Não importa em que mundo você se encontre, invariavelmente haverá lendas e contos antigos passados de geração em geração, e Rafdonia não era uma exceção. Havia inúmeras histórias de aventureiros que afirmavam terem sido salvos por seres estranhos no labirinto que podiam se comunicar com eles. Ou que afirmavam terem escapado por pouco de serem devorados por tais seres. Anedotas como essas existiam desde que havia aventureiros. Claro, nunca houve qualquer prova de que fossem verdadeiras.
— Acho que todo mundo já pensou em uma história dessas pelo menos uma vez durante uma expedição.
Como Erwen disse, esse era um cenário que qualquer um que tivesse se aventurado no labirinto já havia considerado pelo menos uma vez. Como o labirinto estava cheio de mistérios e segredos, era realmente tão estranho imaginar que você poderia encontrar um monstro capaz de raciocinar ou falar lá dentro?
— Que interessante… — Diferente de Erwen, que claramente não acreditava na história do grupo, os olhos de Amelia brilharam assim que ouviu as palavras ‘povos nativos’. — E quanto aos corpos na entrada? — ela pressionou. — Esses monstros também fizeram aquilo?
A mulher inclinou a cabeça com a pergunta. — Corpos na entrada… O que você quer dizer?
— Você não sabe? Eram três.
Quando Amelia contou a eles o que havíamos encontrado, a mulher estremeceu. — McHoldin, Princeton, Rick… Esses foram os três que foram sequestrados durante a primeira emboscada… Não os vimos na vila para onde fomos levados, mas nunca imaginei que eles estariam…
Minha testa franziu. — O que você quer dizer com emboscada? Conte-me tudo desde que se separaram do Clã Hektz. E entre em tantos detalhes quanto possível.
— O quê…? Como você sabe sobre isso?
— Foram eles que nos contaram sobre esta ilha.
— Entendo… — a aventureira murmurou para si mesma, reclamando que deveria ter seguido o outro clã, antes de responder às minhas perguntas. — Bem, depois de nos separarmos, começamos a explorar mais o interior.
Eles foram os primeiros a descobrir esta área, além de alguns monstros nunca antes vistos. Como não havia informações sobre a geografia da ilha ou seus habitantes, eles acabaram em várias situações difíceis. No entanto, perseveraram através do perigo, motivados pela perspectiva de terem seus nomes gravados na história.
— Tentaculan, Diamont, Esquilo Cavernoso, Papagonas, Baylonta… Esses foram alguns dos novos monstros que encontramos aqui. No começo, tudo estava indo bem. Estávamos fazendo descobertas que seriam registradas por gerações.
Papagonas e Baylonta, esses eram monstros que ainda não havíamos encontrado. Fiz uma nota mental para pedir informações sobre eles mais tarde.
— Mas enquanto estávamos a caminho do centro da ilha, encontramos algo estranho.
O que eles encontraram foram pegadas que levavam ao centro da ilha. As pegadas em si eram duas vezes maiores que as de uma pessoa comum, e havia várias delas, como se um grupo de pessoas estivesse viajando junto.
— Elas tinham tamanhos diferentes, e as próprias pegadas eram planas, como se quem as fez estivesse usando sapatos…
O grupo de aventureiros seguiu a trilha animadamente, certos de que os levaria a um novo tipo de monstro. À medida que avançavam, a floresta se tornava ainda mais densa e exuberante, e seus encontros ocasionais com outros monstros cessaram completamente.
— Foi quando aconteceu a primeira emboscada surpresa.
Eles foram atacados de todos os lados por monstros. Tentaram desesperadamente revidar, mas três deles foram sequestrados durante a luta, incluindo a amada do capitão do clã. Naturalmente, o Clã Leão de Prata perseguiu os monstros, indo ainda mais fundo na floresta.
— Mas não havia muito que pudéssemos fazer. Eles nos atacaram uma segunda e uma terceira vez, e muitos de nós acabaram morrendo.
O maior problema era que, apesar de tantos terem dado suas vidas na batalha, não conseguiram matar sequer um dos monstros.
— Não sei por que demoramos tanto para perceber, mas os monstros eram inteligentes. Eles podiam se comunicar em sua própria língua e usar estratégias.
Quando finalmente perceberam isso, o restante do Clã Leão de Prata fugiu. O capitão, cuja amada havia sido sequestrada, estava furioso com seus subordinados. No entanto, reconhecendo que não podiam lidar com aquilo sozinhos, ele não teve escolha a não ser recuar por enquanto, para tentar me encontrar e pedir ajuda. Mas então, já era tarde demais.
— Eles armaram uma armadilha na rota de retorno. Como era nossa primeira vez nesta ilha, fomos forçados a voltar pelo mesmo caminho que viemos. Mas desta vez, havia uma armadilha no caminho que não estava lá antes…
Depois de caírem na armadilha, todos foram capturados, vendados e então levados para a vila.
— E como vocês quatro escaparam?
— Bem… um dos monstros nos deixou ir…
— Deixou vocês irem…?
Segundo eles, esse monstro era muito menor que os outros. Parecia ser uma criança.
— Vocês criaram algum tipo de vínculo com eles?
— Não. Nem conseguimos nos comunicar.
— Então por que ele deixaria vocês irem?
— Nós apenas… Eu também não sei. O monstro veio até a jaula onde estávamos presos. Nos observava o dia todo e ficava dizendo algo, mas essa foi a extensão da nossa interação.
Eu me mantive em silêncio, mas Amelia disse o que estava em minha mente sem hesitar.
— Deve ter sentido pena de vocês.
Erwen concordou. — Pensando bem, minha irmã mais nova fez a mesma coisa uma vez. Certa vez, todos estavam se preparando para um festival, e me lembro que ela visitava constantemente os animais e conversava com eles. E no dia antes do festival, ela os ajudou a escapar.
Os aventureiros cerraram os dentes em resposta à teoria de Amelia e Erwen, mas não puderam argumentar contra a lógica delas. Eles já deviam ter percebido isso no fundo. Foram tratados como animais, presos atrás de grades, e a única razão pela qual todos sobreviveram foi graças à inocência e simpatia de uma criança.
— Haha… crianças são todas iguais…
Seja como for, essa era a história deles.
A partir daí, pedi que me contassem mais sobre o monstro que encontraram. Como ele era? Quão forte era? Quantos havia na vila? Tentei extrair o máximo de informações possível para decidir nosso plano de ação.
— Com base no que vocês nos contaram, acho que podemos continuar nossa expedição.
Considerando o tamanho da vila, seria impossível enfrentá-los todos. No entanto, a história deles também sugeria que os monstros que viviam lá variavam significativamente de indivíduo para indivíduo, muito parecido com uma sociedade humana, onde nem todos são guerreiros ou sabem lutar. O principal problema era que, ao contrário de nós, eles tinham a vantagem de estar acostumados com o terreno da ilha.
“Mas isso não é motivo suficiente para desistirmos agora.”
— Guie-nos até a vila — ordenei.
— V-Você… realmente vai até lá?
— Viemos aqui para explorar, então por que não iríamos? — Coloquei minha mão no ombro de um deles, esperando a resposta.
— Então… vamos lhes dizer onde fica, para que possam ir sozinhos…
— Sim! Só atrapalharíamos se fossemos com vocês!
O entusiasmo deles com esse plano deixava claro que realmente não queriam voltar sob nenhuma circunstância.
— Vocês têm um barco próprio?
— Sim! Conseguiremos invocar um barco, não se preocupe.
— Entendo. Certo, entendido. Podem ir, então.
— …O quê?
— O que foi? Se vocês estão confiantes de que podem voltar à costa, invocar um barco e escapar da ilha sozinhos, então é melhor irem logo.
A média de nível dos monstros que encontramos no caminho até aqui foi três ou quatro. Felizmente, como todos éramos aventureiros, eles rapidamente entenderam a mensagem.
— …Vamos mostrar a vila para vocês.
— Ótimo.
Como parecia que trabalharíamos juntos por um tempo, perguntei os nomes deles para que eu pudesse memorizá-los.
“Marina, Chen, Kryan e Dennis.”
Dennis, que segurava a lança, havia sido membro de um dos pequenos grupos. Os outros três eram membros do Clã Leão de Prata.
“Embora pareça que esse clã talvez não exista mais.”
— Yandel, vou assumir a liderança daqui em diante.
Por alguma razão, Amelia me empurrou para o lado e tomou meu lugar habitual à frente da nossa formação.
— Emily? Por quê?
— Você não ouviu eles dizerem que havia armadilhas nesta floresta?
— Então isso é mais uma razão para eu…
— Yandel, você é nosso líder. Se você se machucar ou morrer, o que acontecerá com o resto de nós? Quem nos liderará então?
Amelia acrescentou que estava confiante em sua capacidade de detectar as armadilhas antes de ativá-las, então era melhor que ela liderasse. Sua lógica fazia sentido, então decidi recuar e deixá-la nos guiar por enquanto. No entanto, como tanque, era estranho estar atrás de alguém em vez de à frente.
“Ainda assim, a sensação de ser protegido… não é tão ruim…”
Depois de cerca de duas horas de viagem, finalmente chegamos ao nosso destino.
— Isso… Esse era definitivamente o lugar. Era bem debaixo desta árvore aqui… O quê?
Fomos até a árvore, mas suas raízes estavam completamente seladas. Não havia nenhum caminho levando ao subsolo, como os quatro haviam afirmado.
— O que está acontecendo aqui?
— E-Eu não sei.
— Vocês nos trouxeram para o lugar errado?
— Não! Isso não pode ser. Vossa Senhoria também viu! As pegadas que levavam até aqui!
Não parecia que ele estava mentindo.
Verifiquei as outras árvores próximas, caso tivessem se enganado sobre qual era a certa. No entanto, mesmo assim, não conseguimos encontrar uma entrada.
“Será que a entrada só abre e fecha com um gatilho?”
Não tínhamos como saber como qualquer coisa funcionava aqui. A única coisa que podíamos dizer com certeza era que a vila provavelmente estava escondida em algum lugar no subsolo.
Trrr.
De repente, avistei o que parecia ser uma criança caminhando a uma curta distância.
— Eu vou pela esquerda.
— Então eu vou pela direita.
No segundo em que emergiu da folhagem, Erwen e Amelia começaram a persegui-lo. Rapidamente cortaram sua rota de fuga e o derrubaram no chão.
Ele tinha a pele azul e olhos grandes, com grandes presas saindo de sua boca. O topo de sua cabeça era um pouco protuberante, como a de um alienígena.
— Kyaaak!
O monstro se debateu violentamente contra o aperto delas com um uivo bestial. Claro, não deixamos isso continuar por muito tempo.
— Quieto.
Preocupada com a quantidade de barulho que ele estava fazendo, Amelia rapidamente puxou uma adaga e a pressionou contra sua garganta. O monstro imediatamente parou de lutar e lentamente olhou para mim.
— ⟅N-Não me mate…⟆
Ele falava a língua antiga.1
Parece que agora não só eu conseguia ler e escrever na língua antiga sem problemas, como também podia conversar nela. Soava um pouco estranho na minha boca, mas isso era o menor dos meus problemas no momento.
— ⟅Foi você? O garoto que ajudou os quatro a escapar?⟆
Quando falei com ele, os olhos do monstro se arregalaram de surpresa. Por que ele subitamente não dizia mais nada? Ele estava implorando por sua vida um segundo atrás.
— ⟅Você não vai me responder?⟆ — perguntei.
— ⟅S-Sim… Eu os ajudei a escapar. Os quatro.⟆
— ⟅Por quê?⟆
— ⟅Porque… Eu senti pena deles…⟆
Não pude deixar de pensar que isso soava meio clichê.
“Uma criança de bom coração tentando fazer a coisa certa com consequências irreversíveis. Sinto que já ouvi essa história inúmeras vezes antes.”
— Yandel, o que ele está dizendo?
— Ele foi quem os ajudou a escapar. E o motivo foi porque sentiu pena deles.
Embora eu estivesse falando com Amelia, o grupo de quatro que encontramos nos ouviu e parecia furioso.
— Como esse monstro imundo ousa…
— Vossa Senhoria… você pode dizer a ele por nós? Não estamos nem um pouco gratos pelo que ele fez. Ele achou que agradeceríamos depois que vocês, monstros, mataram nossos companheiros tão cruelmente?
Nem precisava dizer que eu não traduzi uma palavra disso. Não era essa, oficialmente, a primeira vez que alguém conversava com um dos monstros do labirinto? Eu precisava fazê-lo se abrir para mim para extrair o máximo de informações possível.
— ⟅O que… O que eles estão dizendo?⟆
— ⟅Eles estão dizendo obrigado por salvá-los.⟆
— ⟅O-Oh… Okay…⟆
Surpreendentemente, o garoto acreditou facilmente na minha mentira. Provavelmente teve dificuldade em interpretar minha expressão facial e tom de voz porque nossas aparências e línguas eram diferentes. No entanto, em vez de ter medo dessas diferenças, esse pequeno monstro parecia bastante curioso. Parecia que crianças realmente eram iguais, independentemente da espécie.
— ⟅Mas como você pode falar nossa língua se você é um monstro?⟆
— ⟅Monstro…?⟆ — Era bom que ele estivesse mais à vontade conversando comigo agora, mas era difícil ignorar o que ele acabara de me chamar. — ⟅Por que somos monstros?⟆
— ⟅Porque… Porque vocês não se parecem conosco. M-Mas eu acho que vocês podem falar como nós…⟆
Era só isso? Apenas porque parecíamos diferentes deles?2
— ⟅Entendo⟆ — eu disse. Então, com um sorriso irônico, perguntei — ⟅Se somos monstros, o que vocês são?⟆
Sua resposta foi imediata, como se isso fosse uma questão simples de senso comum.
— ⟅Nós… Nós somos humanos.⟆
De alguma forma, isso estava se transformando em uma conversa bem filosófica.