Mesmo o mundo dos monstros tinha suas próprias celebridades. Por exemplo, se eu pegasse uma pessoa comum na rua e perguntasse sobre Bellarios, ninguém teria a menor ideia do que eu estava falando. Mas Ogros, Orcs, Trolls, Goblins e Minotauros? Até um cidadão comum de Rafdonia poderia imaginar esses monstros com todos os detalhes.
Então, qual era a diferença entre os dois grupos?
“Histórias.”
Na minha opinião, as histórias desempenhavam um grande papel. Assim como as pessoas na Terra aprendiam sobre a Pequena Sereia e o Quebra-Nozes quando eram crianças, as pessoas deste mundo também cresciam ouvindo histórias.
O Goblin Astuto.
O Orc Selvagem.
O Minotauro do Labirinto.
O Ogro Tirano da Floresta.
Os monstros com contos famosos frequentemente tinham descritores como esses anexados a eles, e o mesmo valia para os monstros de primeiro nível.
— …Todos ouviram? Parece que podemos ter que lutar contra Kashan ou Leviatã.
— Você quer dizer o Lobo da Profecia ou o Deus do Mar?
O Lobo da Profecia, Kashan, e o Deus do Mar, Leviatã. Às vezes, eles eram referidos apenas por seus títulos, então tive que pesquisar depois de chegar a este mundo para descobrir de quem as pessoas estavam falando. Em todo caso, isso não era o mais importante.
— …Se conseguirmos derrotar um deles em batalha, esta será realmente uma expedição lendária.
— Estou um pouco preocupado. Seremos capazes de derrotar monstros como esses…?
Todos já sabiam que teríamos que lutar contra um monstro de primeiro nível, mas mesmo entre os membros do grupo de expedição do palácio, a opinião pública estava dividida.
— Haha, você se preocupa demais. Sim, eles são incrivelmente difíceis de enfrentar em seus territórios originais, e que é por isso que têm status lendário. Mas eles ainda não são apenas monstros? Com nossa força, poderemos lidar com eles sem problemas.
— Hmm, espero que seja esse o caso…
Alguns estavam confiantes, enquanto outros estavam visivelmente preocupados. Jerome escutou um pouco para medir a opinião popular antes de olhar para o seu mago, que prontamente lançou outro feitiço de restrição sonora para que pudéssemos continuar nossa discussão. — Não seremos capazes de derrotar nenhum deles, exceto Kashan… Sua Senhoria, poderia elaborar?
— Não há mais nada a dizer. Já deixei minha opinião clara, então façam sua escolha. Vão confiar na palavra do seu mago ou na palavra de um aventureiro?
O velho mago ao meu lado soltou uma risada com isso. Ou, bem, sua boca ria, mas seus olhos não. — Entendo que você dá grande importância à sua experiência, mas somos nós que passamos décadas estudando relatos em primeira mão e nos tornando especialistas nessas criaturas.
— E daí?
— Não posso aceitar sua afirmação de que Kashan é nossa única opção. A instância mais recente de um monstro de primeiro nível sendo derrotado envolveu apenas quarenta combatentes. E, do meu ponto de vista… — O velho deu de ombros e olhou para o grupo de expedição, e só então percebi por que ele estava tão confiante.
— Então você acha que só porque quarenta pessoas conseguiram, um grupo tão grande também pode conseguir — deduzi.
— Exatamente. Reunidos aqui, temos quase duzentos indivíduos talentosos que foram escolhidos a dedo pelo próprio palácio. Que objetivo existe que não possamos alcançar?
— Vamos nos certificar de que estamos na mesma página primeiro. As quarenta pessoas de quem você está falando são do Clã Barqueiro, que se desfez há décadas após um colapso dimensional?
Minha pergunta fez um vislumbre de surpresa passar pelo rosto do velho. — …Então você conhece a história?
Claro que sim. Não é como se eu confiasse apenas no meu conhecimento do jogo… eu estudei bastante.
— Pelo que ouvi — continuei — cada um deles era um dos melhores aventureiros do reino, e eles se prepararam para essa única caçada por mais de meio ano. Eles também gastaram quase um bilhão de pedras para comprar todos os itens de que precisavam.
— Se você está preocupado com recursos, nosso grupo de expedição tem mais do que o suficiente…
— Sir Versilus — Jerome disse incisivamente. — Não interrompa Sua Senhoria.
O velho mago caiu em silêncio, e eu pude, felizmente, continuar minha explicação sem interrupções.
— Você acha que temos suprimentos suficientes? Não há como. Há uma hora, nem sabíamos que teríamos que enfrentar um monstro de primeiro nível. Você realmente acha que poções e pergaminhos serão suficientes para derrotar um?
— Se seguirmos sua lógica, Lorde Barão, então qual seria a diferença em lutar contra um Kashan? — respondeu o velho mago, claramente irritado. — Estaríamos igualmente despreparados de qualquer maneira.
“Sim, imaginei que você diria isso.”
Aproveitei a oportunidade antes que ele pudesse dizer mais alguma coisa. — O monstro Kashan tem as resistências mais baixas de todos os monstros de primeiro nível.
— Mas, em contrapartida, seu poder de ataque é muito maior.
— E é exatamente por isso que temos alguma chance de derrotá-lo.
— …Em que se baseia essa afirmação?
— No fato de eu estar aqui. — Apontei para mim mesmo com o polegar. — Eu deveria ser o suficiente para segurar o lobo.
— Hah!
Antes que o velho mago sem palavras pudesse resmungar e explodir em uma crise de indignação pela minha declaração ousada, rapidamente adicionei uma explicação mais lógica.
— Além disso, não há um método estabelecido para caçar um Kashan. Em outras palavras, isso significa que Kashans podem ser caçados sem necessidade de preparações especiais. Embora tenhamos algumas baixas, o Kashan é definitivamente derrotável.
— O que diz sobre isso, Sir Versilus? — Jerome perguntou.
O velho demorou a responder. — …Com essa lógica, você poderia argumentar que qualquer monstro é derrotável ou impossível de derrotar, dependendo do que for mais conveniente para você.
Tudo o que ele fez foi descartar meu argumento sem se preocupar em engajá-lo.
No entanto, Jerome parecia não ter nada a dizer sobre isso. — Entendo — ele disse, assentindo enquanto refletia.
Vendo uma oportunidade, o esperto velho mago murmurou — Comandante Saintred, que tal perguntarmos a todos? Perguntá-los se devemos invocar o Leviatã, como eu sugeri, ou invocar o Kashan, como o barão sugere.
Em outras palavras, ele queria levar isso a voto. Eu não poderia ficar parado e deixar isso acontecer. Era óbvio o que o grupo escolheria se fossem forçados a escolher entre confiar no conselho de um bárbaro e confiar em um mago.
“Então agora ele está usando a cabeça.”
Eu precisava evitar um voto a todo custo. Mas antes que eu pudesse sequer abrir a boca, uma voz firme cortou nossa discussão.
— Não vou deixar isso acontecer — disse Jerome.
— Não vai deixar? — o velho ecoou, incrédulo. — Por que não?
— Forçar a responsabilidade de tomar uma decisão sobre meus subordinados simplesmente porque não consegui escolher entre duas opções? Sir Versilus, um líder disposto a fazer tal coisa nunca ganharia a confiança genuína das pessoas sob seu comando.
— …Não se trata de transferir responsabilidade. Estamos apenas pedindo suas opiniões…
— Isso é a mesma coisa — Jerome disse bruscamente, interrompendo o velho mago. — Um líder é alguém que toma decisões e assume a responsabilidade por essas decisões. — Com isso, ele encerrou o debate declarando — Muito bem, eu decidi.
— E por decidido, você quer dizer…?
— Kashan. Vamos invocar o Lobo da Profecia. — Com um ar que não permitia oposição, ele continuou — Esta decisão é exclusivamente minha, e quaisquer consequências cairão unicamente sobre meus ombros. Todos fariam bem em lembrar disso enquanto começamos os preparativos.
Diante de tamanha presença de espírito e carisma, os outros líderes só puderam responder de uma forma:
— Nia Rafdonia!
Heh, este reino realmente tinha muitas pessoas talentosas.
Enquanto eu compartilhava as novidades com os membros da Tropa Quatro após a reunião, Jerome se aproximou de mim. — Sua Senhoria, poderia me conceder um momento?
— Claro.
Não precisávamos ir a lugar algum, pois todos rapidamente se afastaram para nos dar espaço. Os magos próximos até lançaram um feitiço de restrição sonora para que pudéssemos conversar em particular.
O comandante deu uma risadinha para si mesmo. — Não planejava causar tanto alvoroço.
— Existe um ditado que diz que quanto mais reservado for o líder, melhor.
— …Existe?
— Não, acabei de inventar.
Ele não parecia ter muito a dizer sobre isso.
— Então, o que foi? — perguntei.
Jerome rapidamente foi direto ao ponto. — Estou aqui para lhe dizer para não se preocupar muito com Sir Versilus. Eu vou lidar com ele.
— Lidar com ele…?
— Sei que você e a Torre Mágica tiveram um pequeno desentendimento há algum tempo. Percebi que ele estava sendo mesquinho e fazendo questão de discordar das suas sugestões por princípio.
— …Você tem informações sobre Kashan?
— Nada além do que qualquer aventureiro já saberia. Honestamente, eu nunca tinha ouvido falar do Clã Barqueiro antes de você mencioná-lo, já que eu mesmo não sou um aventureiro.
— …Então, como soube que o mago estava apenas discutindo comigo porque queria, e não porque eu estava errado?
— O que me falta em experiência de aventura, compenso com um bom conhecimento sobre pessoas. E Sir Versilus é bastante fácil de ler.
Esse era um lado inesperado de Jerome. Eu havia presumido que ele era um cabeça-dura que deixava todo o pensamento para o seu vice-comandante, considerando como ele ordenou que ele descobrisse a questão do portão de pedra por conta própria.
“Embora, acho que não precisa ser uma coisa ou outra.”
Honestamente, pessoas como ele eram as mais difíceis de lidar. Decidir quando usar a força e quando usar a inteligência era algo tão natural quanto respirar para eles. De certa forma, eu poderia dizer que ele e eu éramos o mesmo tipo de pessoa.
— De qualquer forma, peço que não guarde muito rancor — Jerome implorou. — Independentemente de você gostar dele ou não, seremos todos aliados até deixarmos este lugar.
— Não se preocupe. Eu nem estava bravo para começo de conversa.
— Haha, é mesmo?
— Quero dizer… você também aguentou muita porcaria.
— Bem, eu não vejo isso como ‘aguentar’ nada…
— Acho que você nasceu para ser um soldado, então.
Ele riu de novo. — Que tal também aproveitar esta oportunidade para se juntar ao exército, Sua Senhoria? Acho que você se adaptaria como um peixe na água.
“Não diga algo tão sombrio com uma cara tão séria.”
Mas ainda assim, como foi inesperado. Não previ que poderíamos nos relacionar assim. Talvez pudéssemos sair dessa com uma relação amistosa…
— A propósito, Sua Senhoria.
— …Hm?
— Posso fazer um pedido?
— Um pedido?
— Quanto mais tempo passo com você, mais você me lembra de alguém que conheci uma vez. E então, embora eu saiba que é impossível… — Com essa introdução sombria, Jerome ergueu um objeto que ele tinha escondido debaixo do braço durante toda a nossa conversa. — Poderia experimentar isso por um segundo?
Era um capacete que cobria todo o rosto.
— …Eu estou com fome, então vou indo agora!
Esqueça essa história de amizade. De agora em diante, preciso ficar o mais longe possível desse cara.
A besta de primeiro nível, tipo lobo, Lobo da Profecia, Kashan… Embora tenhamos decidido invocá-lo, não partimos imediatamente para a incursão. Derrotar um monstro de primeiro nível não era tarefa fácil. Precisávamos recuperar nosso HP e MP para garantir que estaríamos no nosso melhor estado ao entrar nessa luta.
— Atenção, todos os soldados! Sir Versilus agora fará uma apresentação sobre o monstro que enfrentaremos em breve!
Também precisávamos estar preparados para a estratégia que usaríamos contra ele. Ao contrário de quando enfrentávamos monstros de segundo ou terceiro nível, não podíamos ignorar as partes da explicação que não nos diziam respeito diretamente, se fizéssemos isso, não conseguiríamos lidar com as surpresas que poderiam surgir durante a batalha.
— Saudações, soldados — disse o vovô, pigarreando. — Como todos sabem, sou Gahuin Versilus, o mago-chefe do Primeiro Grupo de Expedição. Fui encarregado de transmitir a vocês as informações necessárias para enfrentar o Lobo da Profecia, Kashan. Mas primeiro, seu nome deriva de…
Entediante nem começava a descrever o quão densa e prolixa era a explicação do velho mago, mas como as vidas de todos estavam em jogo, nos forçamos a permanecer acordados e a ouvir.
Ah, exceto por uma pessoa.
Honk!
Hooonk!
Uma veia pulsou na testa do velho mago quando ele avistou Ainar não apenas dormindo, mas também roncando alto. Parecia que ele estava desconfiado de mim, pois deixou passar sem comentar.
Suspirei. “Vou ter que explicar as coisas para ela do jeito bárbaro depois.”
De qualquer forma, depois dessa lição, tivemos outra reunião de liderança. Discutimos as formações, os itens que usaríamos, como iríamos alternar o dano ao longo da incursão e assim por diante. A discussão durou várias horas e, inesperadamente, tive que fazer poucas contribuições à conversa. Não havia necessidade para isso.
— Saintred, por acaso você tem experiência em lutar contra esse tipo de monstro? — perguntei, curioso.
— Hmm… se houver algo que você ache que estou esquecendo, por favor, me diga. Estou disposto a ouvir.
Uh… isso não foi uma crítica.
Depois que expliquei que só estava perguntando porque não conseguia encontrar falhas no plano dele, Jerome esboçou um sorriso alegre. — Haha, parece que as táticas de labirinto que aprendi na minha juventude foram úteis — disse humildemente.
— Táticas de labirinto? Isso é algo que você aprende quando está treinando para se tornar um cavaleiro?
— Normalmente não, mas meu pai era um homem um pouco peculiar.
— …Entendo.
De qualquer forma, uma vez que essa primeira reunião acabou, juntamos nossas cabeças para executar algumas simulações de combate e ter ideias continuamente de quaisquer variáveis ou desenvolvimentos inesperados que poderíamos enfrentar.
“Com tantas pessoas contribuindo, parece que estou jogando um RPG de mesa.”
Talvez fosse porque, quando eu costumava jogar Dungeon and Stone, eu jogava e pensava nas coisas sozinho, mas poder discutir as coisas com um grupo assim era divertido à sua própria maneira.
— Então podemos parar por aqui hoje. Reuniremos toda a equipe amanhã para o treinamento e a luta acontecerá no dia seguinte, então certifiquem-se de ir para a cama cedo hoje.
Em todo caso, havíamos finalizado nosso plano.
No dia seguinte, reunimos todos em frente ao portão de pedra para atribuir as formações e passamos o dia ensaiando a incursão.
— Você aí! Está na posição errada! Deveria estar aqui, não ali!
— Ah, desculpe…!
— Você… qual é o seu nome?
— Celt Abys…
— Errado! Seu nome é ‘Uma Vergonha para a Humanidade’!
— Hã…?
— Se ‘desculpa’ resolvesse tudo, para que precisaríamos de lei marcial? Algo errado com seu cérebro? Olhe para lá! Até Ainar, uma bárbara, sabe onde deve estar!
Mesmo enquanto me perguntava se esse ensaio de batalha simulada seria realmente útil, me certifiquei de ser o mais rígido possível com todos. Por via das dúvidas.
Vai saber, alguém que poderia ter morrido talvez saia dessa vivo graças aos meus gritos.
— …Não sabia que o barão era tão assustador.
— E-Ele está me fazendo lembrar do meu tempo como cavaleiro aprendiz.
— Não fiquem tão chocados. Vocês já deveriam saber como o barão é. Ele está dizendo tudo isso para o nosso bem!
— Ah… Acho que ele deve estar se sentindo péssimo por gritar com a gente, então.
Graças ao trabalho que coloquei para construir uma relação amigável com eles, ninguém protestou contra a maneira como eu os estava tratando.
— Isso é tudo. Não haverá mais nada a fazer até o meio-dia de amanhã, então descansem até lá e preparem-se!
Assim que o ensaio de batalha terminou, montamos o acampamento mais cedo do que o habitual e fomos dormir.
E então, ao meio-dia do dia seguinte…
— Assumam suas posições!
— Em suas posições!
— Coloquem o livro no altar!
Brrrrrm!
Uma vez que todos estávamos em formação, observamos, totalmente concentrados, enquanto o portão de pedra se abria com um rangido, e um par de olhos azuis e assustadores brilhou na escuridão.
Então, das sombras sinistras…
Boom!
Uma fera de quatro patas surgiu lentamente, saindo para a luz.
【Você encontrou a Profecia Sinistra.】
【Seu atributo de Sorte foi ajustado para -200】
“Certo, vamos fazer isso.”
