Combo 16/25
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No Grifo Branco, assim como em todas as seis grandes academias, os alunos de anos diferentes não tinham espaços comuns para impedir que os veteranos mais velhos e mais fortes provocassem os mais novos.
Esse feito foi alcançado simplesmente por ter cada ano acadêmico acontecendo em um único andar. O andar térreo do castelo era a área de boas-vindas para os visitantes e também abrigava a Secretaria, onde os funcionários cuidavam de toda a papelada da academia.
O primeiro andar acomodava todos os alunos do primeiro ano da academia, o segundo andar acomodava aqueles do segundo ano, e assim por diante.
Acima do quinto andar, ficavam os alojamentos dos funcionários e seus laboratórios pessoais, mas a maior parte do espaço estava marcada no mapa como vazia ou atribuída a departamentos com nomes indefinidos.
Lith suspeitava que todos os negócios privados da academia, como os cursos de treinamento de especializações ocultas, aconteciam lá.
Naquele momento, porém, enquanto olhava o mapa do castelo com a Soluspedia, Lith não estava se perguntando sobre os mistérios da academia, mas sim amaldiçoando seu design defeituoso.
“Droga! Não é de se espantar que os Professores sempre se movam com Passos de Dobra. Eu não percebi no começo, mas mesmo um único andar é como uma cidade pequena, muito maior do que toda a vila de Lutia.
O corredor do prêmio fica bem longe do hospital. Levarei pelo menos dez minutos para chegar lá e ainda mais tempo para voltar para meu dormitório. Eu não tinha planejado fazer tanto cardio! Estou cansado e as únicas coisas que quero fazer agora são dormir e comer.
O único lado bom dessa situação é que todos estão sofrendo o mesmo destino. Depois do gongo, o Professor Vastor foi embora sozinho, nos deixando presos na enfermaria.”
Com tudo o que aconteceu durante seu primeiro dia, a carga psicológica na mente de Lith era enorme.
Enfrentar valentões e se impedir de usar magia verdadeira, sendo forçado a tolerar tantos idiotas sem chutar a bunda deles, era algo com que ele não estava mais acostumado a lidar.
Desde seu renascimento, Lith sempre manteve a quantidade de interações humanas no mínimo.
Agora ele estava constantemente em alerta. Ele não podia baixar a guarda por um segundo e tinha que manter o Voto sempre pronto. Ele mal podia esperar para trancar a porta atrás de si e finalmente ter um pouco de paz e sossego.
“Não sei se algum dia poderemos usar Passos de Dobra aqui…” Solus ponderou.
“…Mas por que exatamente não estamos flutuando, voando ou algo assim? Não há nenhuma regra contra o uso de magia dentro da academia, exceto se usada para machucar ou assediar outros.”
Lith congelou no local, colocando a mão na testa por causa de sua própria estupidez.
“Ou estou cansado demais para pensar claramente, ou você é definitivamente mais inteligente do que pareçe. Eu te amo, Solus.” Lith pensou.
“Eu te amo mais.” Ela respondeu.
Lith fingiu lançar um feitiço de voo pessoal e então saiu voando com as costas grudadas no teto. A viagem de dez minutos se tornou um voo de um minuto em baixa velocidade, Lith não podia arriscar bater em outra pessoa.
Durante esse tempo, Lith contemplou como ter um relacionamento simbiótico havia mudado sua vida. Ele não estava pensando em Solus tendo uma visão de 360° 40/10, sua dimensão de bolso ou qualquer uma de suas capacidades.
O que nunca deixou de surpreendê-lo, foi como ele se acostumou a pensar em si mesmo como “nós” em vez de “eu” em seus próprios pensamentos. Apesar do terror que ela havia causado em seu coração após o primeiro encontro, Solus agora estava mais perto dele do que suas irmãs.
Eles compartilhavam até mesmo seus sonhos, enquanto ele dormia.
Quando chegou ao corredor do prêmio, foi uma decepção completa. Lith o imaginou como uma biblioteca, mas cheia de tesouros mágicos, com as prateleiras ocupadas por itens e suas descrições.
Ele pensou em dar uma olhada neles e pedir ajuda aos funcionários de vez em quando, mas a realidade pedia para ser diferente. Espremido entre os salões de treinamento do Magos de batalha e dos Magos de guera, havia algo que lembrava muito um caixa eletrônico.
No display piscante, havia a imagem piscante de uma palma aberta, então Lith seguiu as instruções infalíveis, enviando mana para ela. O display ficou brilhante, fazendo um holograma 3D de um balconista aparecer.
Era uma mulher gordinha na casa dos trinta, com um rosto cansado que envergonhava o de Lith. Seus olhos focados no rosto dele, Lith podia vê-la mexendo com algum tipo de cristal.
— Você é Lith de Lutia, certo? — O cristal em suas mãos projetava uma imagem detalhada de suas características faciais.
Lith assentiu.
— Tem alguém aí com você? Alguém está forçando você a gastar seus pontos?
— Não. — Lith era cínico e paranoico, mas ficou surpreso com o quão ruins as coisas nas academias tinham que ser para impor tal protocolo.
A mulher pressionou outro cristal e uma bolha de luz envolveu Lith.
— Você está em uma zona segura. Ninguém pode nos ver ou ouvir agora. Você precisa de ajuda? Posso enviar um guarda em um segundo com um Passo de Dobra. Tem certeza de que está tudo bem?”
— Sim, estou bem. Obrigado pela sua gentileza.
— 1000 pontos no seu primeiro dia? — A mulher parecia sinceramente surpresa.
— Garoto, você encontrou a mina de ouro, fique à vontade para conferir nosso estoque.
Na tela, apareceu algo semelhante a uma página da internet, na qual ele podia navegar usando mana.
Os preços dos itens dimensionais variavam de 100 a mais de 300 pontos, anéis de armazenamento mágico custavam 100 pontos por nível. Também havia armas disponíveis, mas Lith nunca tinha segurado uma de verdade.
Durante seu treinamento, de volta à Terra, ele só fez uso de espadas de madeira, facas e lanças. O equilíbrio era completamente diferente e, sem treinamento adequado, elas seriam inúteis contra um oponente habilidoso. Poções eram os objetos mais baratos, custando 10 pontos cada.
O item mais caro da lista era o uniforme, custando exatamente 5000 pontos. Esse preço permitiria que Lith o mantivesse mesmo após concluir seus estudos, e tivesse sua aparência alterada para algo menos chamativo.
Infelizmente, não havia nenhum relógio de pulso ou de bolso disponível.
Ele comprou o amuleto dimensional mais barato (80 pontos), um anel de armazenamento de magia para cada um dos três primeiros níveis (600 pontos) e uma poção de aprimoramento físico de cada tipo (30 pontos). Lith agora tinha tudo o que precisava para mascarar o uso de magia verdadeira e Solus.
A funcionária enviou os itens a ele via Passos de Dobra, um de cada vez, pedindo que ele os imprimisse na frente dela, por razões de segurança. Até as poções não eram exceção.
No caminho de volta, ele parou na cantina. Era muito cedo para jantar, mas ele estava precisando muito de comida reconfortante, então ele guardou uma xícara de chocolate quente e alguns doces antes de voltar para seu quarto.
Os livros ainda não tinham sido entregues, então ele finalmente pôde relaxar e contemplar suas compras. A primeira coisa que ele fez foi usar as poções de velocidade, força e endurecimento da pele para comparar seus efeitos com a magia de fusão.
Após enchê-los novamente com água colorida, tudo o que ele teria que fazer era fingir beber uma delas para poder ativar a magia de Fusão sem levantar suspeitas, desde que mantivesse os efeitos semelhantes.
Só quando foi ao banheiro é que percebeu o quão grande era seu quarto. Era muito parecido com um apartamento de um quarto, com cerca de cinquenta metros quadrados. Tinha uma cama de casal no canto superior direito com um espelho na frente da cama.
Alguns metros à esquerda, encostado na parede, havia um guarda-roupa de madeira.
Na parede esquerda, havia uma escrivaninha de madeira e uma cadeira para seus estudos, com algumas estantes vazias montadas acima dela. Móveis à parte, o cômodo estava vazio, fazendo-o parecer ainda maior.
Uma porta interna levava ao maior banheiro que ele já tinha visto, ocupando mais de um terço do cômodo. Havia um vaso sanitário de verdade e uma pia em frente a um espelho, ambos com água corrente.
Lith estava à beira das lágrimas. Depois de todos aqueles anos, ele quase se resignou a fazer xixi no mato e cocô em um buraco no chão. Mesmo na casa do Conde Lark, o melhor que ele conseguiu foi um penico.
A maior parte do espaço, porém, era ocupada por uma banheira grande o suficiente para acomodar confortavelmente quatro pessoas.
“Sou eu, ou quem projetou este quarto tinha uma mente suja? Primeiro a cama de casal e agora isto?” Lith pensou.
“Faz sentido, considerando que que eles estão amontoando adolescentes sem controle parental. Lembra do feitiço que Nana nos presenteou antes de irmos para a Grifo Relâmpago?” Solus apontou.
“Na verdade, eu quase tinha esquecido disso. Mas vendo o quão rápido Tista e Eliza se desenvolveram, mesmo aos doze anos, não deve ter sido difícil para Nana encontrar um parceiro. Eu sou alto para minha idade, mas ainda sem pelos e mais baixo do que a maioria dos meus colegas de classe.
Sem falar que só de pensar em tocar em uma criança me dá vontade de vomitar.’
Lith então fez o cocô mais magnífico e confortável desde seu renascimento. Aquele momento sozinho fez com que todas as dificuldades que ele experimentou desde que entrou na academia desaparecessem como um pesadelo.
Depois disso, ele tomou um longo banho quente, ou pelo menos esse era o plano. Ele mal tinha mergulhado o corpo e ensaboado o cabelo quando alguém bateu em sua porta.
“Eu sabia! Essa deveria ser a quarta lei da termodinâmica: sempre que um corpo e um sabão se encontram, um pacote chega!”
Furioso, ele usou magia de água com um aceno de mão para remover a maior parte da água e do sabão de seu corpo enquanto tirava seu uniforme do bolso e o colocava diretamente em seu corpo, como se nunca tivesse sido despido.
Como previsto, um funcionário veio entregar todos os livros que ele precisaria para o quarto ano da academia. Percebendo sua carranca e cabelo molhado, o funcionário adivinhou o que tinha acontecido e saiu após fazer Lith assinar seu registro.
Depois de um banho e outra ligação para casa, Lith foi jantar.
Ele estava prestes a consumir um delicioso pisca-pisca recheado quando algo inesperado aconteceu. Sua solidão perfeita foi interrompida por três indivíduos conhecidos se aproximando de sua mesa. Lith os deteve antes que pudessem se sentar.
— Desculpe, mas temos um ditado na minha aldeia. A melhor maneira de aproveitar um pisca-pisca requer apenas dois convidados: eu e o pisca-pisca.
— Não queríamos compartilhar, só queríamos sentar aqui com você. — Disse Yurial.
— Sério? — Lith franziu as sobrancelhas. — Você não tem medo das consequências de se associar a um pária?
Yurial riu da ideia, atraindo todos os olhares na cantina. A única coisa que os outros sabiam era que os quatro pertenciam à mesma especialização. Esperando que uma briga começasse, a sala ficou em silêncio.
— O que há para ter medo? Meu pai é um arquimago, ele pode acabar com a maioria desses caras com um estalar de dedos. Além disso, magos poderosos devem ficar juntos.
— É? E o frasco de vidro que você jogou em mim esta manhã? Ou o lenço sujo com que ela me bateu na cabeça? — Lith disse enquanto apontava para Friya, que ficou vermelha de vergonha.
— Como você sabia que era eu? Eu estava bem atrás de você.
— Eu sou tão bom assim.
— Admito, começamos com o pé errado, mas não há razão para que não possamos ser amigos. — Yurial disse com uma atitude confiante e carismática.
— Amigos? — Lith se levantou, e o público até parou de mastigar, tentando escutar a conversa.
— Esse é o filho de um arquimago!
— Acho que ele não teme o fim dos covardes.
— Espero que eles se matem. — Esses foram alguns dos comentários que Lith e Solus conseguiram perceber.
— Se você estivesse no meu lugar, você realmente seria amigo de alguém que primeiro o maltratou, apenas para agir de forma amigável depois que descobriu seu talento? Meu palpite é que não.
— Vocês todos deveriam ter sido mais espertos, e não ter julgado um livro apenas pela capa. Sorte minha, vocês revelaram sua verdadeira natureza, então não vou comprar sua boa atuação.
— Eu admito, eu estava errado e peço desculpas por isso. — Yurial era implacável, Lith tinha que admitir isso. — Você pode não gostar de nós, mas tente ser mais pragmático. Se eles virem você conosco, sua vida será muito mais fácil.
— Ponto aceito. — Lith respondeu. — Mas agora, não estou com vontade de fazer ‘amigos’, talvez outra hora. — Ele estendeu a mão para Yurial, que prontamente o apertou.
— Obrigado por não me ameaçar com o poder do seu pai. Muito apreciado.
— Teria funcionado? — Yurial perguntou com um sorriso.
— Não, eu teria percebido seu blefe. Nem você nem nenhum arquimago me parecem pessoas tão mesquinhas e míopes a ponto de fazer de toda a academia um inimigo por algo tão trivial.
Yurial aceitou o elogio e foi embora, seguido de perto por Friya. Quylla ficou para trás, encarando Lith com seus grandes olhos de cachorrinho.
— Desculpe por não ter ajudado você esta manhã, mas eu estava com muito medo de me mover. — Ela disse em um tom baixo. — Eles não são caras maus, eu acho que eles merecem uma segunda chance. Eles foram muito legais comigo.
Lith rosnou, aproximando seu rosto do dela de forma ameaçadora, mas sua voz estava calma e atenciosa.
— Escute bem, coisa curta. Nunca confie nas pessoas só por causa de algumas palavras baratas ou presentes. Para elas, nosso talento é apenas uma ferramenta, elas não nos consideram como seus iguais.
— As pessoas sempre serão legais e amigáveis até que você tenha cumprido seu propósito, mas no primeiro erro, elas vão te abandonar como lixo. Fique com esses dois, mas não deixe que eles te usem. E agora vá, antes que alguém pense que somos amigos.
— Ou você arranja um voto também, ou fica bem longe de mim. Vai!
Lith gritou a última palavra para os outros ouvirem. Aos seus olhos, Quylla estava destinada a acabar como Nana, a menos que ela conseguisse se tornar sábia e se livrar de sua ingenuidade infantil.
Finalmente sozinho, Lith sentou-se novamente e começou a devorar seu jantar.
“Vocês verão, seus bastardos. É só uma questão de tempo até que essa jovem cobra de Lutia se torne um dragão e engula vocês inteiros.”