Braços levantaram-se e um grito vitorioso se seguiu com a cabeça para cima, ressaltando toda sua imponência.
Como se para afirmar a vitória, o mesmo foi feito por toda a plateia. Braços levantados e gritos ecoaram por todo o local.
Emoções conflitantes surgiram em mim, não sabia se imitava o gesto ou fazia qualquer outra coisa. Mas uma coisa era certa, Greeta venceu essa luta.
Talvez por sua derrota rápida contra os vanguardas eu tenha esquecido, mas Greeta não era fraca. Não, definitivamente não era. Era forte e brutal, e essa luta só confirmou isso.
Me vi tremendo, era excitação pela batalha que assisti? Ou medo por ter que viajar com uma… assassina? Afinal, aquele monstro ainda estava vivo? A forma como ela cortou a garganta dele… E aquelas garras? Aterrorizante.
Não. O que eu estava pensando? Greeta era minha amiga, e uma boa pessoa. Não faria mal à ninguém à menos que precisasse, muito menos faria mal à mim.
A fumaça da explosão ainda cobria o corpo, mas se dispersava rápido por conta da chuva. Logo seria revelado o que houve com o corpo do draconato.
Ao ver minha amiga baixar ambos os braços, ou melhor, deixá-los cair junto à cabeça que se abaixou, voltei a mim e me vi em uma corrida até ela.
Mesmo com a chuva, a arena esquentava quanto mais perto eu chegava do centro da explosão, mas não estava muito quente, apenas o suficiente para me manter aquecida, por mais que o clima fosse frio.
Cheguei em Greeta e hesitei em abraçá-la, apenas parei ao seu lado e a observei em silêncio.
As longas garras tinham desaparecido, o que me tranquilizou um pouco, mas me deixou curiosa.
— Hum… Greeta…
Estendi a mão para tocá-la, mas parei, suas queimaduras eram sérias e estavam por todo o corpo, bolhas doentias se espalhavam pelas escamas. Escamas essas que deveriam protegê-la do fogo, não? Cleiton disse algo assim.
Bom, de qualquer forma, precisava saber como minha amiga estava. Mesmo que visualmente acabada, com roupas e corpo completamente queimados e toda ferrada, ela ainda estava de pé, o que era um bom sinal, certo?
Levei minha mão até atrás da cabeça e comecei a falar: — Foi uma boa luta, Greeta. Você mandou bem.
Não houve resposta. Será que escolhi mal as palavras? Ela provavelmente estava cansada demais para responder bobagens.
Estava tensa, não sabia o que dizer. Essa era minha reação normal? Na vez em que ela lutou contra Ângela, eu lembrava de ter sido diferente. Algo mudou?
Mas talvez estivesse certo não abraçá-la e enchê-la de “isso foi perigoso” ou “você podia ter morrido”. Quer dizer, ela estava acabada. Isso! Não havia nada de errado em minha reação, só estava preocupada com seu estado.
— Por que não se senta um pouco? Descansa…
— A desgraçada não apenas acabou com meu cara, mas desmaiou de pé!
Olhei para trás para ver Hector se aproximar. Cleiton estava ao seu lado.
— Não te disse que minha garota era boa? Sabia que ela ia ganhar. — Cleiton socou o ombro do outro anão.
Sabia que ela ia ganhar? Que mentiroso. Mas espera, Greeta desmaiou?
Me aproximei mais da grande mulher lagarto e olhei para cima. Seus olhos estavam fechados e sua respiração parecia fraca. Toquei de leve seu focinho para ter certeza, mas ela não teve reação. Estava inconsciente.
— Vamos lá! Anuncie minha vencedora. E dê o show que ela merece. — Cleiton empurrou Hector.
— Escutem todos! — gritou. A plateia ficou em silêncio na mesma hora. — Que fique gravado em suas mentes que sem muitas dificuldades, Greeta, a desgraçada das garras cinzas, venceu Grog, o insano em uma batalha limpa e brutal!
Com isso, todos em volta da arena explodiram em gritos eufóricos em comemoração a vitória. Mas era mesmo certo comemorar? Será que eles não viam o estado da campeã? E mais, do oponente caído?
Nesse momento olhei para trás e para baixo, uma grande bagunça de cinzas e sangue…
Ele só podia estar morto.
***
A equipe médica tirou Greeta da arena. Foram cuidadosos pois ela ainda estava inconsciente.
Fiquei aliviada deste lugar ter uma equipe de curandeiros, mas não sabia se era certo deixá-la nas mãos dessa gente. Eles prendiam os lutadores, poderiam querer ficar com Greeta também.
Mas então, o que mais eu faria além de permitir que cuidassem dela? Se ao menos eu soubesse magia sagrada…
Claro que quis pelo menos acompanhá-la, mas Cleiton e Hector não me permitiram. Disseram que era minha vez de lutar.
— Não era isso que você queria? Aprender a lutar? Essa é sua chance de ter uma boa luta. Não se preocupe com Greeta, ela vai despertar logo.
Fui obrigada à concordar, mesmo relutante. Greeta era forte, e aquele draconato parecia ser o mais forte nesse lugar. Se tentassem prendê-la, ela com certeza daria um jeito.
Não havia com o que me preocupar, tinha que focar na luta que estava por vir.
— Senhores! Agora teremos um evento a mais! Depois dessa batalha absurda entre dois titãs, vamos apreciar uma briguinha entre crianças que estão em ascensão para se tornarem guerreiros!
Houve sons frustrados da plateia. Eles não queriam ver uma luta menos emocionante depois do espetáculo que foi a última?
— Qual é, vamo lá, se animem! Está na hora de ver ela, filha do grande barbeiro dos lobos, amigo meu, Cleiton Gloire! Vamos ver sua filha em sua primeira luta hoje! Podemos estar presenciando o nascimento de uma grande guerreira! — Empurrou-me para frente, tive que me equilibrar para não cair. — Vamos, pequena, se mostre um pouco.
Observei a plateia calada por um momento. Eram muitos, e todos os olhares silenciosos fixos em mim. Alguns cochichavam uns pros outros… Depois da luta de Greeta, conseguia imaginar o que estavam dizendo: “ela vai ser esmagada…”, “pobre garota…”, “ela não tem chance…”. Entre outras coisas.
Comecei a tremer os braços. Segurei meu pulso involuntariamente. E se meu oponente fosse como o de Greeta? Era mesmo uma boa ideia? Cleiton não deixaria eu me machucar, né?
Olhei para o anão em busca de uma resposta. Ele fazia um gesto com as mãos… Era para me acalmar, respirar fundo. Estava tudo bem. Eu ia ficar bem. Me colocariam para lutar contra outra criança, eu dava conta.
Respirei com os olhos fechados. Ao abrir os olhos, vi Cleiton fazendo sinal que entendi como sendo para abrir a capa. Não entendi bem o porque, mas o fiz, e então ele cochichou:
— Abra as asas e olhe para eles.
Como ele instruiu, tirei minha capa de chuva, abri as asas de cristais e encarei a multidão. A chuva caía em mim enquanto eu encarava.
Um momento se passou em silêncio, pude ouvir suspiros da plateia. Eles se impressionaram com as asas? Claro, só podia ser isso, afinal, eram lindas.
— Vejam, a garota tem suas armas! Asas de pedra são armas dignas dos mais habilidosos guerreiros! Eu mesmo já vi uma harpia humilhando seu oponente com suas asas metálicas! Vamos ver se ela sabe usá-las?!
— Sim!
A plateia gritou outra vez, pareciam ter recuperado o ânimo.
Então minhas asas eram armas? De fato, no Reino dos Anjos, usávamos as asas para batalhar entre nós. Era apenas de brincadeira, mas talvez já me garantisse uma vantagem. E esses cristais pareciam bem resistentes. Sim, eu podia vencer.
Senti um sorriso surgir em meu rosto. Estava animada? Eu queria mesmo lutar? Derrotar alguém, sem motivos? Não! Não é pelo prazer de derrotar alguém. Só queria aprender a me defender.
Não podia me deixar levar pelos gritos da multidão. Eu não era assim, isso estava reservado para os inferiores. Não podia me deixar sentir nenhum prazer nisso. Só estava fazendo o necessário. Sim! O necessário.
— Agora, vamos chamar para a arena o oponente! Podem trazer! Nosso garoto gato. A fera enjaulada que nos causou tantos problemas! Draven!
Da entrada de onde viemos, empurrada por um homem grande, vinha uma jaula quadrada de rodinhas com um garoto sentado dentro. Logo reconheci o garoto semi-humano que vi no corredor de onde viemos.
O homem empurrou a jaula até o centro da arena, perto da gente. Ali fora, na luz, podia ver melhor o garoto de pele de ébano e olhos amarelos, com pelos pretos como a noite e um bigodinho de gato nas bochechas.
Ele era… pequeno. Muito pequeno, parecia ser uma cabeça menor que eu. Uma criancinha. Estava um pouco magro para a idade, era provável que não se alimentasse direito.
— O que é isso? Não vou lutar contra um menino.
— Desculpe, mas as meninas estão em falta no momento. E se quiser uma boa experiencia de luta, vai ser ele. Não reclame, já é chato para mim ter que fazer isso. — Hector se aproximou da jaula.
Havia meninas também? Na verdade, não era isso que importava.
— Não foi isso o que quis dizer. Qual a idade dele? Oito? Sete? É só uma criancinha. Ele nem deveria estar aqui.
— Se quer ele para você, pode levar, será o prêmio pela vitória daquela desgraçada das garras cinzas. Mas primeiro, lute com ele.
— Não vou lutar contra um garotinho. — Cruzei os braços.
— Vai sim, e vamos levá-lo, Hector. — Cleiton alisava a barba, tinha um olhar satisfeito no rosto. Ele queria aquele garoto?
— Ótimo. Para você, Draven, tente não matar a garota e a liberdade é sua — disse para o garoto na jaula.
— E meus amigos?
— Convença seus novos donos à comprá-los. Agora vá!
Hector baixou a porta da jaula e o jovem semi-humano avançou para fora com velocidade e uma ferocidade no olhar.
Mas hein? Já? Assim tão de repente e sem me dar nenhum tipo de preparo? Mas que…
Ele corria como uma fera. Não como Greeta ou Grog, longe disso, aqueles dois eram insanos. Mas ainda assim, parecia um animal que acabara de ser liberto de sua jaula… e era meio que isso mesmo, se considerar a parte gato dele.
O menino correu de quatro até mim e, ao me alcançar, pulou com garras negras em direção ao meu rosto.
Em reflexo, recuei uns passos e coloquei uma asa à minha frente. Um som metálico ruiu no choque entre as garras do jovem e os cristais da asa.
— E começa a luta! — gritou Hector, seguido de uma multidão de gritos da plateia.
O jovem continuava seu ataque feroz de garras enquanto eu recuava com minha asa como escudo.
O que fazer? O que eu podia fazer? Começou muito rápido. Se eu não reagisse à tempo, suas unhas estariam cravadas em minha cara.
— E-espere um pouco! Podemos conversar! — Continuava forçada à ir para trás.
— Aah! Ah! — gritava o jovem enquanto avançava desesperado para me ferir. Que diabos! Ele não me escutava.
Calma. Tinha que fazer algo. A multidão gritava eufórica. O jovem atacava incansável. Greeta não estava comigo.
Ainda recuava. Olhei rápido por cima do ombro, logo chegaria à parede. O que eu devia fazer? Usar magia? Não, Simi disse que eu era uma anomalia, usar magia assim parecia arriscado, e eu nem sabia o que fazer.
Tinha que lutar com meu corpo, com minhas asas. Elas eram armas, não eram? Então podia usá-las! Só tinha que esperar a hora certa.
Sim! A hora certa foi no momento em que meu oponente atacou. Abri minha asa para fora com tudo nesse exato momento em que suas garras alcançaram meus cristais e criei uma abertura. Ele estava completamente vulnerável!
Mas e então? Tudo ficou lento. Meu coração parecia querer explodir para fora. A plateia gritava louca. O rosto surpreso da criança à minha frente me dizia que ela não esperava por isso, e nem eu. Só vi uma coisa à se fazer.
Parei de recuar e pulei com tudo em cima dele! Peguei em seus braços e o derrubei no chão de pedra chamuscado. Houve um grito surpreso, mas ele logo se recuperou do choque, me agarrou e girou, tentando se livrar de mim.
Me colocou contra o chão mas eu o girei de volta e o coloquei novamente na posição em que caímos. Mas ele era forte e me girou de novo, e eu o girei outra vez com o embalo, e giramos assim por um tempo até que eu exerci força o suficiente para parar em cima dele.
Por que ele estava tão determinado? Hector não disse que ele será livre? Afinal, por que estávamos nessa luta?
— Não precisamos lutar! Eu vou te tirar daqui! Você nunca mais vai precisar lutar!
Pela primeira vez, o jovem diminuiu sua ferocidade, e em meio aos gritos da plateia, perguntou: — E meus amigos?!
— Vou tirá-los daqui! Todos eles!
Ele se acalmou totalmente. De repente, parecia outra pessoa.
— Promete.
Não podia prometer aquilo. Era com Cleiton, não comigo. Queria ajudar, claro, ninguém deveria ser obrigado a viver em celas e lutar para a diversão dos outros. Mas como faria isso?
O jovem encarava meus olhos em busca de uma resposta que eu não tinha. Então ele se agitou de novo e em meu momento de distração me virou outra vez pro chão e finalizou com uma cabeçada.
Fiquei tonta na primeira, mas ainda continuei consciente, e então veio a segunda e tudo ficou escuro.