançou, agarrando a primeira arma que toquei. Empurrando o corpo inerte da Ainar para o lado, me levantei cambaleando.
Fwoosh!
Eu balancei minha arma. Os soldados recuaram instintivamente, claramente pegos de surpresa. Aproveitei a hesitação deles para erguer Ainar nas minhas costas e comecei a correr imediatamente, carregando Ainar do mesmo jeito que ela tinha me carregado.
— Ahhhhhh!
Corri pela caverna, atravessando qualquer soldado que aparecesse em nosso caminho.
— P-Parem eles!
Eles usaram todas as armas à disposição para me parar. A cada passo que eu dava, ferimentos grandes e pequenos se acumulavam no meu corpo. No entanto, eu não parava para bloquear ou evitar os ataques. Sacrifiquei meu corpo para proteger o da Ainar, enquanto avançava como o tanque sem mente que eu era, sem me importar com quantos ataques vinham em minha direção ou por quanto tempo corria.
【Sua saúde caiu para menos de 15%.】
Minha saúde restaurada havia caído novamente, mas isso não me impediria.
Huff… Huff…
Em um instante de trégua em que nenhum soldado apareceu, continuei em frente e verifiquei Ainar.
— Ainar! Você está bem?! Acorde! Você não pode dormir agora! Você precisa acordar…
— B-Bjorn… — Uma voz fraca chegou ao meu ouvido. — Você tem que sobreviver…
— V-Você está viva! Eu sei que deve estar cansada, mas você não pode dormir! Só mais dez minutos. Não, oito. Só fique acordada mais oito minutos por mim! — Se ela conseguisse fazer isso, estaríamos livres. Dito isso, não havia garantia de que sair da caverna significaria completar o nível. No entanto, dado que a dificuldade de escapar dessa caverna era tão alta, havia uma grande probabilidade de que isso viesse acompanhado de algum tipo de efeito de cura.
— Você precisa…
“Você só precisa confiar em mim e aguentar mais um pouco.”
Mas antes que eu pudesse formar as palavras, Ainar murmurou — …Me solte.
O que ela estava dizendo? Provavelmente ouvi errado, já que ambos estávamos em péssimas condições, então…
— Me… solte…
Deixa pra lá, eu não ouvi errado. Fiquei furioso por ela sequer sugerir isso, mas não consegui gritar com ela, dado o estado em que estava. Não agora. Em vez disso, decidi ignorá-la. — Parece que a perda de sangue está te deixando delirante.
Ela ficou em silêncio.
— Só aguente firme. Isso é tudo que você precisa fazer.
Não sabia se o silêncio dela significava concordância ou se ela simplesmente não tinha forças para argumentar. De qualquer forma, ela não disse mais uma palavra.
“…Ela não está morta, né?”
Engoli em seco, tentando empurrar para baixo a ansiedade que subia pela minha garganta, e continuei correndo, mesmo com meu coração ameaçando parar a qualquer momento. Quando a entrada da caverna apareceu à distância, senti o cheiro de ar fresco e folhagem. A luz vazava pela abertura, iluminando o caminho à frente. Logo, a tão esperada entrada estava bem na nossa frente.
— Ainar! Ainar! Acorde! Estamos quase lá! Responda!
— …T-Tenha cuidado.
O que ela estava dizendo? Bem, pelo menos eu sabia que ela ainda estava viva. Agora só precisávamos sair daqui.
No entanto, antes que eu pudesse atravessar a entrada da caverna, derrapei e parei. Não sabia como, mas… algo estava errado. Instintivamente, estendi a mão, meus dedos encontrando algum tipo de barreira invisível.
“O que está acontecendo?”
A entrada estava completamente bloqueada.
— …Você só pode estar de sacanagem.
Se o objetivo não era escapar para fora, então qual era? Não tínhamos chance alguma de derrotar um monstro chefe com atributos absurdamente altos e habilidades poderosas em uma luta direta.
— Mas então… o que diabos deveríamos fazer…?
A esperança à qual eu me agarrava se desfez.
— B-Bjorn…
Mesmo assim, sorri para ela. — A-Ainar? Não se preocupe! Vou quebrar essa barreira e nos tirar daqui em um piscar de olhos!
Quando se enfrenta uma parede, você a destrói. Esse era o jeito bárbaro.
Slam! Slam! Slam!
Então, levantei meus punhos e os bati contra o campo de força com toda a força que tinha.
— B-Bjorn…
Infelizmente, a barreira não cedeu. Felizmente, ser um bárbaro também significava não saber quando desistir.
— P-Pare…
Punho. Pé. Cabeça. Usei tudo que pude, cada grama de força que possuía, para quebrá-la. Me lancei contra ela, joguei meu peso, bati meu ombro…
Slam!
Será que havia algo nessa coisa que a tornava imune a ataques físicos?
“Tudo bem, então vou passar para o Plano B.”
Mudei minha estratégia e mirei na parede ao lado da barreira. Não importa o quão resistente uma porta de ferro fosse, você podia simplesmente quebrar a parede de pedra ao redor dela. Isso tinha que ser o que eu precisava fazer…
— Pare…
Slam!
— Vá… Antes que ele venha…
Eu não aguentei mais.
Slam!
Bati minha testa contra a parede em um acesso de raiva. No entanto, não me fez sentir nem um pouco melhor. No fim, eu ainda estava preso dentro dessa maldita caverna, afogado em um mar de frustração e desespero.
— Estão ali…!
De repente, soldados apareceram atrás de nós. Já? Não achei que conseguiriam nos alcançar tão rápido. Em vez de pensar demais, no entanto, imediatamente me virei e avancei em direção a eles.
Whack!
Empurrei o homem na frente diretamente contra a parede antes de pegar sua arma.
E então, comecei a massacrá-los.
— …D-Demônio!
— Não parem de atacar!
— Pelo Império…!
Um, dois, três, quatro…
“Isso são cinco deles.”
Seis, sete, oito…
“…Quantos foram?”
Eu não sabia. Tive que começar de novo. Um, dois, três…
Whack, whack, whack!
Quando recobrei os sentidos, o ambiente ao meu redor estava quieto. Nem mesmo o menor dos suspiros podia ser ouvido dos corpos espalhados pelo corredor. Todos estavam mortos.
Lembrando tardiamente do que eu estava lutando tanto para proteger desde o início, me virei rapidamente.
— …Ainar. — Felizmente, quando corri para o lado dela, ela ainda estava respirando. O som, no entanto, era fraco e irregular, como se estivesse prestes a parar.
— B-Bjorn…
De alguma forma, sentindo minha presença, ela lutou para abrir os olhos.
Eu não conseguia falar.
“Tudo vai ficar bem. Não se preocupe. Estaremos em casa em breve.”
Eu deveria estar dizendo algo assim.
— Bjorn… filho de Yandel.
Mas tudo que eu conseguia fazer era olhar para ela, incapaz de formar um pensamento adequado.
Os olhos nebulosos da Ainar encontraram os meus, os cantos de sua boca se ergueram. — Meu… precioso… amigo…
Ela poderia muito bem ter cravado uma estaca enorme no meu coração. Como ela podia me chamar de amigo precioso agora, de todos os momentos?
— Você vai… se tornar… um grande… guerreiro…
A barreira dentro de mim que segurava tudo começou a desmoronar. Entre a verdade dolorosa ou uma mentira gentil, era óbvio qual você deveria oferecer a alguém em seu leito de morte.
“Amigo precioso…”
No entanto, antes mesmo que eu pudesse me impedir, minha boca se abriu sozinha e saiu uma mistura de confissão e pedido de desculpas. — E-Eu… Eu não sou…
Eu não era o verdadeiro Bjorn Yandel. Eu era apenas um espírito maligno que tomou conta do corpo dele, um daqueles mesmos espíritos malignos cujos crânios você deveria esmagar no momento em que os visse. Isso… isso era quem eu realmente era. Enquanto olhava para Ainar, seus olhos perdendo gradualmente o foco, meus lábios se moviam, formando palavras que eu mal podia ouvir.
Em algum momento, voltei a mim e tive que encarar a verdade.
Ainar não estava mais respirando. Seus olhos ainda estavam abertos, olhando para mim, mas não havia como negar.
【O terceiro Peregrino morreu.】
Ainar estava morta.2
【Os atributos do Peregrino sobrevivente aumentaram todos em +400】
Meus atributos subiram novamente, e finalmente, eu sabia o que tinha que fazer.
【Condição Especial – Laço Inquebrável foi cumprida.】
【Todos os atributos aumentaram em ×3】
【Derrote o Capitão Branco, Dreadfear.】
O objetivo desse nível secreto finalmente ficou claro para mim.