Nos encontramos em uma situação cômica, com monstros que se autodenominam humanos e, por outro lado, nos chamam de verdadeiros monstros.
— Que interessante.
— Interessante? O que ele disse?
— Ele está dizendo que nós somos os monstros e que ele é humano.
— Oh… então o monstro tem parafusos soltos ou algo assim?
Diferente de Ainar, que riu e desconsiderou como uma piada, os outros tiveram reações mistas. Alguns acharam isso interessante, como eu, enquanto outros pareciam curiosos, e alguns ainda pareciam bastante irritados com a situação.
Inesperadamente, nossa maga, Versyl, não demonstrou nenhuma reação externa. Seria por ela ser uma jogadora? Se Raven estivesse aqui, provavelmente teria perdido a cabeça e exigido imediatamente que perguntássemos ao monstro por que ele pensava assim.
— ⟅O que… O que vocês estão dizendo?⟆ — perguntou o monstro criança, o que me fez perceber que ele não estava completamente alheio à situação em que se encontrava.
— ⟅Estávamos discutindo o que você quis dizer quando disse que é um humano.⟆
— ⟅…Isso é algo que vocês precisam conversar?⟆
— ⟅Claro.⟆
— ⟅Bem, o que vocês são, então?⟆
Parei por um momento, pensando na minha resposta. Então me lembrei de uma palavra que podia ser usada para descrever humanos, bárbaros, elfos e homens-fera igualmente. — ⟅Somos aventureiros.⟆
— ⟅Av… ventureiros?⟆
— ⟅O que foi? Nunca ouviu essa palavra antes?⟆
O pequeno monstro levantou a mão direita e abaixou o polegar em direção ao chão. Parecia ser um gesto equivalente a um aceno em nossa cultura. — ⟅Aventureiro… O que é um aventureiro?⟆
— ⟅É uma pessoa que explora o labirinto em busca de coisas novas e caça monstros.⟆
— ⟅…Entendi. Então isso significa que todos vocês vieram de fora da ilha, como eu pensei.⟆
— ⟅Isso mesmo⟆ — eu disse, abaixando meu polegar. O monstro criança me imitou, abaixando o polegar duas vezes seguidas.
Heh, isso estava sendo meio divertido.
— Parece que essa conversa vai demorar um pouco mais do que eu pensei. Fiquem de olho.
— Entendido.
Assim que meu clã mudou a formação para formar um perímetro, comecei a trabalhar em criar um vínculo com nosso prisioneiro para podermos ter uma conversa mais aberta.
— ⟅Você quer comer isso?⟆
— ⟅O que é isso?⟆
— ⟅É carne seca. Você faz secando a carne.⟆
— ⟅Não, não era isso que eu queria dizer.⟆
— ⟅O quê?⟆ — perguntei, inclinando a cabeça.
O garoto respondeu com igual confusão. — ⟅Comer… O que significa ‘comer’?⟆
Fiquei momentaneamente perplexo com a pergunta, mas ele não parecia ser do tipo que faria uma brincadeira numa situação como essa. Dei a melhor explicação que pude. — ⟅Comer é quando você mastiga comida na boca e engole pela garganta.⟆
“Assim.”
Para demonstrar, mastiguei a carne seca e engoli, mas o monstro criança apenas olhou com nojo.
— ⟅…Eca. Isso é estranho. Dentes são só para matar inimigos…⟆
— ⟅Então vocês não comem nada?⟆
— ⟅Claro que não! Como você pode… c-colocar algo assim no seu corpo?⟆
Quero dizer, esse seu olhar de julgamento está me fazendo sentir um pouco esquisito agora…
— ⟅E-Eu ouvi que às vezes você engole coisas sem querer enquanto luta… mas isso não deveria acontecer!⟆
Agora, isso era estranho. Bem, na verdade, eu supunha que o mesmo valia para quase todos os monstros.
— ⟅Então vocês conseguem viver sem precisar comer nada?⟆
— ⟅Obviamente. Pessoas como eu não morrem enquanto puderem beber Água da Vida.⟆
— ⟅Água da Vida…?⟆
Notando minha óbvia confusão, o garoto puxou uma garrafa de cerâmica de sua bolsa e bebeu dela. — ⟅Esta é a Água da Vida.⟆
— ⟅Posso beber um pouco?⟆
— ⟅…Claro.⟆
Ele parecia realmente não querer me dar nada, mas talvez ele entendesse que era nosso prisioneiro no momento, então empurrou a garrafa em minha direção.
“Certo, consegui um item misterioso.”
— Versyl. Você sabe o que é isso?
— Me dê um segundo… A densidade de mana é muito alta… — Eu a entreguei para ela, só por precaução, mas para minha surpresa, Versyl conseguiu identificar imediatamente. — Isso é… Acho que isso é feito de pedras de mana moídas misturadas com água.
— …Pedras de mana?
— Sim. É assim que a água de mana que usamos na cidade é criada, e isso parece idêntico.
Água de mana era um componente essencial para a criação de itens mágicos. Mas tê-la como alimento básico…
— ⟅Ei, essa Água da Vida é talvez feita das pedras de mana que você consegue de monstros… quer dizer, feita de pedras?⟆
— ⟅Sim… e daí? E eu não sou ‘Ei’. Meu nome é Marupichichi.⟆
— ⟅Entendido, Marupichichi. Eu sou Bjorn, filho de Yandel.⟆
— ⟅…Seu nome é esquisito.⟆
“Diz o garoto chamado Marupichichi…”
Ainda assim, Maru timidamente empurrou o polegar em minha direção enquanto falava, então empurrei meu polegar também para não deixá-lo no vácuo.
— O que ele está fazendo com esse monstro?
— Não sei. Parece um aperto de mãos ou algo assim.
— Quanto de informação você conseguiu? — exigiu Amelia. — Descobriu onde fica a vila?
Ah, certo… Eu deveria ter feito isso primeiro, mas acabei me divertindo conversando sobre bobagens.
— Ainda estou perguntando a ele.
— Entendo… Bem, nem uma criança revelaria informações tão vitais para um estranho. Me avise se precisar de minha ajuda.
— …Certo.
Nesse ponto, deixei minhas curiosidades pessoais de lado e comecei a cavar por informações importantes.
— ⟅Marupichichi, onde fica a entrada da sua vila?⟆
Contrariando as preocupações de Amelia, Maru, que era tão bondoso a ponto de ajudar prisioneiros a escapar porque sentia pena deles, nem sequer tentou se esquivar da pergunta. No entanto, a resposta que ele me deu não era a que eu esperava.
— ⟅Não existe uma. Por enquanto, pelo menos…⟆
— ⟅Hã?⟆
— ⟅Até os adultos abrirem, ninguém pode entrar na vila… N-Nem eu…⟆
Hah, eu me perguntei por que ele estava se escondendo na floresta sozinho. — ⟅É normal a entrada da vila estar fechada?⟆
— ⟅Não… Geralmente nunca está fechada, a menos que seja a estação chuvosa.⟆
“Uma estação chuvosa… Então também chove aqui? Quero dizer, acho que uma chuva pesada seria um problema para uma vila subterrânea.”
— ⟅Então por que a entrada está fechada agora?⟆ — perguntei.
— ⟅Isso… provavelmente é culpa minha.⟆
— ⟅Sua culpa?⟆
— ⟅Sim. Os adultos provavelmente perceberam que os monstros que eles capturaram escaparam…⟆
Espere, mas então eles deveriam ter formado um grupo de caça. Por que fechariam a entrada? Essa foi minha reação inicial, mas pensando bem, eu conseguia entender a lógica deles. Os moradores não tinham como saber que os aventureiros haviam escapado completamente da vila. Provavelmente assumiram que estavam escondidos em algum lugar dentro e selaram as saídas para procurar por eles.
“Faz cerca de quatro horas desde que eles escaparam. Os monstros deveriam perceber que eles se foram em breve e sair da vila…”
Por enquanto, compartilhei as informações que obtive com meus aliados. Em seguida, realizamos uma votação.
— A questão em pauta é ‘O que faremos com os monstros que podem falar e se autodenominam humanos?’ e há duas opções a escolher.
— Duas?
Diante da pergunta de Amelia, balancei o polegar.
— Uma: fazer amizade.
Ou duas…
— Matar todos.
Qualquer uma das escolhas seria digna de um aventureiro.
— Você disse… amizade? Com os monstros?
Alguns claramente acharam minha sugestão ridícula, enquanto outros pareciam estar genuinamente considerando se isso era uma possibilidade.
— A verdadeira questão é: por que você quer que nos tornemos amigos deles?
— Eles vivem aqui, então provavelmente sabem muito sobre este lugar.
— Não podemos simplesmente perguntar a esse monstro ali se queremos saber?
Bem, o quanto uma criança saberia? No fim, precisávamos ter uma conversa com um monstro adulto se quiséssemos obter informações mais valiosas.
No entanto, Amelia ainda estava cética. — Se essa for a única razão, podemos simplesmente capturar um monstro adulto e interrogá-lo.
— Isso é verdade, mas pode não ser fácil. Esse garoto compartilhou coisas livremente porque é jovem, mas os adultos podem não ser tão falantes.
— Você… não confia em mim para fazer o trabalho?
— Não é isso. É só que não precisamos ir a esses extremos. Ainda não sabemos quão fortes são as forças deles. Além disso… não foi você quem disse que não devemos matar pessoas sem motivo?
— Quando são ‘pessoas’, sim.
— Ah…
— …Tanto faz. E se falharmos em fazer amizade com eles? — perguntou Amelia, de forma direta.
Eu também respondi sem hesitar. — Vamos matar todos. — Afinal, só havia duas opções. Se o Plano A não funcionasse, naturalmente seguiríamos para o Plano B.
— Bem, nesse caso, estou do lado de fazer amizade com eles.
— Isso é um pouco inesperado.
— Também estou um pouco intrigada com eles.
De qualquer forma, a votação começou, começando por Amelia. No final…
— Três votos para ‘fazer amizade’, três para ‘matar todos’.
Por alguma razão, mais uma vez me encontrei na posição de dar o voto decisivo. Virei a cabeça para olhar para Marupichichi, pronto para anunciar minha decisão.
Fwip!
Então, meu corpo de guerreiro, sempre pronto para uma luta, percebeu um som ameaçador.
“Quem? Onde? Por quê?”
Antes mesmo de conseguir formular essas perguntas conscientemente, eu já estava me movendo.
Fwoop!
Uma flecha misteriosa cravou-se no meu escudo no momento em que o levantei para cobrir meu corpo. Fiquei honestamente um pouco surpreso.
“…Ela realmente perfurou.”
Embora não tenha atravessado completamente, a flecha quebrou várias camadas do escudo e se alojou dentro. Pelo próprio design da flecha, parecia ser cem por cento dano físico, sem magia envolvida.
— Preparem-se para a batalha!
Gritei por hábito, então olhei na direção de onde a flecha havia vindo. Lá, alguns monstros armados com uma variedade de armas estavam saindo da floresta.
“Se eu tivesse que adivinhar… o único objetivo deles é salvar esse garoto.”
Provavelmente dispararam uma flecha para nos confundir e criar algum tipo de abertura. Assim que percebi o que eles estavam tentando, larguei meu escudo e estendi o braço para agarrar Marupichichi pela nuca.
— ⟅Uwak!⟆
Ele era meu novo escudo.
— ⟅L-L-Larga…!⟆
Embora ele começasse a se debater e gritar, ele provou ser um equipamento bastante eficaz.
Os monstros que emergiram da linha das árvores em uníssono, como algum tipo de equipe de forças especiais, hesitaram ao ver meu novo escudo.
— ⟅Seu desgraçado covarde…⟆
— ⟅Usar uma criança como refém…⟆
Tais elogios vindos de caras que agora estavam parados, sem saber o que fazer.
— ⟅Jovem Mestre Maruratiti!⟆
— ⟅Fique tranquilo, nós definitivamente vamos te salvar. Dou minha palavra.⟆
Pelo que parecia em sua conversa, todos eles se conheciam.
“Mas por que estão sendo tão educados? Esse garoto tem um status elevado?”
Não tinha certeza, mas isso seria ainda melhor. Levantei meu recém-adquirido escudo monstro enquanto gritava — ⟅Larguem suas armas, ou esse garoto morre!⟆
— Estou surpresa — murmurou Amelia ao meu lado. — Pensei que você estava do lado de fazer amizade.
— Hã? Mas eu estou tentando ser amigo deles.
Amelia me encarou por um longo momento. — …E mesmo assim você está fazendo essa besteira?
“Caramba, chamar isso de besteira…”
Limpei a garganta. — …Muitas pessoas se tornam amigas depois de lutar.
Afinal, foi assim que nos tornamos amigos, certo?
O silêncio caiu sobre o campo de batalha.
— ⟅Ele fala nossa língua…⟆
— ⟅Um monstro… Como pode ser?⟆
— ⟅Ele é talvez aquele que o chefe da vila…?⟆
As dezenas de monstros não largaram suas armas, mas também não se aproximaram, preferindo apenas me observar. Eu esperei, sem relaxar minha postura de combate.
Toff, toff.
Um minuto ou mais depois, um monstro que parecia ter cerca de três metros de altura emergiu das árvores. Ele tinha um arco enorme pendurado no ombro, combinando com seu tamanho colossal.
“Entendi, então esse era o arqueiro.”
— ⟅Você é o líder?⟆ — perguntei, falando primeiro.
Em vez de responder, o monstro arqueiro fez uma pergunta. — ⟅Monstro, como você pode falar nossa língua?⟆
— ⟅Largue sua arma. Eu te direi se você fizer isso.⟆
Quem respondeu foi, surpreendentemente, meu escudo. — ⟅P-Pai! Não faça isso! Estou bem, então…!⟆
“Uau… achei o papai monstro?”
— Você viu isso? O sorriso maligno do Bjorn? Esses monstros estão tão bons quanto mortos! Hahaha!
Espere, eu sorri? Não percebi, mas tentei ao máximo suavizar minha expressão enquanto ignorava a Ainar e me concentrava na conversa.
— ⟅Não interrompa, Chichi.⟆
— ⟅Mas…⟆
— ⟅Fique quieto!⟆
A boca do meu escudo se fechou sob a reprimenda do pai.
“Isso mesmo. Não há necessidade de crianças se intrometerem em uma conversa entre adultos.”
— ⟅Vou dizer isso uma última vez. Se você quer que seu filho viva, largue sua arma agora…⟆
— ⟅Monstro, quero convidá-lo para nossa vila.⟆
— ⟅…O quê?⟆
Achei que tinha ouvido errado, mas parecia que minha audição estava perfeitamente bem. — ⟅Eu disse que quero convidá-lo para nossa vila. Você talvez não entendeu? Não creio que essa frase tenha sido tão complexa.⟆
“Uh… Acho que o problema não é o vocabulário?”
— ⟅Você acha que eu aceitaria um convite repentino em uma situação como essa?⟆
Considerando a força desse monstro arqueiro sozinho, eu não poderia subestimar essas pessoas. Estávamos em desvantagem numérica esmagadora, e as coisas poderiam piorar se fossemos atacados em um local remoto.
Uma oferta dessas nem valia a pena ser considerada, a menos que nossa segurança fosse garantida ou essa raça de alguma forma provasse ser confiável.
O arqueiro parecia irritado. — ⟅Recusar nosso convite… Que bárbaro.⟆
— ⟅E pendurar corpos em árvores é humano?⟆
— ⟅…Todos o de seu tipo que foram levados para a vila estão seguros. Eles não serão feridos, então pode ficar tranquilo.⟆
Como eu poderia confiar nisso?
— ⟅Se quiser, pode até manter meu filho…⟆
— ⟅Eu recuso.⟆
Com minha última e dura recusa, ele deixou o assunto de lado. No entanto, fez um pedido peculiar.
— ⟅Então, você poderia esperar aqui por um momento? Não vai demorar.⟆
Será que ele só vai chamar reforços? Embora houvesse um pequeno risco de isso acontecer, decidi aceitar o pedido. Havia a possibilidade de eu estar interpretando mal, mas não conseguia sentir muita hostilidade da parte deles.
“…Toda essa interação mudou completamente no momento em que perceberam que eu podia falar.”
Estávamos há cerca de dez minutos nesse impasse desconfortável quando algo finalmente mudou.
— ⟅O chefe da vila…⟆
— ⟅Abram caminho.⟆
Ao ouvir murmúrios surgirem da retaguarda deles, os guerreiros se abriram como o Mar Vermelho, criando um caminho. Das profundezas, emergiu um monstro com uma longa barba branca que caminhava usando uma bengala.
— ⟅Olá⟆ — ele chamou com uma voz suavemente agradável. — ⟅Qual é o seu nome?⟆
— ⟅Eu sou Bjorn, filho de Yandel.⟆
— ⟅Esse é um bom nome. Nuiachichi! Leve os guerreiros e recuem! Tenho algo para discutir com essas pessoas!⟆
Eu não sabia nada sobre as práticas culturais desses monstros que se autodenominavam humanos, mas sob as ordens do chefe da vila, eles imediatamente recuaram e nos deram espaço para conversar em particular, sem fazer perguntas.
— ⟅Ah, desculpe. Há coisas que quero discutir que não seriam boas para eles saberem.⟆
— ⟅Boas para eles…?⟆
Não pude deixar de inclinar a cabeça diante da estranha escolha de palavras, mas o chefe apenas sorriu, com suas presas protuberantes brilhando.
— ⟅Agora que penso nisso, não me apresentei. Sou o chefe desta vila, Bruingrid.⟆
— ⟅Bruingrid?⟆
O nome soava familiar.
— Emily, você já ouviu falar de um Bruingrid?
— Acho que esse era o nome de um dos companheiros do Grande Sábio.
“Ah, então é daí que eu conheço esse nome.”
Eu voltei à minha conversa original com o chefe da vila e percebi que ele havia estendido a mão para mim. Instintivamente, fiquei tenso. — Ah, não se alarme. Estou apenas oferecendo um aperto de mão.
— Ah… — Dei um sorriso meio desconcertado e apertei a mão dele.
Então, um momento depois, a ficha caiu.
— Você disse que era Bjorn, filho de Yandel?
O chefe estava falando… mas não na língua antiga.
Não, ele estava falando em Rafdoniano.
— É um prazer vê-lo, de verdade. E suponho que você seja um aventureiro de Rafdonia?
O que estava acontecendo?
— Então, quanto tempo se passou no mundo exterior?
“Quem diabos era esse cara?”