Apesar da mesa com chá finamente preparado e os petiscos sofisticados que Auyen havia comprado com a maior hospitalidade, um silêncio constrangedor preenchia o ambiente. Missha foi a primeira a quebrar o gelo.
— Esses petiscos…
— Hm?
— Esses são petiscos da Padaria Lubat… Não são ruins, mas os da Padaria Nielon são mais baratos e provavelmente mais ao seu gosto…
Por que ela estava falando sobre os petiscos de repente?
Achei isso muito estranho, mas imaginei que ela devia estar tentando puxar assunto para aliviar um pouco da tensão no ar. — Sério? Não entendo muito dessas coisas, já que é o Auyen que cuida disso. Ah, certo. Você não conhece…
— Não, eu conheço. Auyen Rockrobe… Ele é o seu navegador.
— …Sim?
Mais uma vez, a conversa foi interrompida, e o constrangimento voltou com força total.
“Ugh, por que estou tão nervoso?”
Se isso ia doer de qualquer jeito, eu poderia muito bem arrancar o esparadrapo de uma vez. Com isso resolvido, fui direto ao ponto. — Já que você veio aqui, deve ter tomado sua decisão, Missha?
— …Sim.
— Então, o que decidiu? — perguntei diretamente.
Missha hesitou por um momento antes de responder — Sua nova guilda… Eu vou me juntar a ela.
— Sério?
— Sim…
Quando ela assentiu, a tensão finalmente se dissipou dos meus ombros. Eu tinha certeza de que ela iria me recusar, dado o quanto ela estava inquieta e hesitante. Eu até já tinha me preparado para a rejeição.
— Desde que você… e seus companheiros estejam…
Eu a interrompi antes que pudesse terminar a frase. — Claro que todos vão te receber bem! Ah, certo, eu esqueci. Você e a Erwen não se despediram em bons termos, né? Tudo bem. Tenho certeza de que vocês poderão ser próximas como antes. Ela também está bem melhor agora.
— Ah… É mesmo…?
— Por que eu não as chamo para descer agora?
— H-Hã…?
— Você não teve a chance de conversar com elas da última vez. Já que todos nós vamos entrar no labirinto juntos agora, devemos nos dar bem…
Missha parecia surpresa com minha sugestão, mas acabou assentindo. Eu a deixei na sala e fui chamar Amelia e Erwen.
No entanto, uma vez que todos estávamos reunidos na sala de estar, o constrangimento sufocante voltou com tudo. Após ficarmos em silêncio por um tempo insuportável, Amelia suspirou pesadamente e olhou para mim.
“Vamos acabar ficando aqui a noite toda nesse ritmo, então ela deve ter decidido tomar a iniciativa.”
— Yandel. Espere lá em cima.
— …Hã?
— Se quer que nos demos bem, não discuta e vá logo. Você só vai atrapalhar.
Fui expulso logo de cara.
Amelia, Erwen e Missha conversaram por cerca de uma hora. Eventualmente, Amelia veio até o meu quarto e bateu na porta, dizendo que eu podia descer. Voltei correndo para a sala de estar, mas as coisas lá estavam completamente diferentes do que eu esperava.
Elas não estavam nem se dando bem, nem brigando. Mas a sala estava uma bagunça, quase como se um furacão tivesse passado por ali.
— Um… Amelia? — perguntei, perplexo. — O que aconteceu aqui?
— Depois de uma longa conversa, nós três decidimos nos dar bem daqui para frente — Amelia respondeu como se nada estivesse fora do normal.
— Ah, isso é ótimo e tudo mais, mas… não era isso que eu queria dizer. Parece que… algumas coisas estão quebradas?
— Ah, isso? Não se preocupe. Enquanto conversávamos, minha mão escorregou.
Como a mão dela escorregou tanto a ponto de destruir uma sala inteira?
Quando olhei para as outras duas, Erwen rapidamente evitou meu olhar. — …É isso mesmo. A mão dela escorregou.
Então essa era a desculpa que elas iam usar? Em seguida, olhei para Missha, mas ela ficou quieta, sem me dar uma resposta clara.
“Bem, já que ninguém está machucado, acho que está tudo bem…”
Decidi parar de questioná-las sobre a sala de estar. Eu não era tão ingênuo.
“Elas provavelmente discutiram um pouco, mas parece que tudo acabou bem.”
Embora, se tivesse que ser mais exato, diria que Missha e Erwen provavelmente ainda estavam em conflito, mas Amelia tinha concordado em mediar entre elas.
— Então… Eu vou subir primeiro. — Erwen fugiu rapidamente para o quarto dela.
Missha também se levantou. — Eu t-também… v-vou embora, então…
— Hm? Onde você vai? Por que não fica aqui? Temos muitos quartos vazios.
— B-Bem… Pensei nisso, mas acho que seria melhor se eu morasse separada… Estar aqui só deixaria as coisas mais constrangedoras… Ouvi dizer que Ainar está fazendo o mesmo…?
“Ah, é verdade. Ainar me disse que as coisas na terra sagrada estão bem interessantes ultimamente, então ela prefere passar o tempo lá como Primeira Anciã.”
— Então… você pode me soltar? — Soltei o pulso da Missha, que eu havia segurado. Ela acariciou suavemente a parte que eu tinha tocado, como se minha pegada tivesse sido muito forte. — T-Tchau, então…
Missha saiu rapidamente pela porta da frente. No final, não consegui superar a distância entre nós.
— …Vocês três. Sobre o que conversaram?
Perguntei a Amelia, frustrado, mas mais uma vez, ela não me deu uma resposta adequada. — Isso é um segredo entre garotas. Não há necessidade de você saber.
Não havia sequer uma pista que eu pudesse captar para entender sobre o que aquelas três discutiram.
No dia seguinte à visita da Missha, outra visitante apareceu na nossa porta.
— …Raven?
— Posso entrar?
— Sim, claro.
Desde que ela fez os testes com a nova essência da Erwen, Raven estava ocupada com o trabalho. Já fazia um tempo desde sua última visita.
— Esta casa é menor que a sua anterior?
— Ah, certo. É a sua primeira vez aqui. — Dei a ela um rápido tour pela casa enquanto Auyen preparava refrescos para nós. Então, nós dois nos sentamos para desfrutá-los enquanto conversávamos. — Tenho certeza de que você não veio aqui só porque estava entediada. O que houve?
— O que houve? Como pode me perguntar isso depois do que você fez?
— Então é sobre a Torre Mágica.
Ela soltou um suspiro pesado, mas, surpreendentemente, não me deu muita bronca. Ela conhecia o contexto. Mesmo que meu jeito de lidar com isso fosse um pouco extremo, no fim das contas, eu estava apenas fazendo meu trabalho como chefe dos bárbaros. Mais importante, tudo terminou pacificamente. O que significava…
— Que tipo de magia você usou nele?
Essa era a verdadeira razão pela qual ela estava aqui.
— Não consigo entender por que o lorde da Torre Mágica cederia tanto para você. Para ser honesta, eu tinha certeza de que isso levaria a uma guerra total…
— Você veio porque quer saber como eu o convenci?
— …Mais ou menos.
Hesitei por um momento, mas decidi contar a história completa, incluindo o acordo que fiz com o lorde da Torre. Na verdade, eu queria a opinião dela.
— Lurendel Garlin Barret… — ela murmurou. — Ele cedeu tudo isso para protegê-la?
— Você sabe algo sobre ela?
— Não muito. No passado, nunca tivemos motivo para conversar muito, já que éramos de patentes diferentes. E desde que entrei para o exército, mal visito a Torre Mágica.
— Mesmo assim, você é uma maga como ela. Tenho certeza de que sabe mais sobre ela do que eu. Qualquer informação que você tiver será útil.
— Então… — Raven hesitou por um momento antes de admitir — Lurendel Garlin Barret é a maior especialista da Torre Mágica em pesquisas sobre corações de bárbaros. Na verdade, a própria Escola Tritten é principalmente focada em estudá-los.
— Hm, então é por isso que ela queria o meu coração.
— Provavelmente. Há uma boa chance de que ela tenha feito o pedido simplesmente porque queria estudar seu coração.
— E isso deve significar que há uma grande possibilidade de a pesquisa dela ser algo de grande interesse para a Torre Mágica.
— Parece que sim… Caso contrário, não haveria motivo para o senhor da Torre Mágica ceder tanto apenas para salvá-la.
— …Raven, você poderia investigar isso para mim?
— Hmmm… Tudo bem. Eu também estou curiosa. Vou fazer minha própria investigação e te aviso se descobrir algo interessante.
— Obrigado.
Aquilo encerrou o assunto, mas como Raven já estava ali, decidi fazer uma pergunta minha. — Raven. Hipoteticamente, e eu quero dizer isso de forma completamente hipotética… Alguém já ganhou… conhecimento do labirinto?
— …Conhecimento?
— Sim, conhecimento. Como, por exemplo, alguém de repente ganhar a habilidade de ler e escrever em uma língua antiga, mesmo quando não sabia antes…
Raven saltou de sua cadeira, batendo com as mãos na mesa. — Escrita antiga? Você consegue ler?
— N-Não… Eu só estava dando um exemplo…
— O que quer dizer com ‘exemplo’? Você claramente está falando de você mesmo!
“Essas mulheres ao meu redor são todas espertas demais.”
Decidi confessar. Ela não acreditaria se eu dissesse que não, de qualquer forma. — Sim, eu consigo ler na língua antiga agora.
— Quanto…?
— Não tenho certeza? Não testei, então…
Antes que eu pudesse terminar a frase, Raven mais uma vez se levantou e puxou um livro do seu subespaço, forçando-me a ler um texto, claro, escrito na antiga língua de Rafdonia.
— Mahniarsus implorou fervorosamente pelo retorno de sua esposa, mas Kaprakadakh recusou seu pedido prontamente. Ele acreditava que poderia amá-la mais do que Mahniarsus jamais poderia… Que tipo de livro é esse?
— Isso não importa. Continue lendo.
— …Então Mahniarsus sacou sua espada e a cravou no coração de seu rival. Enquanto Kaprakadakh sangrava até a morte, ele estendeu a mão, mas a única coisa que conseguiu fazer foi…
A expressão de Raven foi se tornando cada vez mais abatida conforme eu continuava a leitura. — E-Esse é um livro que nem eu consigo ler direito sem um dicionário…
Hm, então é isso…
Raven era até considerada uma especialista em línguas antigas em comparação à maioria dos magos.
— Muttin abiyur bukrath — eu respondi.
— …O que você acabou de dizer?
— Isso significa, ‘Eu até consigo falar na língua antiga.’
Quando dei de ombros, ela ficou completamente perplexa. Demorou um tempo até ela conseguir se recompor o suficiente para falar. — …Sr. Yandel, posso te dar um soco?
Raven levantou seu pequeno punho, que não parecia nada ameaçador, em minha direção.
— Keeatho keekeehu kooekhu. Ah, isso significa, ‘Eu não quero ser atingido’ em…
— Você está zombando de mim?!
No final, acabei levando um soco. Mas a única que ficou com hematoma foi quem me bateu.
— Ah, sério… O que há de errado com você, Sr. Yandel?
— Desculpe. Enfim, voltando ao que eu estava dizendo, você já ouviu falar de algum caso como esse antes?
— …Pelo que eu sei, não. Nada assim jamais foi registrado. Mas… o que aconteceu? Foi… uma recompensa? Tem a ver com seu nome ser escrito na Pedra da Honra…?
— Bem, algo assim.
— …Você pode me contar? — Raven perguntou hesitante.
Apesar da cautela dela, decidi que não havia necessidade de manter isso em segredo. Pode ser que não fôssemos tão próximos agora como éramos no passado, quando éramos companheiros de equipe, mas ela ainda me ajudou apesar de saber que eu era um espírito maligno. Além disso, eu também precisava da perspectiva de uma maga.
— O que você experimentou lá não foi apenas uma ilusão. Não, isso deve ter realmente acontecido no passado! Claramente há algum tipo de conexão entre o Lorde do Andar e a Bruxa!
Quando terminei de contar, Raven não conseguia esconder sua empolgação.
— Esta é uma descoberta incrível! Isso substancia a hipótese de que o labirinto não é de outra dimensão! Talvez as coordenadas do labirinto não sejam delimitadas pelo espaço, mas sim pelo eixo do tempo!
Eu, claro, não entendi nada do que ela estava dizendo. Eixo de espaço, tempo, seja lá o que for, nada disso realmente fazia sentido para mim. — É mesmo?
— Versyl Gowland! O que ela disse? Ela também é uma maga, certo? Tenho certeza de que ela está completamente imersa na pesquisa após fazer uma descoberta tão inacreditável!
— Não. Ela não estava muito interessada nisso, para ser honesto.
— O-O quê?!
Isso porque Versyl também era uma jogadora. Jogadores como nós não tinham tanto interesse na história desse mundo. Basicamente, ignorávamos isso.
— N-Não acredito… Mesmo sendo uma maga? Se eu estivesse lá…
Raven, que estava gritando em aparente indignação, de repente ficou em silêncio.
— Se você estivesse lá?
— …Deixa para lá. É um pensamento inútil, de qualquer forma.
O clima de repente despencou. Por alguma razão, senti que precisava mudar de assunto, e rápido. Apressadamente trouxe uma notícia que tinha certeza de que alegraria Raven. — Ah, certo! Tenho outra novidade para te contar.
— …Novidade?
— Missha voltou.
Contei sobre nosso reencontro com a Missha e como ela decidiu se juntar à nosso clã.
— …É mesmo? Isso é ótimo.
O que houve com a reação dela?
— Vou te passar o endereço dela depois, assim você também pode visitá-la. Tenho certeza de que Missha vai ficar feliz em…
— Depois.
— …Hã?
— E-Eu preciso ir agora. Tenho trabalho a fazer.
Raven então saiu apressada da casa, com uma expressão sombria.
Depois que Raven se foi, comecei a cuidar da minha longa lista de afazeres do dia. Primeiro, passei pela terra sagrada para ver se Rotmiller estava se ajustando bem. Depois, fui até a forja do anão para verificar seu progresso. Também convoquei todos os membros do nosso clã para discutir nossa próxima missão. A maioria dos dias que se seguiram foi composta por tarefas semelhantes, mas não ocupavam o dia todo.
Hoje, por exemplo, eu tinha algo mais a fazer.
— Temos o prazer de recebê-lo na Casa do Visconde Goodrix.
Visitei a mansão do Visconde Goodrix após receber uma carta de convite dele. Ele era um dos membros de Melbeth, que era composta por trinta e uma… Não, trinta e duas casas nobres.
— Haha! É um prazer vê-lo, Vossa Senhoria. Sou o Visconde Goodrix. Sei que está ocupado, então sou extremamente grato por aceitar meu convite.
Como ele era um anão, seu tom era muito mais alegre do que o da maioria dos outros nobres. No entanto, como ainda era um nobre, ele falava da mesma forma indireta que todos eles, com muitas formalidades. Depois de finalmente conseguir transmitir a ele que poderia pular toda essa parte, ele finalmente foi direto ao ponto.
— Então — perguntei — por que me chamou aqui?
— Em nome de Melbeth, tenho um pedido para você, Barão Yandel.
Eu tinha acabado de receber minha primeira missão exclusiva de Melbeth.